2019-09-22

Factfulness (Factualidade) e o abastecimento de água no Algarve



Recentemente tenho-me deliciado a ler o livro do Hans Rosling (póstumo), do filho (Ola Rosling) e nora (Anna Rosling Rönnlund) intitulado "Factfulness" (Factualidade) contendo as explicações mais satisfatórias e completas que até agora encontrei para ter observado melhorias contínuas (pelo menos como tendência) das condições de vida dos portugueses durante 60 anos e contudo, durante esse período de tempo, sempre ter ouvido dizer que isto ia de mal a pior e que o futuro seria ainda mais negro e mesmo as  melhorias irrecusáveis eram quase nada em relação ao que poderiam ter sido.

Recomendo vivamente a leitura deste livro. Eu já vira umas 3 apresentações do Hans Rosling de que gostei muito e referi em post do ano passado, mas o livro vale também muito a pena (que não é pena alguma)!

Como pequeno exemplo para ilustrar a melhoria das condições de vida no Algarve recordo-me da existência de cisternas em muitas casas ou pelo menos de tanques adjacentes à casa para recolha da água da chuva. Tomei conhecimento que essas cisternas passaram a ser visitadas regularmente pelas autoridades sanitárias que povoavam as mesmas com pequenos peixes que comiam ovos de mosquitos e presumo que outros pequenos animais nocivos. Nem sempre a água das cisternas seria boa para beber mas pelo menos era adequada para lavagens. A dispersão das casas e a baixa densidade populacional tornava difícil a banalização de água canalizada em todas as habitações pelo que seriam frequentes as doenças provocadas por consumo de água em más condições sanitárias.

A certa altura banalizou-se a perfuração de furos para chegar aos lençóis freáticos e utilizar para regadio, com água abundante em alguns sítios como por exemplo em Silves e na planície entre Faro e Olhão. Surgiu então o problema da gestão de um recurso público. Em anos mais secos o nível da água no lençol freático descia e furos menos profundos ficavam secos. Se num dado ano secavam os furos com profundidade de 10m os furos que eram feitos no ano seguinte iriam até além dos 10m e assim sucessivamente. Na ausência de limitação da extracção de água subterrânea o nível freático foi baixando de ano para ano, existindo furos com profundidade de 100m!

Uma exploração sustentável do lençol freático seria extrair num dado período a água que em  média iria aumentar o nível freático. A corrida a furos mais fundos, forte indício de sobreexploração dos lençóis freáticos, levou a uma descida dos níveis destes e a um acréscimo do gasto em energia para elevar os metros cúbicos de água. Notar que 1m3 de água pesa 1000kg (uma tonelada). Toda a gente passou a ter que elevar a água umas dezenas de metros mais do que seria necesário se se tivesse mantido uma extracção sustentável.

Outra consequência da descida da do nível dos lençóis freáticos foi que nalguns casos, como por exemplo no concelho de Portimão, essa descida levou á "invasão" do lençol freático por água salgada proveniente do mar. Durante mais de um ano a água canalizada em Portimão era tão salgada que era imprópria para fazer café e as máquinas de fazer café expresso passaram a ser abastecidas com água de Monchique, obtida através de garrafões ou "jerrycans" que eram cheios nas fontes existentes na serra. No início dos anos 70 tornou-se um hábito das famílias com automóvel fazer viagens à serra com vasilhame para transportar água de fontes onde se formavam bichas de pretendentes da água respectiva.

A seguir mostro um garrafão clássico com capacidade de 5 litros e envolto em  vime entrançado para proteger o vidro e fornecer uma pega para facilitar o manuseamento. Ao lado deste mostro a versão em que o vime foi substituído pelo plástico.

Estes garrafões eram mais usados para conter vinho mas também podiam ser usados para transportar/guardar água. Notei agora como o “design” do garrafão com o entrançado de vime foi desnecessariamente imitado na versão em plástico. E é fácil perceber que envolver em plástico o recipiente de vidro de um garrafão requer muito menos mão-de-obra do que envolver o mesmo recipiente com vime entrelaçado, existiram motivos fortes para que os plásticos se tornassem tão ubíquos


No garrafão seguinte, da Água do Luso, é mantido o motivo do vime entrelaçado mas o “design” é ligeiramente alterado.

Mas para transportar 5 litros de água era preciso contar com 2 ou 3 kg adicionais para o garrafão aos 5 kg de água nele contidos, a não ser que se usassem “jerrycans” de 10 ou 20 l de capacidade que pesavam bastante menos de 1kg cada.

No início dos anos 90 a água em Portimão já não era salobra e só faltava de forma muito esporádica, enquanto em Albufeira existiam ainda quebras de fornecimento de água quase todos os dias do mês de Agosto, quando existiam mais turistas.

Disse-me um amigo que no Sotavento havia também quebras sistemáticas de fornecimento de água durante o Verão, antes da construção das barragens de Beliche e de Odeleite.

No Algarve foi entretanto possível construir um sistema multimunicipal de abastecimento de água conforme se pode ver na figura seguinte



tendo acabado ou tornado raras as quebras de fornecimento de água para consumo humano, quer através dum melhor aproveitamento directo da água da chuva aumentando as bacias onde é recolhida quer com o aumento da capacidade de armazenamemnto quer com a construção de adutores que permitem socorrer zonas mais carenciadas com água disponível em zonas mais distantes, pois todo o sistema multimunicipal está interligado. Além da regularidade do abastecimento a qualidade da água fornecida é também muito melhor.

Fui ver as datas de construção das grandes barragens do Algarve que resumi em tabela

Barragem                 Concelho      Conclusão    Capacidade total (hm3)

Arade                       Silves              1955            28,4
Odeáxere (Bravura)  Lagos               1955            34,8
Beliche                    Castro Marim    1986            48  
Funcho                     Silves               1993            42,7       
Odeleite                   Castro Marim    1997          132  
Odelouca                  Monchique        2009          157  
   
que se destinam todas a regadio e abastecimento de consumos domésticos.

Esta tabela dá uma ideia do esforço continuado ao longo de um período de tempo muito prolongado, demonstrando que os regimes democráticos com eleições em cada 4 anos também são capazes de desenvolver projectos com horizontes temporais superiores ao ciclo eleitoral, desde que existam necessidades suficientemente importantes por satisfazer ao longo do tempo.

Aqui tem uma breve descrição da história da empresa “Águas do Algarve”, uma empresa do grupo “Águas de Portugal” criada no ano 2000, resultante da fusão das empresas multimunicipais “Águas do Barlavento Algarvio” e “Águas do Sotavento Algarvio”.


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