2023-12-28

Pompa Real


Quando em Outubro de 2019 guardei esta imagem da rainha do Reino Unido, lendo na Câmara dos Lordes o discurso escrito pelo primeiro-ministro num ambiente de tanta pompa



guardei a imagem para publicar num futuro post deste blogue mas não consegui desde então produzir um texto para comentar esta cerimónia. Porque se por um lado toda aquela pompa me parece uma mascarada de Carnaval, por outro lado o ritual recorda eventos ocorridos desde há centenas de anos que foram definindo o que é hoje o Reino Unido.

A rainha está acompanhada do filho Carlos porque o esposo estava na altura doente. Tem um manto que nunca mais acaba mas as damas de honor devem dar uma ajuda no transporte. Já a coroa é uma das mais leves certamente por causa da fragilidade da rainha, enquanto a coroa mais pesada fica em cima duma almofada sobre uma mesa. O príncipe vem com uma farda militar e uma data de medalhas, as senhoras mais importantes têm uma faixa azul em diagonal, os cavalheiros vestem uns casacos vermelho e ouro vistosos e as duas cadeiras de trono são rodeadas duns anjinhos dourados com asinhas e estão à frente de uma parede com vários baixo-relevos polícromos, com abundância de dourados e de leões e unicórnios. E os juízes com as suas cabeleiras postiças brancas.

Em 7/Nov/2023 ocorreu outra cerimónia, desta vez a abertura da 4ª sessão do 58º Parlamento do Reino Unido em que o leitor já era o rei Carlos III.

 


A esposa Camila já passou a rainha, ocupando uma cadeira melhor, e ambos os monarcas têm direito a um manto exagerado. O rei tem força suficiente para suportar uma coroa mais pesada e o manto real tapa as suas condecorações que aparentemente perderam importância.

A seguir uma panorâmica mais abrangente da Câmara dos Lordes

 

com legenda em inglês do que o rei está a ler

Em ambos os casos se nota do lado esquerdo das fotos a presença de convidados aparentemente estrangeiros, alguns usando na cabeça kéfiés árabes.

Eu não sinto necessidade dum ritual tão elaborado, lembrando-me a propósito dum texto do Oscar Wilde sobre a pompa real, que traduzi e apresentei noutro post sobre a igreja da Sagrada Família de Barcelona:
«
E o Camareiro dirigiu-se ao jovem Rei e disse, «Meu senhor suplico-te, põe de lado esses teus pensamentos negros e veste esta bela túnica e coloca esta coroa sobre a tua cabeça. Pois, como poderá o povo saber que tu és um rei, se não tens um traje de rei?»
...
Os nobres fizeram troça e alguns deles gritaram para o Rei, «Meu senhor, o povo aguarda pelo seu rei e tu mostras-lhes um mendigo», e outros indignados diziam, «Ele traz vergonha sobre o nosso estado, e não é digno de ser o nosso senhor».
»

O povo também mostrou pouco entusiasmo com esta alteração dos costumes:

«...
O povo ria e dizia, «É o louco do Rei quem cavalga», e gozavam com ele. O jovem Rei puxou pelas rédeas e retorquiu, «Não, pois eu sou o Rei». E contou-lhes os seus três sonhos.

E um homem saiu da multidão e falou amargamente para ele, dizendo, «senhor, não saberás tu que da luxúria do rico surge a vida do pobre? Somos educados pela tua pompa e os teus vícios dão-nos o pão. Trabalhar para o duro mestre é amargo, mas não ter mestre para quem trabalhar é ainda mais amargo.
Pensas tu que os corvos irão alimentar-nos? E que remédio tens tu para estas coisas? Irás dizer ao comprador, “Deverás comprar esta quantidade” e ao vendedor, ‘tu deverás vender a este preço?’ Não creio. Por isso, volta para o teu palácio e coloca em ti o bom linho vermelho. O que tens tu a ver connosco e com o que sofremos?»
«Não são o rico e o pobre irmãos?» Perguntou o jovem Rei.
«Sim», respondeu o homem, «e o nome do irmão rico é Caim».
Os olhos do jovem Rei encheram-se de lágrimas, e ele cavalgou através dos murmúrios do povo, enquanto o pequeno pagem amedrontado, o deixou.
»

O próprio bispo que o ia coroar disse-lhe entre outras coisas:

«...
mas digo-te que cavalgues de volta para o Palácio e alegra a sua cara, coloca as vestes próprias de um rei e com a coroa de ouro, te coroarei e o ceptro de pérola colocarei na tua mão. E quanto aos teus sonhos, não penses mais neles. O fardo deste mundo é demasiado grande para que um homem o carregue e a tristeza do mundo demasiado pesada para um coração sofrer.
»

A saída que o Oscar Wilde arranjou foi pôr os raios de sol a entrar pelos vitrais adentro, dando cores belas à roupa modesta e fazendo florir lírios e rosas vermelhas no bastão que o Rei levava, daí me lembrar desta história quando vejo raios luminosos a atravessar vitrais.

Resumindo, parece que a única alternativa àqueles programas conservadores, quer de governação quer de economia, acaba por ser um milagre, o que sabemos ser pouco frequente.

»



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