Num post recente (23/Jan) “Reflexões na Ria e sobre um barco semi-rígido” referi que iria fazer outro post sobre as viagens a Silves num barco que tive em tempos.
Depois falei na estrada N124 que vai de São Bartolomeu de Messines até Silves, passando por muitos laranjais, cultivados em planícies mas também em encostas, umas vezes em curvas de nível outras em linhas de maior declive., provavelmente alimentados pelo sistema de rega da barragem do Arade (construída em 1955) que foi até há pouco tempo em canais abertos, estando em fase de transição para distribuição sob pressão em condutas, uma técnica que reduz imenso as perdas de água na sua distribuição.
Nem todos os caminhos vão dar a Silves, isso dizia-se àcerca de Roma, mas quando me propus ir de Portimão a Silves por via fluvial tive que me inteirar dos pormenores do percurso e revivi uma ligeira apreensão, que costumava aparecer na infância quando iniciava um caminho que tinha que percorrer sem a companhia de alguém que já o conhecia.
Na altura não havia Google Earth e o mapa das estradas do ACP pouco ajudava nos percursos fluviais. Existiam as cartas militares topográficas de escala 1:25.000, que me foram muito úteis na exploração da albufeira da barragem de Castelo do Bode, cujo percurso sobre o leito do rio Zêzere até à barragem da Bouçã se estende por 54km, mas não tinha na altura o mapa do Google Earth que passo a mostrar
Trata-se de um caminho actualmente “marítimo” pois o rio Arade não tem praticamente caudal a jusante da barragem do Arade durante o Verão, sendo a navegabilidade até Silves possibilitada pela água do mar que entra na ria do Arade até pouco depois de Silves, sendo o percurso navegável por barcos de pouco calado, como era o caso do meu barco semi-rígido, mais à vontade durante a maré cheia, com mais cuidado durante a maré vazia.
O percurso marcado no mapa com o “Ruler”tem 12,1km (6,5 milhas náuticas) de comprimento, desde o Clube Naval de Portimão, onde colocava o barco na água, até às escadas de acesso ao passeio ribeirinho em frente ao Mercado Municipal de Silves.
Depois de passar por baixo da ponte rodoviária antiga e da ponte ferroviária também idosa na primeira bifurcação segue-se pelo canal da direita até ao Parchal, passando depois por baixo da ponte de tirantes (concluída em 1991) que serve a estrada N125.
No lado esquerdo, antes da curva para a direita e da passagem sob a ponte actualmente existente da A22 há na arriba do lado esquerdo uma gruta com uma imagem religiosa, pois os navegantes costumam ser pessoas devotas. Depois da curva pronunciada para a direita seguida de curva mais aberta para a esquerda aparece do lado direito uma ilha indicando que é altura de abandonar o que parece ser a continuação do rio Arade mas se trata da ribeira Odelouca, como se vê na ampliação seguinte do mesmo mapa
Antes de 1955 o Rio Arade deveria ter maior caudal aqui do que a ribeira Odelouca, talvez estes anos mais recentes tenham sido suficientes para parecer que a ribeira predomina aqui sobre o rio.
Constatei entretanto que se tivesse feito este percurso agora teria sido muito ajudado pela aplicação de mapas no meu telemóvel de onde tirei este “snapshot” do visor
onde não só poderia levar o mapa como mesmo poderia ver a posição em que estava.
Depois desta bifurcação essencial, havia do lado esquerdo um barzinho ao lado duma pequena piscina mantidos na altura (na década de 90) por um simpático casal de açorianos que tinha passado uns anos no Canadá e que então desemigrara para o Sul do Continente. Vi agora que o Google chama ao sítio “Clube Náutico de Silves”
como se vê no topo direito da imagem acima e melhor na imagem seguinte
Costumava fazer uma paragem aqui para beber um refresco e amenizar a viagem que demoraria sem paragens 45 minutos a uma hora.
A ria era então estreita, seguia-se pelo meio e nas curvas escolhia-se o lado de fora da curva do meandro pois essa seria a parte provavelmente mais profunda, conforme aprendera no liceu.
Quase a chegar a Silves tem-se a surpresa de ver uma pequena marina do lado direito, por vezes com a sua entrada protegida por uma grade, com iates de dimensão adequada para navegar na ria do Arade. Por vezes via-se também um helicóptero pousado ao pé da marina.
Nesta fotografia aérea do Google Earth datada de Maio/2013 a marina está à esquerda da piscina rectangular, com um pontão flutuante. Nas vistas históricas vêem-se por vezes barcos acostados e a piscina costuma estar azul turquesa quando a imagem é de Julho ou Agosto
Trata-se duma propriedade da família Pereira Coutinho com o nome curioso de Quinta de Mata-Mouros, constante em tabuletas como esta
existente na estrada que dá para a ponte velha de Silves. Li algures na internet que a origem do nome era misteriosa, talvez relacionada com a existência duma mata (floresta) e de mouros. Para mim é evidente que algum cristão na reconquista de Silves matou muitos mouros e recebeu umas terras que ficaram com este nome, indício também que a pressão do politicamente correcto não é tão forte em Portugal como às vezes se diz.
Pouco depois da marina na quinta de Mata-Mouros chega-se à escada de acesso ao passeio marítimo de Silves de onde tirei esta foto e as seguintes em Maio/2016 quando fui a Silves por estrada, com a ponte velha (construída no século XIV ou XV) ao fundo
Ao pé da ponte estavam umas cegonhas
e em cima duma chaminé estava outra a alimentar os filhotes no ninho
Mais recentemente, provavelmente no Verão de 2022, vi uma cena parecida a esta com um barco movido com painéis fotovoltaicos
visto mais de perto aqui
Trata-se da empresa Viator que faz passeios de Portimão a Silves pelo rio Arade.
Quem estava no barco informou-me que esta embarcação também tinha baterias e que os painéis visíveis na foto não eram suficientes para fazer a viagem com uma velocidade aceitável. Contudo, começando o passeio com as baterias carregadas conseguiam fazer a ida e volta a Silves sem necessitar de carga adicional das baterias. E estes barcos, além de ecológicos são naturalmente silenciosos.
Adendas:
Depois de publicar este post recebi alguns comentários que levaram a correcções no texto, que passo a descrever:
1) Milhas: por lapso converti os quilómetros do Path (caminho) do Google Earth do caminho fluvial entre Portimão e Silves, que eram 12,1km em Milhas terrestres (1609m) em vez de Milhas Náuticas (1852m). Assim os 12,1km são 6,55 Milhas náuticas e 8 Milhas terrestres;
2) Em Portimão existem membros das famílias Sousa Coutinho e Pereira Coutinho. Os donos da quinta de Mata-Mouros são os Pereira Coutinho;
3) Mata-Mouros: recebi mais um comentário dum amigo espanhol que refere a a existência do patronímico Matamoros em Espanha, sendo a sua frequência mais elevada no México, onde não existiam mouros. Trata-se provavelmente duma emigração económica, por falta de mouros na península ibérica os profissionais emigraram para a América onde foram matar “índios”, mantendo o patronímico. Passo a transcrever o comentário referido:
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Al hilo de tu reportaje fluvial he hecho algunas consultas sobre Matamoros y la idea de que “talvez relacionada com a existência duma mata (floresta) e de mouros.”. que comparto aquí contigo:
Según el Instituto nacional de estadística de España son 3.937 los españoles cuyo 1er apellido es matamoros, 4.114 lo que lo tiene de 2º apellido y 50 lo que tienen ambos iguales, aquí puedes ver su distribución geográfica: https://www.ine.es/widgets/nombApell/index.shtml [No sé si en Portugal tenéis un servicio de consultas como esta que a mi me parece, cuando menos, curioso de consultar según el día].
Si bien su nombre completo es Heroica Matamoros, definitivamente el pueblo Matamoros más relevante (500.000 almas) se encuentra en Méjico (https://www.tamaulipas.gob.mx/estado/municipios/matamoros/) donde según la historia que nos han contado no debió haber muchos moros a los que matar.
En Iberia contamos con varios Matamoros geográficos, por lo menos, el que tu mencionas y el Valle de Matamoros en Badajoz (https://es.wikipedia.org/wiki/Valle_de_Matamoros_(Badajoz) ) .
También tenemos en España un pueblo llamado Matajudíos (es que somos racistas pero democráticos) https://es.wikipedia.org/wiki/Castrillo_Mota_de_Jud%C3%ADos . Lo que aquí explican sobre el origen del nombre de que podría resultar de la corrupción del original de mota “Elevación del terreno de poca altura, natural o artificial, que se levanta sola en un llano” (https://dle.rae.es/mota?m=form) en mata sería de aplicación a ambos casos [mota-montículo que no mata-floresta]
Y sin dudar, nuestra máxima referencia al caso no deja de ser sino la de nuestro santo patrón nacional español, ni mas ni menos que Santiago Matamoros (y cierra España!).
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