No jornal Expresso, parece-me que na edição online de 5/Out/2022, saiu uma entrevista com o Engº Pedro Cunha Serra, pelo jornalista Rúben Tiago Pereira, intitulada:
- "Temos problemas de água com Espanha? Só aqueles que gostamos de inventar na nossa cabeça”
O entrevistado tem dedicado largos anos ao tema do abastecimento da água e é consolador ouvir um especialista falar sobre o que se tem resolvido e os desafios actuais, sem o tom tremendista com que os média costumam abordar qualquer tema.
Limito-me no post a destacar umas tantas perguntas e respostas, a versão integral está disponível no link acima:
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Os transvases que Espanha faz do Tejo para os rios Júcar e Segura, por exemplo, não são um problema para nós?
Não. O que ficou previsto nos documentos convencionais foi que eles poderiam transvasar até mil milhões de metros cúbicos e eles raramente transvasam mais de 300 milhões. O Tejo no seu estuário tem afluências na ordem dos 17 mil milhões de metros cúbicos, por isso, 300 milhões nas suas cabeceiras não tem um impacto tão significativo quanto isso para os nossos interesses nessa bacia. Tanto mais que, a alguns quilómetros da fronteira, eles têm três aproveitamentos hidroelétricos cuja capacidade de armazenamento anda na ordem dos 5 mil milhões de metros cúbicos. Estamos a falar de 300 milhões de transvase e de 5 mil milhões ali represados essencialmente para produzir energia, o que tem uma particularidade: os aproveitamentos hidroelétricos deixam correr água para Portugal. Por isso é que nós só em raras excepções tivemos problemas na bacia do Tejo.
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Os nossos interesses estão assegurados nesse acordo?
Nós temos ainda represados, na bacia do Douro, no lado português, 700 milhões de metros cúbicos de água, nas barragens do Baixo Sabor e Foz Tua. As necessidades de abastecimento de água à Área Metropolitana do Porto andam na ordem dos 100, 120 milhões por ano. É importante dizer que, mesmo nos anos mais secos, chove sempre na Cordilheira Cantábrica, de corre muita água para o Douro. E chegamos a ter anos húmidos em que chovem mais de 4 mil litros por metro quadrado. Isto é um número perfeitamente brutal, é o polo pluviométrico mais importante da Europa e nós beneficiamos dele. Seria muito mau espírito de vizinhança se tentássemos insistir com os espanhóis para que eles cumprissem com o protocolo adicional no que diz respeito ao regime de caudais do Douro.
Beneficiamos da Cordilheira Cantábrica, mas Portugal e Espanha também estão sujeitos a uma grande irregularidade climática.
Sim, é verdade. A Península Ibérica tem uma irregularidade climática que não é única, mas é muito acentuada, interanual e não apenas sazonal. Temos anos muito húmidos e anos muito secos. Na bacia do Tejo, a variação dos afluentes máximos e afluentes mínimos de um ano para o outro é de 1 para 20.
Isso significa o quê? Tem exemplos?
Na bacia do Sado, entre 1944 e 1945 não correu uma gota de água no rio. Em 1995, tivemos 8 meses de seca em que não caiu praticamente uma gota de água em todo o território nacional. No dia 11 de novembro caiu uma chuva diluviana e tivemos inundações por toda a parte.
Se é assim tão relativo, então não temos um problema de água em Portugal, é isso?
Existe um problema de água, sim. Temos de fazer uma gestão muito mais criteriosa dos nossos recursos. Temos de ter uma gestão muito mais participativa, muito mais colaborativa e para isso temos de dar alguns passos importantes que, aliás, a lei da água de 2005 já prevê no seu artigo 4º.
Como por exemplo?
A implementação de títulos de utilização da água em regiões onde a água já é muito escassa e onde já está instalada uma escassez estrutural, como é o caso do Algarve, a reutilização das águas residuais tratadas, a criação de associações de utilizadores, onde quem utiliza a água se possa juntar para se coordenar, o recurso à dessalinização, como já acontece no Algarve, para reforço de águas superficiais e subterrâneas.
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Para acabar, gostava de deixar claro: os portugueses têm de se preocupar com problemas de abastecimento de água em algum ponto do país?
Em algumas regiões, pontualmente. Por exemplo, na zona de Viseu, no nordeste transmontano ou em certas regiões do Algarve pode haver situações dessas, mas muito pontuais e estamos a falar de povoações pequenas. E convém relembrar que esses episódios acontecem em zonas onde existem por natureza poucos aquíferos.
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Aproveito para referir dois posts deste blog sobre abastecimento de água em Portugal:
- Factfulness (Factualidade) e o abastecimento de água no Algarve
- Precipitação de água em Portugal
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