O Vítor Santos Lindegaard publicou em Junho/2018 no seu blogue “Travessa do Fala-Só “ um post intitulado “De especialização e especialistas” em que, ao contrário do habitual, eu discordava de muitos pontos nele contidos. Na altura prometi escrever sem pressas alguma coisa sobre os temas tratados em que, depois duma introdução genérica sobre a especialização e os especialistas, vai buscar como exemplos as discussões em Portugal sobre o Acordo Ortográfico de 1990 e sobre a criação de um Museu das Descobertas.
Na primeira secção do post intitulada “Da especialização propriamente dita” concordo praticamente com tudo, eu escrevi num post intitulado “A realidade objectiva: dizem que 2 mais 2 são 4. Concorda?” sobre o mau hábito dos meios de comunicação de pedir opiniões sobre assuntos específicos, em que o público em geral não tem nem formação nem informação para os comentarem.
Já na secção seguinte “Da desvalorização dos especialistas, e mais duns que doutros” não me parece criticável que exista uma gradação no peso que se dá às afirmações dos especialistas à medida que o objecto do estudo em que se especializaram de vai tornando mais complexo, como aliás é apontado no texto do Vítor, da Física e Química, passando pela Biologia e pela Medicina até as Ciências Humanas designadamente a História, a Sociologia e a Economia Política.
Talvez a minha discordância seja mais de grau do que essencial, dado que o Vítor constata que será espectável um menor peso das afirmações dos especialistas à medida que aumenta a complexidade do tema mas talvez ele veja isso como algo a eliminar ou a lamentar enquanto eu considero essa gradação como uma inevitabilidade bem-vinda. É essa gradação que me permite criticar por exemplo as Agências de Rating e seus especialistas.
Embora concorde com o Vítor que é importante ouvir as considerações dos especialistas de qualquer uma das áreas de conhecimento, e que é um disparate considerar que a condição de especialista é um óbice à manifestação de opinião, existem áreas em que, depois de ouvidos os especialistas, a decisão não deve ser deixada a um conjunto constituído exclusivamente por estes.
Passando ao tema do Acordo Ortográfico de 1990 constato que a minha previsão neste post da possibilidade de não aprovação do acordo por alguns dos países que adoptam o português como língua oficial
«Não valerá a pena referir que as ortografias do Brasil e de Portugal irão provavelmente divergir, basta ir ver o corrector ortográfico do Microsoft Word para constatar que existem meia-dúzia de variantes para o alemão e imensas para o francês, o inglês e o espanhol. Mesmo no italiano há o de Itália e o da Suíça. Caso alguns dos países que usam a língua Portuguesa não venham a aprovar o acordo aparecerão certamente mais variantes além do Português de Portugal e do Brasil actualmente existentes.»
se veio a verificar, entre outros em Angola e Moçambique e mesmo sendo leigo no tema, não posso deixar de constatar que um dos objectivos principais referidos pelos especialistas do Acordo Ortográfico de 1990, de uniformização da ortografia do português, teve resultados contraproducentes pois não só se mantiveram muitas diferenças entre a ortografia em uso em Portugal e no Brasil como se estabeleceu maior variedade ainda com a manutenção oficial em Angola e Moçambique da ortografia anterior ao Acordo de 1990.
Todas as grafias têm alguma independência em relação à pronúncia. Se assim não fosse ter-se-ia que usar grafias diferentes em Portugal para as variadas pronúncias que existem no país, por exemplo no Porto, em Lisboa, em Coimbra, no Alentejo, no Algarve, nas Beiras, etc. Mesmo numa mesma região existem pronúncias diferentes de pessoa para pessoa. O facto de a ortografia da língua inglesa dar sugestões muito pouco explícitas sobre a pronúncia das palavras não impediu que quer a Inglaterra quer os Estados Unidos da América fossem dos países onde a alfabetização da totalidade da população se concluiu mais cedo. O facto de tantos escritores, criadores da versão escrita da Língua Portuguesa, se oporem ao Acordo revela um vanguardismo dos linguistas que o desenharam e que, em vez de convencerem os criadores da escrita, se dedicaram a influenciar os decisores políticos que por sua vez convenceram os deputados da Assembleia da República a votar favoravelmente. Continuo surpreendido por apenas 4 deputados terem votado contra conforme diz neste texto da revista Visão: «... Manuel Alegre, PS, Nuno Melo e António Carlos Monteiro do CDS e a deputada não inscrita Luísa Mesquita (ex-PCP) votaram contra.»
Quanto à defesa da missiva de mais de uma centena de académicos criticando o uso do termo Museu das Descobertas” não me parece feliz a defesa dessa missiva, citando considerações do historiador Paulo Sousa Pinto.
Por exemplo neste extracto do texto dessa carta
«
Se existem vantagens na criação de um espaço museológico deste tipo, porque é que ele não deve intitular-se 'Museu das Descobertas'?
Desde logo, porque essa designação cristaliza uma incorrecção histórica, razão pela qual, como historiadores e cientistas sociais, não podemos estar de acordo com ela.
Apesar do vocábulo 'descobrimento', no singular e no plural, ter sido utilizado nos séculos XV e XVI para descrever o facto de se terem encontrado terras e mares desconhecidos na Europa, a verdade é que, na quase totalidade dos casos, ele apenas se refere à percepção da realidade do ponto de vista dos povos europeus.
É inquestionável que Vasco da Gama descobriu o caminho marítimo para a Índia, para quem, naquela altura, vivia na Europa Ocidental.
Precisamente porque um dos aspectos que resultou deste e de outros episódios de 'expansão' foi o contacto entre povos de culturas muito diversas, é que é tão importante considerar o ponto de vista e a percepção de todos os envolvidos.
Para os não europeus, a ideia de que foram 'descobertos' é problemática.
»
vai-se ao ponto de afirmar que o vocábulo “descobrimento” cristaliza uma “incorrecção histórica” quando a seguir se reafirma a existência desse descobrimento criticando contudo o uso da palavra porque “para os não europeus, a ideia de que foram ‘descobertos’ é problemática”.
É para mim completamente incompreensível que seja problemática a ideia de que alguém tenha sido descoberto, a descoberta faz parte essencial da espécie humana, nós somos seres que descobrem e que aprendem.
A existência de outros povos não depende de eles serem ou não descobertos por estranhos, não percebo o que poderá levar alguém a pensar que foi a descoberta da sua sociedade pelos europeus que os colocou na história do mundo. A partir dessa descoberta passaram a referir a sua existência em documentos europeus, tudo isto me parece natural.
Os povos que viviam na Europa foram objecto de descobertas de variados povos. Alguns deles estabeleceram-se aqui e ficaram por cá, como entre outros os povos germânicos, os húngaros, os finlandeses. Outros, como os Mongóis no século XIII, deixaram um rasto de destruição e foram-se embora. No século XX fomos descobertos pelos turistas e pelos investidores japoneses, depois os sul-coreanos, os chineses de Taiwan e de Hong-Kong e ultimamente os turistas e os investidores chineses. Turistas, emigrantes e investidores indianos têm também descoberto a Europa.
É curioso também que nessa carta considerem que a palavra “Descobrimento” que terá sido utilizada nos séculos XV e XVI para descrever factos de uma forma que não foi tão exaustiva como poderia ser agora, a palavra “Descobrimento” tenha assim que se restringir ao âmbito das descrições feitas nos séculos XV e XVI. Talvez alguns historiadores gostassem de serem eles a definir qual o significado do vocábulo “Descobrimento” ou “Descoberta”. Infelizmente para eles essas palavras não são propriedade dos historiadores e o seu significado e o âmbito do que descrevem vai evoluindo com o tempo, aliás como toda a História que corresponde à descrição do passado considerada mais relevante por cada sociedade no tempo em que existe.
E acho natural que num museu na Europa se privilegie o impacto que os Descobrimentos tiveram em Portugal e na Europa, o que não impede que se considere também o impacto que tiveram nas outras sociedades. Mas parece-me que essas sociedades deveriam elas próprias fazer museus que falassem do impacto que nelas tiveram a chegada dos europeus, não cabe a estes descrever o que se passa nas suas sociedades e o que se passa nas outras sociedades, é bom que cada sociedade elabore a sua visão para uma melhor compreensão mútua.
A discussão sobre este Museu das Descobertas que ficou para as calendas foi muito agitada, apenas alinhei estes poucos argumentos por causa da palavra “Descobertas” e este post do Vítor que tenho vindo a referir indicou-me um post com um registo muito equilibrado duma grega (Maria Vlachou) que vive por cá:
Retive as sugestões:
- que as actividades marítimas das Descobertas podiam/deviam ser tratadas no Museu da Marinha com o destaque devido;
- que para fazer um Museu é preciso dotá-lo de alguns meios para funcionar bem;
- que antes do edificio se devia definir o conteúdo do museu.
Termino com a imagem da capa do livro os Descobridores, de Daniel J. Boorstin, historiador da univeridade de Chicago e director da Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos da América de 1975 a 1987. O livro foi publicado na América em 1983 e numa versão em Português, pela Gradiva em 1987.
No Prefácio à edição portuguesa de The Discoverers D.J. Boorstin escreveu:
«
Nada me agradaria mais do que ver aparecer The Discoverers em português- a língua de Camões e dos pioneiros dos descobrimentos do Ocidente. É também espantosamente apropriado que este pequeno símbolo de agradecimentoe reconhecimento possa ser mandado do Novo Mundo, que teria sido com certeza um lugar muito diferente e muito menos interessante se não tivessem sido a imaginação, a coragem e o espírito de aventura dos Portugueses na época dos descobrimentos. Os descobridores portugueses ainda não tiveram o reconhecimento e as celebrações que merecem no Ocidente de língua inglesa.
...
»
A figura da capa é a gravura Flamarion uma metáfora de um homem descobrindo o que está para além das imagens quotidianas.
5 comentários:
Caro José Júlio, decidi fazer por pontos os meus comentários ao seu texto, senão acabo seguramente por fazer um texto demasiado comprido, que só publico daqui a muito tempo. Penso que também é mais fácil para si ir assim analisando por partes os meus comentários, e eventualmente responder-lhes. E começo pela resposta à questão do AO90, que é a que me sai mais naturalmente.
Como disse muitas vezes, o AO90 tem, na minha opinião, pontos criticáveis. Nem sempre vejo o interesse de algumas críticas, mas elas podem ser feitas de forma coerente e racional. Podemos também, para organizar a análise, dividir as críticas ao AO90 em críticas ao acordo como tal (ao facto de se proporem regras ortográficas unificadas) e críticas à reforma ortográfica concreta que este acordo implica. Em princípio, as criticas ao acordo e as críticas a esta reforma são independentes e pode defender-se ou criticar-se um sem a outra ou vice-versa. No seu texto, creio que as duas críticas estão interligadas, ou seja que a recusa do acordo tem com uma base a sua conceção da relação entre ortografia e língua. Tento abarcar nos pontos que se seguem todas as questões que levanta.
O José Júlio está longe de ser o único a referir a pretensa profusão de variantes ortográficas do francês e do castelhano como argumento a favor da «naturalidade» da coexistência de diversas ortográficas para uma mesma língua. Ninguém me mostrou ainda, porém, quais as diferenças concretas entre os corretores ortográficos do francês e do castelhano, porque eu estou farto de procurar e não as encontro.
Nunca encontrei uma única diferença ortográfica entre variantes do francês. Como eu costumo dizer, na Guiné-Conacri, un gigot d’agneau não passa a ser un gigueau d’agnot. Primeiro, pensei que pudessem ser diferenças mais lexicais que ortográficas, mas a verdade é que mesmo os canadianismos que experimentei são reconhecidos pelo corretor ortográfico de francês de França, da RDC, da Reunião, etc., desde niaiseux a chum, tabarnac, batême, câlice (agora é que é caso de dizer “pardon my French”, e peço desculpa pela linguagem, mas os palavrões são uma coisa que, neste caso, vem logo à cabeça). Mesmo o nome de lugares, como Chicoutimi ou Saskatchewan são reconhecidos pelo corretor «de França» e outros (como aliás pelo corretor inglês, mas não pelo português). Quanto às regras de acentuação, são também as mesmas em todas as variantes e o corretor em todas elas obriga a aspas angulares e faz espaços automáticos antes de aspas, ponto e vírgula, etc.
O mesmo em relação às variantes do castelhano. Bom, não tenho, neste caso, conhecimentos que me permitam explorar as variações lexicais e ver como são aceites nas várias «versões» do corretor, mas, por exemplo, o corretor de castelhano de Espanha aceita expressões quéchuas incorporadas no castelhano andino, como charqui ou challar, e também aceita as formas de 'voseo' dos verbos, como se usam na variante do Rio da Prata. De que se fala então, quando se fala de variantes ortográficas do francês e do castelhano e quais as diferenças entre os diversos corretores? Não sei.
Para finalizar sobre a questão das «múltiplas grafias» de uma língua, quero também defender que o facto de uma língua ter várias grafias não é, por si, argumento para se defender que outra língua tenha várias grafias. A pluralidade de grafias é uma questão que merece análise por si só. Se o francês tivesse de facto várias grafias, eu discordaria disso, mas não porque outras línguas não têm. O servo-croata pode escrever-se com dos alfabetos diferentes e isso não me leva a propor que o português se possa escrever com dois alfabetos.
(continua no comentário seguinte)
[Continuação do comentário anterior)
Agora, em relação à unificação das grafias entre as várias variantes do português, uma questão que há que distinguir é a unificação da regra e a unificação das formas por ela produzidas. Havia duas regras diferentes, a brasileira e a restante, depois do AO devia haver uma única. Que Angola e Moçambique não tenham implementado o que tinham acordado implementar não é uma questão ortográfica, é uma questão política. Qualquer instituição com poderes para isso em qualquer dos países de língua oficial portuguesa pode revogar o AO a qualquer momento ou introduzir reformas nacionais e esse mesmo acordo – mas em que é que o AO é criticável por isso?
Agora, o facto de haver uma única regra não implica que esta regra produza sempre as mesmas formas, porque a regra proposta é fonológica (ou seja, dá conta das unidades do sistema e não dos sons concretos) e há algumas – muito poucas – diferenças entre formas brasileiras e não-brasileiras que são efetivamente fonológicas – isto é, há, em muito poucos casos, diferença entre as unidades que constituem uma palavra brasileira e a palavra que lhe corresponde no resto da lusofonia.
É claro, poderia criticar-se o AO por, ao unificar as regras, acabar por dividir as grafias, mas esta crítica só seria pertinente se isso de facto tivesse acontecido. Há de facto casos em que há diferenças estruturais entre as várias variantes que não se refletiam antes na escrita e que agora são tornados evidentes pelas novas regras, mas quantos são? E em quantos casos desapareceram diferenças ortográficas que não tinham base fonológica, mas antes existiam porque a regra não-brasileira incluía ainda resquícios da lógica etimológica prevalecente antes de 1911, em que se acabou com alguns cc etimológicos (por exemplo, em producto), mas não com outros (em projecto)? Haveria que contabilizar os casos em que há uniformização concreta das formas escritas pela unificação da regra e os casos em que as grafias se afastam devido a essa mesma uniformização da regra, como recepção e receção. Estou convencido de que estes últimos casos são muito menos que os outros, mas gostava de ver contas. E contas é uma coisa que ninguém quer fazer nesta discussão. (Bom, eu já fiz, por exemplo aqui: http://llindegaard.blogspot.com/2012/01/acordo-ortografico-quase-sempre-mais.html)
Finalmente, sobre a independência das grafias em relação à pronúncia, quero sublinhar que nenhuma ortografia portuguesa (excetuando as grafias medievais, talvez, mas não sei, nunca me debrucei muito sobre a questão) pretendeu transcrever a pronúncia. Nunca ninguém propôs, para dar um exemplo óbvio, transcrever os oo átonos com a letra u, embora eles assim se pronunciem. Nem sequer apenas os oo átonos postónicos, que se pronunciam [u] também no Brasil. O que se propôs sempre é, com base na consciência de que os certos elementos do sistema ganham pronúncias diferentes consoante a acentuação, dar conta desses elementos e não da sua pronúncia. Considera-se que o /O/ de «cOmer» é sempre o mesmo /O/, quer se pronuncie [o] em certas regiões do Brasil e [u] noutras regiões do Brasil e em Portugal; e que é também o mesmo /O/ que encontra em «[eu] cOmo» e «[ela] cOme», por muito que tenha, nessas palavras, pronúncias diferentes, com os sons [o] e [ᴐ], tanto em Portugal como no Brasil. Se é certo que a pronúncia varia de região para região, e até de pessoa, o sistema mantém-se o mesmo e, mesmo com as diferenças de pronúncias entre Portugal e o Brasil, é, tirando casos muito raros, o mesmo em toda a lusofonia. Por isso, é possível uma ortografia de base fonológica unificada – mas uma ortografia fonética, isto é, que desse conta dos sons efetivamente pronunciados, não poderia ser a mesma – nem para todo o Portugal. O que a reforma ortográfica do AO90 fez foi levar mais longe este processo iniciado em 1911. Mas não o completou. Por mim, a reforma devia continuar.
Peço desculpa pela lentidão do processo, mas, como prometido, aqui vai mais um pequeno comentário, agora sobre a questão do nome do museu. E sobre esta questão não tenho tanto a dizer, até porque, lá está, não sou especialista no assunto. Aquilo que disse no meu texto – a citação de Paulo Pinto sublinha precisamente isso – é que me alarma haver quem desvalorize de um golpe a opinião de tantos especialistas sem sequer recorrer a argumentos fundamentados, ou que, em casos extremos, se desvalorize até essa posição POR vir de especialistas.
Agora, ao que vejo, não há posição consensual dos especialistas sobre a questão. Sei que há especialistas a favor da designação Museu dos Descobrimentos, como Luís Filipe Thomaz https://observador.pt/opiniao/por-um-museu-dos-descobrimentos/, que explora uma diferença entre «descobertas» e «descobrimentos». Mesmo que não se explore essa diferença, compreendo perfeitamente que os termos «descoberta» e «descobrir» se encarem como o José Júlio os encara. Mas também lhes (re)onheço uma carga história muito específica, quando aplicados às viagens dos europeus. Ouvi e li muitas vezes, por exemplo, que os portugueses descobriram muitas terras por esse mundo fora, mas não me lembro de ter ouvido nem lido que foram descobertos por fenícios ou cartagineses ou pelos povos germânicos depois do império romano. E é interessante, parece-me, refletir sobre a razão pela qual o uso que eu conheço dos termos «descoberta» e «descobrir», quando aplicado à história dos povos, é marcado por esta assimetria. Outra coisa sobre a qual me parece interessante refletir é como se relaciona o olhar ingénuo da descoberta do Outro e a máquina «antropológica» logo de seguida montada para o compreender melhor de modo a melhor o subjugar. É claro que isto é mais óbvio em certos casos que noutros, mas também me parece importante refletir sobre até que ponto esse esse segundo olhar de descoberta está ou não já incluído no olhar ingénuo e maravilhado da descoberta inicial.
Mas enfim, também me parece que, mais importante que o nome é o conteúdo do museu. Como deverá ser um museu sobre esta temática? Como se equilibram, de forma objetiva, os aspetos positivos e negativos daquilo que pretende mostrar?
Vítor, desta vez estou a ser mais rápido (alguns dias em vez de vários meses) a responder e mesmo assim demorei um pouco mais porque andei às voltas tentando obter informação na net sobre a razão de o Microsoft Word ter tantas variantes de correctores ortográficos de francês e de espanhol e não encontrei nada além das ubíquas instruções sobre como mudar de língua para fazer a correcção e outras de carácter também operacional.
E na minha ignorância ingénua ainda tentei "septante", "huitante" e "nonante" mas o francês de França aceita-os alegremente mesmo não sendo usados pelos franceses, tenho constatado que pelo menos os belgas e os suíços usam estas formas em vez soixante dix, quatre-vingts e quatre-vingts dix. Na realidade fiquei surpreendido quando referi a um francês que achava curioso que eles mantivessem ainda o que me parecia uma anomalia e o francês disse-me que contarem até vinte depois de sessenta e depois de oitenta lhe parecia completamente normal.
Continuo a achar estranho tanta variedade de correctores ortográficos para francês e espanhol mas vou-me abster de referir a sua existência como prova de que existem muitas variantes ortográficas destas línguas enquanto não descobrir qual a razão da sua existência. (continua, mas não agora já...)
Pois, para mim também é um mistério, isso dos corretores ortográficos. E pois, uma pessoa que aprendeu soixante-dix e quatre-vingts é isso que acha natural (já na escrita, que não é uma coisa tão natural, muitos francófonos erram na distinção entre quatre-vingt e quatre-vingts, mas isso é outra conversa muito diferente…). Os termos dinamarqueses para 50, 60, 70, 80 e 90, também baseados nos antigos sistemas de base vinte, ainda têm uma lógica mais estranha que os termos franceses e os dinamarqueses também os acham naturais :) E passo, finalmente, ao último comentário sobre o seu texto:
Quanto à hierarquia de dificuldade das disciplinas, bom, eu sou o primeiro a reconhecer que, a certos níveis, as ciências-físico químicas em sentido lato são de uma enorme complexidade. Mas, puxando agora a brasa à minha sardinha, veja que a linguística também o é, até porque, em última análise, é uma subsidiária de outras ciências naturais, como a psicologia e a física acústica, além de áreas como a lógica formal – e além do que lhe é exclusivo, claro está. São com certeza de uma complexidade muito, muito grande as questões a que os linguistas tentam responder sobre, por exemplo, se as línguas se organizam a partir de estruturas universais ou a partir de um número de operações essenciais que estruturam toda a psique humana; ou sobre se temos ou não um «programa» mental específico para a linguagem ou se usamos para esta capacidade os mesmos programas que usamos para outras capacidades humanas, etc., etc., etc. A história é uma área de saber diferente, no sentido em que não faz previsões verificáveis de caráter universal, mas não vejo razão para que a quantidade de conhecimentos necessários para tratar com rigor um tema histórico seja menor que a quantidade de conhecimentos necessários para tratar com rigor um tema de outra área.
É certo que a discussão de uma reforma ortográfica, por exemplo, não exige conhecimentos aprofundados de linguística. Se se tiver refletido sobre sistemas ortográficos, e se souber um pouco sobre a história do nosso sistema ortográfico e sobre a sua relação com o nosso sistema linguístico, isso já permite uma boa participação, sobretudo se se der atenção ao que vão escrevendo os especialistas. O que acontece, porém, – e eu acho estranho – é que a maior parte das pessoas acha que falarem uma língua é suficiente para terem opiniões sólidas sobre língua e que escreverem uma língua chega para terem uma opinião sólida sobre ortografia. E depois, claro, dizem às vezes coisas que não fazem grande sentido… E note, caro José Júlio, que não me refiro a nada que tenha dito (até porque eu não me lembro de o ter visto discutir a reforma, apenas manifestar-se contra a ideia de um acordo ortográfico), mas sim ao que dizem outras pessoas.
Por agora é tudo relativamente a especialistas e especialização, mais uma vez obrigado pela discussão.
Cumprimentos,
Vítor
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