2019-11-29
2019-11-27
Homenagem ao Prof. Jorge Reis Novais
O post anterior sobre dívida fez-me ir à procura de “dívida” neste blogue, tendo encontrado 11 posts com esta palavra, distribuída assim por ano: 2019-1, 2018-1, 2015-1, 2014-1, 2013-3, 2011-4.
Ao reler alguns dos posts relembrei os ataques sucessivos à Constituição da República Portuguesa pelo governo de Pedro Passos Coelho e a defesa firme e clara que o Professor Jorge Reis Novais dela fez nessa altura. Foi sempre um prazer ouvi-lo.
Ultimamente não o tenho visto na TV, provavelmente porque a Constituição não tem sido tão atacada, mas deixo aqui três pequenos filmes com alguns anos que encontrei agora no YouTube
A Dívida Africana à China
Tomei conhecimento desta verificação da BBC sobre se a China estará a sobrecarregar a Àfrica com dívida.
Achei curiosa esta preocupação, referida por exemplo nesta frase:
«
Earlier this year, ahead of a visit to Africa, the then US Secretary of State, Rex Tillerson, said China's lending policy to Africa "encouraged dependency, utilised corrupt deals and endangered its natural resources".
»
pois tem sido uma constante da História, desde que se fazem empréstimos com juros, que quem tem falta de dinheiro peça emprestado a quem o tem, sendo frequente que o devedor tenha dificuldade em pagar o que deve.
Por exemplo Portugal endividiu-se excessivamente em libras esterlinas, depois em dólares americanos e ultimamente sobretudo em euros, estes últimos emprestados por bancos alemães e espanhóis para comprarmos os terrenos das nossas habitações e fazermos auto-estradas primeiro e depois para pagarmos os juros dos empréstimos anteriores e irmos amortizando a dívida.
Deve fazer parte da essência do funcionamento dos bancos emprestarem dinheiro até que o devedor fique excessivamente endividado. Nessa altura tentam executar as garantias dadas quando o empréstimo foi contraído. É uma operação com algum risco mas em que se podem ficar com as garantias do empréstimo por preços muito atractivos.
Por exemplo a Inglaterra reduziu o Egipto à condição de protectorado servindo-se das receitas do canal do Suez para se ressarcir de empréstimos que fizera ao governante local. Também ganhou direitos de exploração do petróleo do Irão na fase em que a dinastia Qajar vendia concessões de bens ou de monopólios iranianos dadas as extravagantes necessidades dos Xás.
Os Estados Unidos da América fizeram por exemplo empréstimos ruinosos para o Brasil durante a ditadura militar com a agravante de terem dado apoio ao regime ditatorial na repressão dos opositores.
Agora que na China se fabrica uma parte muito importante dos produtos consumidos em todo o mundo, a China não só tem muito capital como precisa de muitas matérias primas para produzir todos esses produtos.
É assim natural que empreste dinheiro a África, quer para investimentos que facilitem a exportação de matérias-primas de que necessita quer para investir o seu excesso de liquidez. E também sucumbirá certamente à tentação de executar algumas garantias para ser indemnizada de dívidas não pagas.
Noutro artigo da BBC o autor interroga-se se a África deve ter cuidado com os empréstimos chineses. Claro que sim mas apenas porque são os que actualmente representam o maior volume e não por serem especificamente chineses. O economista Joseph Stiglitz é referido como usando o termo “sour grapes” para classificar a crítica ocidental do trabalho da China em África. Este termo “sour grapes” deve derivar da fábula da raposa quando dizia que as uvas não prestavam pois estariam verdes como consolo de as não conseguir alcançar. Stiglitz reconhece naturalmente que a gestão da dívida exige cautela para que não se torne excessiva.
2019-11-25
2019-11-23
Homenagem a José Mourinho
Tendo eu muito pouco interesse por futebol é difícil em Portugal não tomar conhecimento de coisas que se vão passando nesse mundo.
Achava graça ao treinador José Mourinho e, face aos grandes resultados que ele ia obtendo com as equipas que treinava, eu considerava que a sua arrogância era dificil de evitar para quem inovava tanto na sua profissão.
Agora parece que conseguiu também a humildade de quem tem sucesso, diz que analisou o que tem feito, identificou erros que cometeu e não vai repetir esses erros vai fazer erros novos!
2019-11-22
O Livro do Chá, por Kakuzo Okakura
Quando fiz recentemente um post sobre a Charlotte Periand referi um artigo sobre esta sala de chá para o edifício da UNESCO em Paris
que ela projectou quando tinha 90 anos. Nesse artigo refere-se que na estadia da Charlotte Periand no Japão tomou conhecimento do livro "The Book of Tea" publicado em 1906, escrito originalmente em inglês por Kakuzo Okakura (1862-1913), pintor, escritor e estudioso da arte japonesa, um dos principais fundadores da Escola de Artes de Tóquio de que seria professor. O livro foi escrito para dar a conhecer a cultura japonesa aos ocidentais e a sua leitura teve uma influência profunda e duradoura em Charlotte Perriand.
Fiquei curioso e descobri que existia uma edição em português:
Biblioteca Editores Independentes /
Cotovia, julho de 2007
ISBN: 9789727951994
96 páginas,
Tradução de Fernanda Mira Barros
que comprei.
Gostei do livro que me pareceu cumprir bem o objectivo de dar a conhecer aos ocidentais alguns aspectos importantes da cultura japonesa e da sua arte.
Não resisti a transcrever uma boa parte do capítulo intitulado "A Sala-de-Chá".
Tinha tido há alguns anos experiências desanimadoras na conversão de digitalizações de textos para sequências de caracteres processáveis por programas como o "Notepad" ou o "Word", nessa altura dava tanto trabalho corrigir os erros da conversão como escrever tudo "à mão".
Na busca que fiz agora na internet descobri que no Google Drive fazem essa conversão, por exemplo de ficheiros .pdf com texto fotografado ou de ficheiros .jpg ou outros. Basta colocar o ficheiro em questão no Google Drive e abri-lo com o programa Docs, a conversão é feita sem necessitar de mais comandos como informam aqui (How to OCR Documents for Free in Google Drive) . Fiquei agradavelmente surpreendido com os melhoramentos do que se chamava "OCR- Optical Character Recognition", as digitalizações que eu fiz do livro até deixavam um pouco a desejar e contudo a conversão de 5 páginas do livro fizeram-se sem erros!
Numa folha de formato A4 com "Times New Roman 12" o texto do livro que passo a transcrever ocupa cerca de uma página e meia:
Páginas 56 a 61 do Capítulo “A Sala-de-Chá” do "Livro do Chá"
«
...
Que a sala do chá deva ser construída para servir algum gosto individual é uma imposição do princípio de vitalidade na arte. A arte, para ser inteiramente apreciada, tem de fazer justiça à vida contemporânea. Não se trata de devermos ignorar os requisitos da posteridade mas sim de procurarmos fruir melhor o presente. Não se trata de devermos desrespeitar as criações do passado , mas sim de tentarmos assimilá-las na nossa consciência. A escravizante conformidade com tradições e fórmulas agrilhoa a expressão da individualidade em arquitectura. Não podemos senão chorar aquelas insensatas imitações de prédios europeus que se observam no Japão moderno. Maravilhamo-nos com a razão pela qual, entre as nações ocidentais mais progressivas, a arquitectura havia de ser tão despida de originalidade, tão repleta de repetições de estilos obsoletos. Talvez atravessemos agora uma era de democratização na arte, enquanto aguardamos o surgimento de algum mestre principesco que venha estabelecer uma nova dinastia. Quem dera que amássemos mais os antigos e os copiássemos menos! Já se disse que os Gregos foram grandes por nunca se basearem na antiguidade.
O termo Domicílio do Vazio, para além de transmitir a teoria taoísta do todo-abrangente, implica a concepção de uma necessidade contínua de mudança nos motivos decorativos. A sala-de-chá está vazia em absoluto, excepto naquilo que ali pode colocar-se temporariamente para satisfazer um qualquer humor estético. Algum objecto de arte especial é trazido para a ocasião, e tudo o mais é seleccionado e arranjado para realçar a beleza do tema principal. Não podemos escutar diferentes peças musicais ao mesmo tempo, sendo uma verdadeira compreensão do belo apenas possível através da concentração nalgum motivo central. Assim verse-á que o sistema de decoração na nossa sala-de-chá se opõe àquele que prevalece no Ocidente, onde o interior de uma casa é amiúde convertido num museu. Para um japonês, acostumado à simplicidade de ornamentação e à mudança frequente de método decorativo, um interior ocidental, permanentemente preenchido com um vasto aparato de quadros, estatutária e bricabraque, dá a impressão de uma mera exibição vulgar de riquezas. Para usufruir da visão permanente, até mesmo de uma obra-prima, há que ter um forte poder de apreciação, e a capacidade de sentir a arte tem de ser realmente ilimitada naqueles que conseguem viver, dia após dia, no meio de tamanha confusão de cor e forma como a que amiúde se observa nos lares da Europa e da América.
O Domicílio do Assimétrico sugere outra fase do nosso esquema decorativo. A ausência de simetria nos objectos de arte japoneses foi frequentemente comentada pelos críticos ocidentais. Também isto resulta de um desenvolvimento, através do Zenismo, de ideais taoístas. O Confucionismo, com a sua bem enraizada ideia de dualismo, e o Budismo do Norte, com a sua veneração de uma trindade, não se opuseram de modo algum à expressão de simetria. De facto, se estudarmos os antigos bronzes da China ou as artes sacras da dinastia Tang e do período Nara, reconheceremos uma busca constante de simetria. A decoração dos nossos interiores clássicos era decididamente regular no seu arranjo. Contudo, a concepção de perfeição taoísta e zen era diferente. A natureza dinâmica desta filosofia punha maior ênfase no processo através do qual se procurava a perfeição do que na própria perfeição. A verdadeira beleza só podia ser descoberta por quem completasse mentalmente o incompleto. O vigor da vida e da arte assentava nas suas possibilidades de crescimento. Na sala-de-chá cabe à imaginação de cada convidado completar para si próprio o efeito total. Desde que o Zenismo se tornou o modo de pensar predominante, a arte do extremo Oriente fez por evitar o simétrico como expressão, não apenas de acabamento, mas também de repetição. A uniformidade do padrão foi igualmente considerada fatal para a frescura da imaginação. Assim, as paisagens, as aves e as flores tornaram-se temas favoritos de representação, mais do que a figura humana, que estava presente na pessoa do próprio observador. Já estamos demasiadas vezes em evidência e, apesar da nossa vaidade, até mesmo a auto-estima está sujeita a tornar-se monótona.
Na sala-de-chá o medo de repetição é uma presença constante. Os vários objectos para a decoração de uma sala devem ser seleccionados de modo a que não se repita nenhuma cor ou padrão. Se temos uma flor natural, uma pintura de flores é inadmissível. Se utilizamos uma chaleira redonda, o jarro de água deve ser angular. Uma chávena com um vidrado negro não deveria associar-se a uma caixa para chá de laca negra. Ao colocar uma jarra ou um recipiente para queimar incenso no Tokonoma, deverá haver cuidado para que não fique exactamente ao centro, não vá dividir o espaço em metades iguais. O pilar do Tokonoma deve ser de um tipo de madeira diferente do dos outros pilares, de modo a quebrar qualquer sugestão de monotonia na sala.
Também aqui o método japonês de decoração de interiores difere do ocidental, onde vemos objectos dispostos simetricamente em prateleiras e noutros locais. Nas casas ocidentais confrontamo-nos amiúde com o que nos parece ser uma reiteração inútil. Encontramo-la ao tentar conversar com um homem, enquanto o seu retrato de corpo inteiro nos fita por trás dele. Questionamo-nos sobre qual será verdadeiro, aquele que está no retrato ou aquele que conversa, e temos a curiosa convicção de que um deles há-de ser uma fraude. Repetidas vezes me sentei a uma mesa festiva contemplando, com um choque secreto para a minha digestão, a representação de abundância nas paredes da sala de jantar. Porquê estas vítimas da caça ou do desporto retratadas, o trinchar esmerado de peixes e frutos? Porquê a disposição de baixelas familiares, recordando-nos aqueles que jantaram e estão mortos?
A simplicidade da sala-de-chá e a sua liberdade face à vulgaridade fazem dela verdadeiramente um santuário distante dos vexames do mundo exterior. Ali, e só ali, pode alguém dedicar-se à adoracão imperturbada do belo. No século dezasseis, a sala-de-chá permitia um desejado descanso do trabalho aos guerreiros valentes e aos governantes implicados na unificação e reconstrução do Japão. No século dezassete, após o desenvolvimento do rígido formalismo da regência Tokugawa, ela oferecia a única oportunidade possível para a livre comunhão dos espíritos artísticos. Perante uma obra de arte grandiosa não havia a menor distinção entre daimyo, samurai e as gentes comuns. Hoje em dia o industrialismo torna o verdadeiro requinte cada vez mais difícil por todo o mundo. Não precisaremos nós, mais do que nunca, da sala-de-chá?
»
Entretanto, além das edições disponíveis em papel, descobri uma versão completa em inglês do "Book of Tea":
The Project Gutenberg EBook of The Book of Tea, by Kakuzo Okakura
Adenda: este post Mobilar ilustra algumas diferenças entre as decorações ocidental e japonesa
2019-11-21
A interdependência é grande
Li este artigo na BBC intitulado "Senado das Filipinas toma conhecimento que China poderia desligar a energia eléctrica no país", na secção de "Reality check".
Achei curiosa a citação de uma frase do senador filipino Richard Gordon: "We have given our grid - although 40% it appears - to a foreign corporation that has interests that collide with our country in the West Philippine Sea,".
Na realidade as Filipinas não deram a sua rede de transporte de electricidade, venderam-na por um preço acordado entre as partes.
Possivelmente a empresa filipina comprou posteriormente um sistema de telecontrolo fabricado na China cujo software terá provavelmente algum nível de suporte por equipa sediada na China, nada que não aconteça na Europa, onde sistemas instalados num dado país são suportados por equipas instaladas noutro país.
A ideia de interdependência entre sociedades é central à construção da União Europeia. Ao conceito cristão de amor ao próximo, que a História mostrou não ser completamente eficaz na prevenção da guerra entre nações predominantemente cristãs, adicionou-se o interesse comercial. Aumentando o número de trocas entre países os governantes e o público em geral terão a ajudá-los a ideia que serão prejudicados se matarem quer clientes quer fornecedores.
Claro que estes negócios serão problemáticos caso ocorra um conflito insanável entre parceiros, como aconteceu por exemplo ao Irão que comprou centrifugadoras para enriquecer urânio à Siemens para as ver posteriormente sabotadas pelo vírus Stuxnet, implantado a partir de local exterior ao Irão nesses equipamentos.
A autarcia porém tem custos elevados, por exemplo no Irão cortaram a maior parte dos acessos à Internet nos últimos 4 dias, na sequência de protestos contra aumento de preços em combustíveis.
Mahatma Gandhi (3)
Continuando a referência a alguns aspectos dos 5 livrinhos da autobiografia do Gandi, que iniciei com um post de 2019-06-20 e continuei com outro post de 2019-11-02 passo a referir o livro 3.
Parte III (Livro 3)
3.1) Financiamento das fundações
Gandi era bastante radical neste tema como se vê nesta citação:
«...Alguns dos assim chamados grupos religiosos deixaram de prestar quaisquer contas. Os seus administradores transformaram-se em proprietários e já não são responsáveis perante ninguém. Não tenho a menor dúvida de que o ideal é que tais instituições vivam, como a natureza, do dia a dia. A organização que não conseguir apoio da comunidade não tem direito a existir como tal. As doações que uma organização assim recebe anualmente são o termómetro da sua popularidade e da honestidade da sua administração e acho que todas elas devem passar por este teste.»
Embora considerasse que existiam entidades que pela sua própria natureza não podiam ser geridas sem instalações permanentes, considerava que mesmo para essas as despesas correntes deveriam ser cobertas por doações anuais.
3.2) Educação dos filhos
Gandi apercebeu-se que as instituições educativas inglesas eram um dos pilares do império britânico pelo que chegou a aconselhar os jovens indianos a abandonar esses estudos: “em 1920 convocou jovens a sair das das cidadelas da escravidão – as suas escolas e faculdades. Disse-lhes que era muito melhor permanecer sem instrução e quebrar pedras, em nome da liberdade, do que receber educação superior atados aos grilhões da escravidão”.
Porém, foi incapaz de simultaneamente fornecer alternativas quer através de novas instituições educativas quer através de formação dentro da própria família, para a qual dispunha de tempo insuficiente para essa tarefa, dadas as suas actividades em prol das comunidades indianas.
Este foi um ponto de discórdia com os filhos que se consideraram prejudicados pela falta de instrução escolar.
3.3) Castidade
Os seres humanos são sujeitos a atracções fortes para garantir a sua sobrevivência e a sobrevivência da espécie. Essas atracções são muitas vezes premiadas por sensações muito agradáveis como por exemplo na alimentação ou no sexo, podendo transformar-se em obsessões. As sociedades tentam evitar essas obsessões através de regras morais a que corresponde a virtude da temperança ou de interdições eventualmente religiosas.
Gandi, depois de ter gerado alguns filhos convenceu-se que as relações sexuais deviam ter a procriação como única finalidade, considerando que fazer um voto de castidade o ajudaria a uma abstinência total, um conceito que designa por Brahmacharya.
Às “tentações da carne” na cultura cristã corresponde a “tentação da ascese”, fazendo o controlo através da supressão do impulso. A supressão absoluta da pulsão para comer não é aplicável de forma permanente pelo que os jejuns, se bem que existam, não podem ser para sempre pois sem limite de tempo são incompatíveis com a vida. Já em relação à pulsão sexual, a sua supressão total tem sido adoptada na vida monástica de várias religiões. Poderá ser benéfica para casos específicos, seria certamente nociva se imposta à maioria da população.
3.4) A vida de um carneiro
Durante estadia em casa de Gokhale, um seu mentor, Gandi visitou um templo da deusa Kali onde estavam a sacrificar muitos carneiros. Não aprovo o sacrifício de animais a divindades se bem que presuma que seja uma forma de fornecer proteínas a alguns grupos sociais.
Fiquei contudo chocado com a frase de Gandi “Para mim a vida de um cordeiro não é menos preciosa do que a de um homem”. Compreendo que uma pessoa adira ao vegetarianismo se bem que na natureza existam animais carnívoros. Comer carne é portanto uma actividade natural, o mesmo se podendo dizer de ter uma dieta exclusivamente vegetariana dado que existem espécies herbívoras, que se abstêm de comer carne. Mas é para mim incompreensivel não se sentir maior afinidade com um seu semelhante do que com outra espécie animal.
3.5) Darbar
Na Índia ocorriam reuniões dos governantes com os seus súbditos chamadas “Darbar” ou “Durbar” em inglês, eram formas periódicas de prestar vassalagem. Naturalmente durante o domínio britânico os governantes ingleses organizavam durbars para os quais convocavam os marajás na condição de vassalos.
Escreve o Gandi neste livro que os marajás eram nessas ocasiões forçados a usar sedas e jóias como se fossem mulheres, tratando-se de uma forma de humilhação imposta pelos ingleses.
Por curiosidade googlei Durbar e fui dar a este artigo do jornal Economic Times com estas fotos tiradas de um Durbar realizado em Delhi na semana passada, portanto em Nov/2019.
Constato que a palavra Durbar, como tantas outras, tem mudado de significado e será agora usada para reuniões sociais apresentando novas propostas de indumentárias.
Gostei muito destes vestidos embora não aprecie as jóias penduradas no nariz desta mulher
e constatei que afinal o uso de sedas e de jóias pelos homens nestas reuniões sociais
talvez faça parte da cultura indiana não sendo uma imposição do colonizador britânico.
2019-11-15
Eka Pada Rajakapotasana
Nunca fiz Yoga mas o nome (Eka Pada Rajakapotasana) deste movimento que vi referido aqui levou-me a este filminho do YouTube
mostrando o movimento que me pareceu particularmente difícil.
Entretanto neste artigo da BBC dizem que é fácil confundir "dor numa articulação" em que se deve parar o movimento e "rigidez" em que se deve continuar, mas não dizem como evitar essa confusão.
2019-11-13
Traduzir "Aer enim volat"
Na minha ignorância do latim recorri ao Tradutor do Google para ver o significado de "Aer enim volat", uma canção lindíssima que referi no post anterior.
Uso o Tradutor do Google com alguma prudência pois embora seja uma ferramenta útil sugere frequentemente grandes disparates.
Neste caso comecei por pedir a tradução de "aer enim volat" do latim para português, tendo obtido como resultado "para ar e moscas" o que ironizando eu diria que me pareceu menos feliz, tinha dificuldade em acreditar neste título para uma música em geral e ainda menos para uma música religiosa.
Recorri ao inglês, o que faço com frequência para verificar ou obter uma tradução mais fiável, pois como nos utilizadores da internet usando o alfabeto latino predomina o inglês as traduções inglesas costumam ser de melhor qualidade. Obtive contudo uma tradução equivalente com as mesmas moscas e recorri então ao francês e ao espanhol com os resultados seguintes:
aer enim volat
inglês For air and flies
português Para ar e moscas
espanhol Para el aire y moscas
francês Pour l'air et les mouches
Não me conformei mesmo depois desta concordância e depois de ver que "aer" era "ar" e "enim" era "para" verifiquei que "volat" era "ele voa", conforme resultados seguintes.
volat
inglês He flies
português ele voa
espanhol él vuela
francês il vole
Como em inglês o pronome vinha com maiúscula inicial pensei que se referisse à divindade ou a algum espírito mas como nas outras línguas não aparecia a maiúscula desisti desta interpretação e optei por "Para o ar ele voa" o que não sendo forçosamente certo já não parecia tão disparatado.
Entretanto reparei que esta confusão de vôo com moscas só pode ocorrer em inglês pois fly tanto significa "vôo" ou "voar" como "mosca" e "flies" tanto é uma forma verbal do verbo "to fly" como o plural de mosca (moscas).
Constato assim com alguma segurança que o Tradutor do Google automatizou o que eu fazia com frequência: caso não exista tradução entre duas línguas específicas, o Tradutor nalgumas situações traduz da língua de origem para inglês ou outra e depois dessa língua intermédia para a língua de destino.
Sugeri à Google que ao menos sinalizem quando a tradução passa por uma língua intermédia.
Entretanto Googlei (Aer enim volat lyrics) e fui dar a um texto com letras da Hildegard onde encontrei para tradução de
aer enim volat
inglês For the air is in flight,
francês Car l’air vole,
alemão Die Luft nämlich weht dahin
donde mudei a minha tradução no post anterior de "Para o ar ele voa" para "Porque o ar voa".
Também poderia ser "Porque o ar está no vôo", "Porque o ar está em voar" mas decidi-me pela mais simples.
Hildegard von Bingen
Hildegard von Bingen (1098-1179) foi uma freira, abadessa Beneditina, escritora, compositora, filósofa, mística, visionária e poliglota. segundo a versão inglesa da Wikipédia e/ou " mística, teóloga, compositora, pregadora, naturalista, médica informal, poetisa, dramaturga, escritora" na versao portuguesa. É também Santa e Doutora da Igreja (católica).
É uma figura notável, cuja biografia recomendo, mas aqui fico-me por este Aer Enim Volat, que traduzo livremente como "Porque o ar voa":
para quem apreciou este pequeno trecho de 2 minutos e 7 segundos deixo ainda outra sugestão mais completa de 1 hora 13 minutos, os celestiais Cânticos do Êxtase:
2019-11-10
SI – Sistema Internacional de Unidades
Um alqueire, um quarteirão, uma jarda, uma dúzia, meia-dúzia, dois mil e quinhentos todas estas medidas e quantidades são uma memória de tempos idos, alguns ainda em uso nos tempos presentes, outros vivendo apenas nos livros antigos.
No último post, ao referir a permanência do “barril”, como unidade de volume em que ainda se transacciona o petróleo, fui tentar perceber o que se passa com as unidades de grandezas físicas.
Um bom começo é consultar a Wikipedia em português ou em inglês sobre este assunto, onde se começa por enumerar as unidades básicas que constituem actualmente o SI.
Lembro-me das referências nas aulas de História à multiplicidade de medidas e de moedas que eram típicas da sociedade feudal, pulverizada em domínios de pequena dimensão predominando a autarcia das aldeias.
Parece-me existirem dois motivos principais para uniformizar as medidas:
- facilitar as trocas de produtos;
- facilitar a realização de cálculos em que se incluem grandezas físicas de diferente natureza, para evitar nas fórmulas a presença de constantes espúrias, desnecessárias caso o sistema de unidades seja bem concebido.
Na Europa, o desenvolvimento do comércio aumentou a pressão para uma normalização das medidas. À inconveniência da necessidade de converter medidas diferentes sobrepunha-se o problema de medidas com nomes idênticos mas cujo valor variava de região para região.
Romper com a tradição na Europa precisou neste caso de uma revolução, a francesa, que optou por criar medidas novas de raiz em decisão da Assembleia Constituinte em 1790, tendo os padrões do metro e do kilograma sido concluídos em 1799. Porém Napoleão, que apoiara a criação dum sistema de novas medidas, acabou por aprovar um regresso a algumas medidas tradicionais e só em 1830 a França reintroduziu o sistema métrico
Entretanto a Inglaterra aprovou o “Imperial System of Units” em decreto de 1824, de que algumas medidas ainda subsistem no Reino Unido e nos Estados Unidos da América.
Em 1875 foi finalmente assinada por 12 países a Convenção do Metro, Portugal aderiu em 1876, na versão em francês detalha os estados que aderiram a esta convenção em cada período de 25 anos desde 1875.
Os países signatários fundadores em 1875 foram:
- Alemanha, Áustria-Hungria, Bélgica, Brasil, Dinamarca, Espanha, França, Itália, Noruega, Rússia, Suécia, Suíça, Turquia;
e de 1886 a 1900 aderiram:
- Argentina, Estados Unidos da América, Japão, México, Portugal, Reino Unido, Roménia, Sérvia, Venezuela
Actualmente apenas os Estados Unidos da América, a Libéria e Myanmar não são signatários desta convenção. Neste artigo da Wikipedia (Metrication in the USA) explica o que se tem passado com os esforços de passagem para o SI. De uma forma geral os políticos dos EUA não se decidiram a impor o uso do sistema métrico. Os trabalhos científicos costumam usar o SI, e existem contratos impondo o seu uso como por exemplo da NASA. Com a globalização da manufactura de automóveis esta indústria passou a usar exclusivamente o SI. A indústria da construção é uma das áreas onde predominam as “medidas tradicionais”.
Quando eu passei pelo liceu, de 1959 a 1966 estavam ainda em uso 3 sistemas principais: o CGS (centímetro, grama, segundo), o MKS (metro, kilograma-massa, segundo) e um terceiro, MKfS (metro, kilograma força, segundo), este último já considerado com pouco futuro. Recordei agora que no CGS a unidade de força era o “dine” e a unidade de energia era o “erg”. Vi na Wikipédia que o sistema CGS continua a ser usado nalguns casos por a dimensão das suas unidades ser mais adequada a experiências de laboratório mas que o sistema SI aprovado em 1960, descendente do MKS com a adição de mais 4 unidades básicas, está a ser cada vez mais usado.
Não me lembro de me falarem no pascal, a unidade de pressão do MKS e também do SI, mas lembro-me de falarem na “atm” (atmosfera) no “bar”(aproximadamente 1 atm), no “milibar”, e de que a pressão atmosférica normal (1 atm) equivalia a uma coluna de 76cm de mercúrio. Noto que enquanto antigamente a pressão dos pneus era especificada em PSI (Pound/square inch) actualmente é mais comum ser dada em bar. Noutro dia tive que converter bar em PSI (1bar= 14.5 PSI) ou vice-versa, a partir de valores equivalentes referidos no manual do meu automóvel, porque o reboque do meu carro tinha o valor da pressão dos pneus especificada numa unidade diferente da disponível na escala do aparelho de encher pneus.
À primeira vista é um bocado surpreendente que a adesão à Convenção do Metro tenha demorado tantos anos bem como a extensão do sistema MKS com 3 unidades básicas para o sistema SI com 7 unidades básicas, que foi concluída apenas em 1960, 161 anos depois do depósito dos padrões do metro e do kilograma em 1799!
Actualmente já não se usam objectos físicos como padrões primários das medidas, sendo todos os padrões das unidades básicas definidos a partir de constantes físicas, por exemplo a unidade de tempo (segundo) que inicialmente era definida como 1/86400 da duração de 1 dia solar médio é actualmente definida como “a duração de 9 192 631 770 períodos da radiação correspondente à transição entre dois níveis hiperfinos do estado fundamental do átomo de césio 133”, um metro como"o comprimento do trajeto percorrido pela luz no vácuo durante um intervalo de tempo de 1/299 792 458 de segundo" e as outras unidades básicas têm a sua definição explicada através do diagrama que mostro a seguir
e que é explicado neste artigo da Wikipédia sobre redefinição de 2019 das unidades básicas do SI. De uma maneira geral as novas definições mantêm invariante o valor de cada padrão para as aplicações mais comuns, sentindo-se a diferença apenas para as aplicações mais sofisticadas.
Esta forma de definir os padrões tem a vantagem de eliminar a dependência que antes existia de os padrões principais estarem depositados num país específico.
Existe outra representação gráfica do SI em que além das unidades básicas são referidas também as constantes físicas usadas pelo SI para definir cada uma delas, duma forma mais abreviada do que a mostrada acima:
Esta é mais uma área como tantas outras em que tem existido um progresso ao longo dum período de tempo muito prolongado em que se conseguiu juntar esforços de harmonização a um nível verdadeiramente planetário.
2019-11-06
A energia em Portugal, por Jorge Vasconcelos
Em Janeiro de 2019 saiu este volume da colecção”Ensaios da Fundação”, da Fundação Francisco Manuel dos Santos. Até agora tenho gostado de todos os livros desta colecção que tenho comprado e referido neste blogue e este não foi excepção. A Fundação escolhe bem os ensaístas e eu tenho comprado livros de autores de quem à partida tenho boa impressão. Gosto de ler textos escritos por pessoas que conhecem os assuntos de que estão a falar, e o Engº Jorge Vasconcelos é uma das pessoas muito bem preparadas para falar sobre a energia em Portugal.
O formato físico destes ensaios dá a oportunidade de abordarem um determinado tema com mais profundidade do que com uma série de tweets mas com um dimensão de cento e poucas páginas que ajudam ao foco no essencial.
Gostei muito da enumeração das dificuldades com que se depara um estudioso destas matérias, com a variedade de medidas que são usadas no comércio da energia e a consequente complexidade e dimensão dos obstáculos que resistem à adopção do SI (Sistema Internacional de Unidades) por todo o mundo. Actualmente os únicos países que ainda resistem à sua adopção são os Estados Unidos da América, a Libéria e Myanmar.
Por exemplo, a fixação de preços num mercado tão importante como o petrolífero ainda recorre ao Barril, uma palavra só por si eloquente sobre a importância relativa que os mercados dão à unidade monetária em que o preço é expresso (US$) comparativamente à unidade em que é expresso o volume (barril) do produto transaccionado.
Gostei da referência à polémica entre Newton e Leibniz sobre o que seria verdadeiramente invariante, se a energia cinética, proporcional à massa vezes o quadrado da velocidade, se a quantidade de movimento, proporcional à massa vezes a velocidade. Esta perspectiva histórica mostra-nos que o que está bem estabelecido no nosso tempo não foi desde logo evidente mas, através do raciocínio, da discussão e da experimentação se conseguiu convergir num consenso que mesmo assim poderá ser abandonado e/ou completado com novas descobertas.
Li o livro rapidamente e com muito agrado, existirá um ou outro ponto em que não concordo inteiramente com o autor mas o facto de não me lembrar agora desses pontos de discórdia significa que a sua importância não será grande. Talvez merecesse a pena referir que os mercados de electricidade que têm sido implementados não poderiam existir sem a capacidade de transmissão e de processamento de informação que só estiveram disponíveis na última década do séc XX.
Depois de ler o livro fiz uma procura na net e descobri que houvera esta apresentação no El Corte Inglés no dia 13/Jan/2019
O filme da apresentação demora 1 hora e 9 minutos mas, para quem tiver este tempo disponível, vê-se com agrado. Confesso que é raro ver apresentações tão compridas mas neste caso vi com gosto até ao fim. No meu caso vi a apresentação depois de ler o livro mas considero que poderá também ser ao contrário.
Achei graça à manifestação pelo autor do alívio que sentiu por finalmente poder usar alguma ironia no texto deste livro no tratamento de alguns assuntos, pois enquanto teve papéis institucionais importantes em Portugal sempre fora avisado que era muito perigoso usar ironia nas suas comunicações públicas. Notei a presença de algumas afirmações irónicas ao longo do texto que tornaram a leitura mais agradável.
2019-11-02
Mahatma Gandhi (2)
Afinal retomei a referência a alguns aspectos dos 5 livrinhos da autobiografia do Gandi, que iniciei com um post de 2019-06-20. Passo a referir o livro 2.
Parte II (Livro 2)
2.1) Início de actividade como advogado na Índia e migração para a África do Sul
Fui surpreendido com a falta de enquadramento de um advogado recém-licenciado na longínqua Inglaterra quando iniciava a sua carreira na Índia nos finais do século XIX. Depois dum bloqueamento da primeira vez que defendeu uma causa em tribunal, Gandi devolveu os honorários que cobrara e passou a questão a outro colega advogado, passando a escrever pareceres e memorandos, evitando assim a pressão da sala do tribunal.
Dificuldades que teve posteriormente no relacionamento com funcionários da administração britânica na Índia levaram-no a emigrar para a África do Sul, para dar apoio a uma firma indiana que lá operava.
Aí descreve a discriminação de que, passado algum tempo, foi alvo num combóio quando portador de um bilhete de 1ª classe o revisor lhe exigiu que fosse para 3ª classe, dada a sua condição de “não branco”, seguido de expulsão violenta do combóio, dada a sua recusa em mudar como retratado no filme “Gandhi” de Richard Attenborough.
2.2) Religiões
Boa parte deste segundo livro aborda o contacto com cristãos e suas tentativas de o converter.
Alguns cristãos com quem contactou faziam uma interpretação abusiva da redenção dos pecados, desde que se fosse cristão podia-se pecar à vontade de consciência tranquila pois Jesus Cristo viera à terra para com a sua morte redimir todos os pecados dos fiéis. Era assim uma religião melhor que muitas outras que exigiam um esforço de praticar o bem e evitar o mal. Segundo a doutrina cristã dominante os pecados dos cristãos são perdoados face a um arrependimento e ao propósito firme de não os repetir. E na Bíblia existem referências a um Juízo Final donde se deduz que a redenção dos pecados não tem esse aspecto automático referido por esses cristãos pouco informados.
Neste período teve oportunidade de ler textos sagrados do Hinduísmo, do Islão, do Budismo, do Cristianismo e doutras religiões, bem como introdução e comentários aos mesmos. Parece natural que os pais eduquem os filhos na religião em que acreditam e na Europa durante séculos o Cristianismo era a única religião “disponível” se bem que com heresias ocasionais e com as cisões dos séculos XI e XVI conforme gráfico que apresentei aqui.
Nascer na Índia trazia uma experiência diferente da Europa pois as pessoas não precisavam de viajar para terras distantes para entrar em contacto com crenças religiosas radicalmente diferentes das existentes na sua família. Na minha primeira viagem à Índia fizeram-me pela primeira vez a pergunta sobre qual era a minha religião. Em Portugal partia-se do princípio que seria católico mais ou menos praticante. Com a globalização e a facilidade actual dos fluxos de informação a norma global passou a ser mais parecida com a situação indiana.
2.3) Início de actividade política na África do Sul
Foi através de reuniões de pequenas assembleias de cidadãos indianos cuja dimensão foi aumentando sucessivamente que o Gandi se foi treinando a falar em público a audiências cada vez maiores, constituindo a associação política “Congresso Indiano de Natal” que lutou pelos direitos dos indianos nessa parte de África.
Refere a necessidade de recolher fundos para a actividade política, a boa prática de não contrair dívidas para essa actividade nem de acumular dinheiro por gastar, mantendo portanto um equilíbrio permanente entre receitas e despesas.
Passei por acaso por um artigo sobre o véu islâmico e lembrei-me dum incidente do Gandi no exercício de advocacia na África do Sul em que lhe exigiram que não usasse na sala do tribunal o seu turbante.
Ao fim de 3 anos, em1896 (com 27 anos), o Gandi viajou até à Índia onde fez alguns discursos e de onde regressou à África do Sul com a mulher, dois filhos e o filho único da irmã viúva.
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