A principal conquista do iluminismo foi a descoberta de que existiam muitos fenómenos que se desenrolavam de forma autónoma da nossa vontade e que existia muito rara evidência (se é que alguma) de intervenção divina nos fenómenos da chamada natureza.
Constituiu-se assim uma zona considerável do conhecimento humano que se passou a reger pelo método científico. As teorias que prevêem o que vai acontecer a sistemas mais ou menos complexos são postas à prova para verificar se as suas previsões são correctas. Continuam a ser usadas até se descobrirem fenómenos que não consigam prever, situação em que são abandonadas e substituídas por outras mais completas. Dada a possibilidade permanente de serem desmentidas pela realidade não existem teorias científicas com o estatuto de verdade absoluta, apenas existem teorias válidas que ainda não foram desmentidas por nenhum fenómeno.
Existem contudo sistemas de uma complexidade tão grande que não é actualmente possível (e talvez nunca seja) aplicar o método científico. Exemplos triviais são os valores futuros das acções de empresas cotadas na Bolsa ou, um pouco mais complicado, as consequências para a sociedade que resultarão da adopção de um dado programa político. A experiência tem mostrado que nestes casos de grande incerteza as melhores previsões se obtêm integrando as opiniões/palpites do maior número possível de pessoas, se bem que as melhores previsões não sejam garantidamente boas. É este o fundamento do sucesso dos mercados na economia e da democracia na política.
Mas qualquer sucesso de uma actividade humana gera uma tendência para a tentar aplicar em domínios de onde deveria permanecer afastada. É o que se está a passar actualmente com a procura incessante de opiniões de pessoas não preparadas para responder sobre os mais diversos assuntos.
Por exemplo, pouco antes da Expo98 a RTP perguntava aos transeuntes se achavam que a linha vermelha do Metropolitano iria estar pronta antes do início da exposição. Fiquei traumatizado ao ouvir as pessoas mandarem os seus bitaites completamente infundados sobre se iria ou não estar pronto. Depois interroguei-me porque é que a RTP fazia esta pergunta a pessoas sem a informação necessária para fundamentar uma resposta. Depois porque é que enviavam para o ar esta reportagem inútil.
Mais recentemente uma iniciativa chamada “Projecto Farol” fez aparentemente a pergunta:
- Portugal está pior hoje do que há 25 (e/ ou há 40 anos). Concorda?
São situações parecidas pois sabemos que as pessoas vítimas do inquérito muito provavelmente pouco ou nada sabem sobre as condições de vida há 25 ou 40 anos em comparação com as actuais. Neste caso sabe-se que a situação actual é muito melhor do que há 40 anos atrás. Então porque se faz a pergunta? E porque se faz esta pergunta em vez de outra qualquer que também revelaria a deficiência de informação comum na população portuguesa?
Já agora poderiam ter perguntado “Dizem que 2 mais 2 são 4. Concorda?” e assim ficaríamos também a conhecer a opinião dos portugueses sobre o resultado desta operação aritmética.
A propósito deste inquérito tem aqui uma descrição das condições de vida de uma família rural pobre, as razões para a classe média se sentir prejudicada, considerações sobre a ditadura da palermice e uma constatação da fraca qualidade da opinião portuguesa.
Esta nossa preferência pelas opiniões não informadas com mais ou menos paixão, sobre as avaliações mais rigorosas das situações, é uma das principais causas para perdermos tempo em discussões inúteis. Sobra depois pouco tempo para discutir, face ao conhecimento da situação real ou passada, qual o melhor caminho para seguir no futuro, terreno essencial da discussão política.
Para fechar deixo uma lembrança modesta da guerra colonial, que ocupava em permanência um exército de 100.000 homens na Guiné, em Angola e em Moçambique, mesmo depois de um milhão de Portugueses, emigrantes para a França e Alemanha, ter abandonado o país na década de 60.
Trata-se do Agrupamento de Transmissões de Bissau, vendo-se ao fundo as antenas usadas para interceptar as comunicações militares do PAIGC (Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde) e que, depois do 25/Abril/1974, serviram também para o Governador da Guiné comunicar com o Comando do referido Partido.
1 comentário:
Concordo inteiramente com a análise sobre os inquéritos absurdos feitos pela comunicação social (TV e jornais) que fazem perguntas a pessoas que sobre eles são ignorantes, e que respondem sempre como se fossem especialistas. Sobre a situação do país em relação alguns anos do passado, é natural que as pessoas respondam de acordo com a sua situação pessoal. Uma boa resposta a esta pergunta é visitar a exposição do Eduardo Gageiro ou a que esteve na Gulbenkian com as fotos que a Maria Lamas fez para o seu livro.
Luís Lucena
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