Nos mercados onde se transaccionam produtos físicos a utilidade principal do mercado é facilitar precisamente essa transacção. Fortemente associada a essa facilitação está a capacidade muito boa que os mercados têm para encontrar um preço adequado para a mercadoria transaccionada, através da interacção de numerosos agentes, quer do lado da procura quer do lado da oferta. É essa multiplicidade de agentes, tão prezada pelas diversas Autoridades da Concorrência, que a imagem que segue evoca, embora nela se vejam facilmente outras coisas como, por exemplo, as ondas do mar ou as escamas dum peixe.
Poderia ter usado uma imagem de um mercado de alimentos mas, como pretendo falar de mercados financeiros, considerei que uma representação abstracta seria mais apropriada.
Nos mercados financeiros o objecto da troca nada tem a ver com as necessidades de consumo imediatas de nenhum dos participantes na transacção mas apenas com expectativas de risco de incumprimento dos empréstimos ou de valorização de activos. A essência destes mercados está na incerteza do valor futuro do que se transacciona. Por exemplo, não existe um mercado para a troca de notas de 10 euros por notas de 5 euros porque as pessoas sabem que, quer agora quer no futuro, uma nota de 10 euros valerá sempre exactamente duas notas de 5 euros.
E a razão da existência destes mercados era precisamente fornecer boas previsões quer de riscos quer de probabilidades de valorização de activos.
Existem mesmo algumas pessoas, algo embasbacados pela qualidade de previsões baseadas na conjugação de palpites de múltiplos agentes independentes, que afirmam que essas previsões são melhores do que a estimativa dada por um especialista em assuntos mais banais, como por exemplo o peso de um animal a ser transaccionado. As pessoas comuns sabem que existem métodos melhores do que o mercado para fazer alguns tipos de estimativas, por exemplo para estimar o peso de uma vaca, melhor ainda do que a previsão dum conjunto de leigos ou do que o palpite de um especialista será utilizar uma balança.
Ao longo da história têm aparecido muitos governantes que gostam de definir os preços das mercadorias que se transaccionam nos seus domínios e não serei eu a negar as vantagens de tais práticas, designadamente nas situações em que é patente que o mercado existente está muito longe da perfeição e não é fácil aperfeiçoá-lo. No entanto neste caso corre-se o risco imenso de o governante falhar na determinação do preço mais adequado.
As grandes agências de rating americanas têm vindo a ser atacadas recentemente pelas falhas clamorosas das previsões que fizeram em relação a um grande conjunto de produtos. Mas as críticas dessas agências têm vindo mais das pessoas que ou não acreditam nos mercados ou, duma forma mais suave, têm fortes dúvidas sobre a perfeição dos mercados existentes.
Julgo haver um silêncio ensurdecedor da parte das pessoas que acreditam numa perfeição razoável dos mercados existentes, que quanto a mim deveriam já ter denunciado vezes sem conta a situação de oligopólio e o papel vanguardista e de condicionamento do livre funcionamento do mercado que estas agências representam.
Estas agências são mais uma manifestação do poder da super-potência americana, ao ponto de não existir uma única agência com relevância global em mais lado nenhum, nem sequer no continente europeu.
No caso concreto da dívida soberana de Portugal, é público que houve uma deterioração muito importante da notação atribuída em Dezembro de 2010 para os finais de Março de 2011. A situação do país poderá ter piorado neste primeiro trimestre mas nunca da forma calamitosa que corresponderia a 5 níveis como aconteceu na notação da Fitch. Poderão algumas vozes argumentar que agora é que as agências se deram verdadeiramente conta da gravidade da situação portuguesa. Eu diria a quem assim argumenta que as agências têm andado muito distraídas pois qualquer leitor de jornais portugueses terá tido múltiplas oportunidades de saber que muita gente duvidava (e duvida e duvidará para todo o sempre) dos números do governo e que fomos alertados em todos os media vezes sem conta para o optimismo deslocado do governo do PS e para a gravidade da situação económica de Portugal.
A coluna do Ricardo Costa no Expresso de 2011-04-02 descreve a visita de uma delegação da agência Fitch ao jornal Expresso no dia 14 de Dezembro de 2010, onde ele e o Nicolau Santos tiveram a oportunidade de lhes descrever o que iria provavelmente acontecer em Portugal no futuro próximo. E o que aconteceu no primeiro trimestre correspondeu ao que eles tinha previsto e comunicado à agência Fitch.
Chegamos assim a uma conclusão irresistível: ou a notação de Dezembro de 2010 estava errada, ou a de Março/2011 está errada ou ambas as notações não passam na melhor das hipóteses de conjecturas infundamentadas, na pior do exercício dum poder ao serviço de interesses específicos.
No final deste longo texto começo a achar que a primeira imagem deste post não representa bem um mercado, pela sua regularidade excessiva. Uma representação melhor talvez seja a deste conjunto desordenado de malmequeres.
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