2023-03-27

Primazia dos EUA


Ainda a propósito do tema “Vinte Anos Depois da Guerra do Iraque” (lembro-me que estes “Vinte Anos Depois” soam bem talvez por recordar o romance homónimo do Alexandre Dumas) li um artigo muito interessante de Stephen Wertheim na revista norte-americana “Foreign Affairs” intitulado “Iraq and the Pathologies of Primacy” sobre a permanência da recusa dos EUA em abandonar a convicção de que têm o direito inalienável à primazia entre os Estados do planeta.

Essa primazia, inevitável no pós-guerra de 1939-45 e reforçada pelo colapso da URSS no final da guerra fria e do presumido “fim-da-História”, teve um enorme revés na reacção ao ataque suicida de 11/Set/2001 às Torres Gémeas de Nova Iorque, ao Pentágono e ao 3º alvo falhado.

O grau do absurdo a que se chegou na proposta de Rumsfeld, Wolfowitz e outros de atacar o Iraque é bem ilustrado no argumento usado por Richard Clarke, então coordenador do contraterrorismo do NSC, ao dizer “tendo sido atacados pela Al Qaeda, irmos agora bombardear o Iraque como resposta seria como invadirmos o México depois dos japoneses nos terem atacado em Pearl Harbour”:

«… For such purposes, not even a "global war on terror" would suffice. The United States must "go massive," Rumsfeld told an aide four hours after the Twin Towers fell. According to the aide's notes of the conversation, Rumsfeld said, "Sweep it all up. Things related and not."That meant hitting "S.H. @ same time—Not only UBL" (referring to Saddam and bin Laden). U.S. intelligence promptly identified al Qaeda as the perpetrator of the hijackings, yet Rumsfeld, along with Wolfowitz and other officials, began advocating an attack on Iraq. The idea struck the National Security Council's counterterrorism coordinator, Richard Clarke, as nonsensical. "Having been attacked by al Qaeda, for us now to go bombing Iraq in response would be like our invading Mexico after the Japanese attacked us at Pearl Harbor," Clarke later recalled saying on September 12. As the country embarked on an uncertain war in Afghanistan against a shadowy enemy that might well strike again, it was remarkable for senior officials to contemplate invading Iraq, too, let alone to devote 130,000 soldiers to the task within 18 months.
»

Lembro-me de mesmo o presidente Obama referir a certa altura da sua presidência (ou da campanha eleitoral) que tinha como objectivo ultrapassar o legado deficiente do anterior presidente devolvendo aos EUA o papel de líder, aparentemente perdido. O seu sucessor Trump exprimia o mesmo pensamento duma forma menos elegante, “America First” e Biden vai pelo mesmo caminho como diz, por exemplo, notícia da AP de 6/Nov/2022 referindo que “o presidente Biden procurará afirmar a liderança global da América na sua próxima visita ao Sudeste Asiático” a que cheguei googlando (Biden on US leadership)”.


Para completar esta revisita da guerra do Iraque cito uma parte do artigo do historiador Jaime Nogueira Pinto publicado no Observador em 25/Mar/2023 intitulado “Iraque: Vinte Anos Depois”:

«…
A afirmação de que Saddam estava por trás do 11 de Setembro não tinha qualquer substância, e na comunidade de inteligência houve inicialmente grande resistência a apoiar a tese da Casa Branca, ao ponto de o vice-presidente Dick Cheney ter de exercer sobre elas pressão directa e intimidatória. Essa pressão levou a que as agências de informação se abstivessem de contradizer o governo. Porém, alguns dos seus quadros não se inibiram de confessar off the record o seu cepticismo e preocupação perante a campanha de desinformação em curso.

Depois da invasão do Iraque e da vitória ao fim de quatro semanas de combates, as investigações das autoridades de ocupação americanas viriam a confirmar a não existência de armas de destruição maciça. O absurdo da implicação iraquiana no 11 de Setembro ficaria também claro.

Segundo apuraria depois o Center for Public Integrity, ao longo da campanha, nos dois anos que se seguiram ao 11 de Setembro, as principais figuras da Administração Bush tinham feito centenas de declarações falsas.

…»

e ainda:
«…
Efeitos perversos

Hoje ninguém pode duvidar dos efeitos perversos para os Estados Unidos, para o Ocidente e para os seus valores da invasão de há 20 anos. Uma invasão fruto da política de globalização democrática, que depois de um inicial caos, acabou por reforçar, no Médio Oriente, o poder das autocracias, abrindo portas à influência diplomática da China, um poder recém-chegado à região.

…»

Discordo muitas vezes de JNP mas, dadas as incertezas que sempre rodeiam a identificação das causas dos fenómenos sociais e as dificuldades em encontrar os caminhos mais consistentes com os nossos valores, tomo sempre em consideração as suas opiniões, a maior parte das vezes bastante razoáveis.

 

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