2022-10-06

Mahsa Amini, outra vítima dos teocratas iranianos

 

Visitei o Irão numa excursão de 12 dias  de 24/Abr a 5/Mai/2010 há 12 anos e alguns meses.

Na altura, e como referi noutro post considerando que
«
quer o presidente dos EUA George W. Bush quer o primeiro-ministro inglês Anthony Blair, seu aliado dessa época, usaram a mentira da existência de armas de destruição maciça no Iraque, como motivo para a invasão desse país, sem mandato das ONU, com oposição de vários países, entre eles da França e contra a opinião de Hans Blix, coordenador da equipa da ONU que fez inspecções no Iraque de busca desse tipo de armas. Depois da invasão ninguém encontrou armas de destruição maciça. A invasão do Iraque em 2003 causou dezenas de milhares de mortos, não enfraqueceu a Al Qaeda, facilitou o aparecimento do DAESH, outra organização terrorista que fez ainda mais vítimas e deixou o Iraque numa situação caótica até ao presente ano de 2022”
»
 e dada a retirada de boa parte dos militares americanos do Iraque e a tradição dos EUA se envolverem numa nova guerra sempre que acaba a que estão envolvidos e considerando ainda os esforços do Irão para enriquecer Urânio, alegadamente para uma futura central nuclear mas mais provavelmente para fabricar bombas atómicas, considerando tudo isto receei que os EUA invadissem o Irão num futuro próximo e que seria prudente visitar o Irão antes que fosse invadido pelos americanos.

E tinha grande curiosidade de visitar o país onde existira o império persa, que falhara as campanhas de domínio da Grécia, dando assim origem às dezenas (ou serão centenas) de milhares de Maratonas, tão na moda nos dias que correm, que interagiu com o antigo Egipto, que foi derrotado por Alexandre o Grande, que teve uma religião em que os crentes podiam (e deviam) apressar a vitória do Bem sobre o Mal, que foi um grande império entre o Otomano e o dos Mogóis indianos e “last but not least” que tinha uns desenhos geométricos maravilhosos, usando por vezes conceitos matemáticos com um avanço de 500 anos sobre o Ocidente. O país tinha também pouco jeito para escolher os governantes mas não se pode ter tudo.

Fomos em voo da Lufthansa até Teerão, tendo a minha mulher iniciado aí o uso permanente de lenço cobrindo o cabelo. No dia seguinte fomos em voo interno até Shiraz, que visitámos e onde pernoitámos, seguindo depois de autocarro até às ruínas de Persépolis e pernoitando sucessivamente em Yazd, Isfahan e novamente Teerão, de onde regressámos noutro voo da Lufthansa em que praticamente todas as mulheres dentro do avião tiraram o lenço da cabeça mal o avião levantou voo.

Fiz muitos posts sobre o Irão e até um índice dos mesmos.

Recentemente Mahsa Amini, uma jovem curda de 22 anos foi detida pela polícia dos costumes em Teerão por mostrar quantidade excessiva de cabelo, que deveria estar mais tapado pelo hijab, um véu que designam por “islâmico” como referi aqui.

Na foto da Mahsa Amini que mostro a seguir, nota-se algum cabelo visível mas trata-se de uma situação que observei com frequência em 2010. A imagem está espalhada por muitos sítios da internet e em todos eles a mão esquerda foi tratada por razão que desconheço.

 


Enquanto estava sob custódia da polícia morreu, muito provavelmente na sequência de maus tratos a que foi sujeita.

A obrigatoriedade de ter os cabelos sempre cobertos é não só uma obrigação legal das mulheres como existe uma vigilância policial permanente para vigiar o cumprimento dessa lei, não vi uma única mulher, nesses 12 dias da nossa viagem de 2010, que andasse em lugares públicos sem o véu obrigatório. E lembro-me duma senhora da nossa excursão referir o espanto e agitação do empregado na recepção da sala do pequeno-almoço do hotel, quando acidentalmente se esquecera de pôr o véu, tornando-se óbvio que teria que o ir buscar o mais rapidamente possível ao quarto.

Em Isfahan tirei nessa viagem esta foto dum conjunto de alunas iranianas em visita de estudo a um edifício histórico de Isfahan, todas de casaco preto sendo a senhora com casaco vermelho uma portuguesa da nossa excursão. A quantidade de cabelo à vista é parecido à da imagem da falecida.
 

Noutro local tirei mais esta foto a outras jovens
 


Segundo li, o rigor da  polícia vai variando ao longo dos anos, o presidente actual assinou uma ordem em 15/Ago/2022 para reforço das leis sobre vestuário com uma nova lista de restrições.

Esta obrigatoriedade é uma violência enorme sobre as iranianas, neste caso de natureza legal. Na Turquia, onde o regime fundado por Ataturk tinha uma proibição legal de uso do véu em lugares públicos, o partido do actual presidente Erdogan revogou essa lei e, embora não seja legalmente obrigatório que as mulheres usem o véu, tenho testemunhos de casais turcos em que além de pressionarem a mulher a usar o véu como condição de admissão em empregos, pressionam o marido para pressionar a esposa a usar o véu.

Em França, onde existem várias zonas em que esta pressão social para usar o véu deve ser importante, aprovaram uma lei que proíbe o uso do véu em edifícios públicos.

Em Isfahan fotografei esta montra que me surpreendeu de venda de cabeleiras para mulheres
 


num país que proíbe a exibição de cabelo nos locais públicos. Uma amiga portuguesa sugeriu-me posteriormente que o uso permanente de lenços na cabeça poderá criar doenças no couro cabeludo que obriguem a rapar a totalidade do cabelo para recuperar do problema.

É verdade que em Portugal há uns anos era frequente ver as camponesas mais idosas usando sistematicamente um lenço na cabeça, como nesta imagem que vi na net duma mãe iraniana com a filha e a neta
 
 
mas também desconheço se essas portuguesas não teriam problemas no cabelo ou no couro cabeludo.

Em tempos, vi agora que foi em Fev/2018, pensei em fazer um post sobre um movimento de iranianas que chamavam “My Stealthy Freedom” fundado por Masih Alinejad de luta pelos direitos das mulheres iranianas, incluindo o direito de andar com os cabelos ao vento.

Desse movimento guardei estas duas imagens que me pareceram libertadoras

 



Depois da deposição violenta do Xá da Pérsia em 1979, um referendo instituiu um estado islâmico em que, além de uma estrutura governativa com os poderes legislativo, executivo e judicial, existe o Supremo Líder, um clérigo xiita que é escolhido entre os seus pares na Assembleia de Peritos (Experts), com intervenções cirúrgicas mas decisivas na vida política do país, sendo também chefe supremo do exército e dos Guardas da Revolução. Durante a excursão fui tomando consciência que os clérigos, os militares e os Guardas da Revolução acumulam portunas pessoais apreciáveis.

O primeiro supremo líder foi Ruhollah Khomeini (1900-1989) desde 1979 até à sua morte. O segundo foi Ali Khamenei (1939- ) desde 1989 até agora, portanto 33 anos. O regime tem portanto 43 anos, um pouco menos de existência do que o Estado Novo em Portugal.

De vez em quando têm ocorrido manifestações de contestação do regime que têm sido reprimidas com muita violência e muitas mortes nos confrontos.

O Irão tem pena de morte, num post de 2010 concluí que nas estatísticas de 2009 o Irão era o que executava mais condenados por milhão de habitantes seguido pelo Iraque e pela Arábia Saudita. Nas que vi agora na Wikipedia o  Irão continua na posição cimeira no número total de execuções em 2021 (Irão 353, Egipto 82, Arábia Saudita 64, Síria 37) e com 84 milhões de habitantes dando um rácio de 4,2 execuções por milhão, devem continuar no topo da tabela também neste indicador.

Informou-me também o guia que continuavam a fazer amputações em 2010, como cortar a mão a ladrões e não sei se lapidações, fiz um post sobre Sakineh Mohammadi Ashtiani, uma iraniana que esteve 9 anos presa na iminência de ser executada por lapidação (lançamento de pedras sobre a cabeça da condenada, enterrada parcialmente) que entretanto foi libertada em 2014.

De uma forma geral os comentadores não conseguem prever se mais esta morte porá fim ao regime, como nesta entrevista “How Iran’s Hijab Protest Movement Became So Powerful” na revista New Yorker a uma iraniana que vive nos EUA.


 

Para ficar com uma ideia da pressão social na Turquia para o uso do véu já tinha visto há tempos “The head scarf, modern Turkey, and me” por Elif Batuman, na edição de 8 e 15/Fev/2016, acompanhado por esta ilustração ao lado feita por Anna Parini.




Sem comentários: