2019-12-09

Mahatma Gandhi (4)


Continuando a referência a alguns aspectos dos 5 livrinhos da autobiografia do Gandi, que iniciei com um post de 2019-06-20 e continuei com outro post de 2019-11-02 e outro de 2019-11-21

Passo a referir o livro 4.

Parte IV (Livro 4)

4.1) Discordância crescente

À medida que escrevo sobre esta autobiografia do Gandi vou notando um aumento do número de temas em que tenho uma discordância forte em relação a muitas das opiniões do Gandi.

Dada a minha formação de engenheiro e nulo activismo político, tirando a manifestação de uma ou outra opinião sobre a governação aos amigos e em poucos posts deste blogue, embora reconheça o papel muito importante do Gandi na recuperação que a Índia fez da sua soberania, tenho alguma dificuldade em entender uma eventual relação necessária entre o seu trajecto político e as suas opiniões “pré-iluministas”.

4.2) Teosofia

O livro refere que Gandi foi contactado, ainda na África do Sul, por membros da Sociedade Teosófica (Teosofia seria Sabedoria Divina, assim como Filosofia é “Amor pela” Sabedoria) e quando se apercebeu que esperavam dele contribuições para essa sociedade ter uma melhor compreensão da religião hinduísta acabou por ter um estímulo para ler melhor os clássicos indianos, designadamente o Bhagavad-Gita que referi aqui.

Achei estranha a referência de Gandi à memorização que fez de trechos do Bhagavad-Gita, parece-me semelhante a decorar o Corão, na religião cristã a memorização limita-se a meia-dúzia de orações, mesmo durante a celebração da missa o padre tem um livro a servir de ponto para dizer as palavras correctas sem ter que recorrer à memória.

Na liturgia actual, os serviços de notícias da TV, os apresentadores são ajudados por um teleponto para não se enganarem a comunicar as notícias do dia.

Bem sei que quando foi inventada a escrita os contadores de histórias, que tinham anteriormente de as decorar, lamentaram a descoberta desta nova tecnologia, não era a mesma coisa saber uma história de cor ou limitar-se a ler um livro e estes hábitos perduram por séculos, dizem-me que no Irão ainda existem contadores de histórias (https://www.utne.com/arts/irans-streetwise-storytellers-naghals ), que actuam na rua para quem quer ouvir.

Dando o benefício da dúvida, talvez seja um treino na arte da retórica pois tenho lido que o Bhagavad-Gita tem muitos bons exemplos de troca de argumentos.

Na referência à Teosofia na Wikipédia vi o nome de Annie Besant e googlei (annie besant indiana jones) pois julgo ter ouvido falar da Teosofia pela primeira vez na série da TV “Indiana Jones – Crónicas da Juventude) onde o jovem Indiana Jones visitava gente no princípio do século XX, gente essa que ficaria depois muito célebre.

Fui dar ao episódio “The Young Indiana Jones Chronicles - Journey of Radiance” de 1hora e 35 minutos disponível no Youtube e que deixo aqui


4.3) Leite e Caldo de carne

Existem plantas venenosas em que a ingestão de uma pequena quantidade pode causar grande mal-estar ou mesmo a morte. Distinguir as comestíveis das venenosas foi uma tarefa difícil e arriscada, ainda hoje ocorrem desastres quando se confundem cogumelos selvagens, foi uma das áreas de conhecimento em que foi mais útil a transmissão de informação entre os seres humanos.

Não conheço nenhuma proibição de indole religiosa em relação à ingestão de qualquer planta específica (os jejuns são indiscriminados) mas existem proibições de porco para muçulmanos e judeus, abstenção de sangue e produtos derivados para muçulmanos (através das técnicas prescritas para matar os animais) e de vaca para os hindus.

As proibições dos muçulmanos parecem sensatas para a região e época em que foram estabelecidas.

Também existiam razões para a proibição hindu do consumo de carne de vaca, uma delas era que as vacas podiam fornecer leite para consumo humano. Ora o Gandi, ao tomar conhecimento do tratamento que davam às vacas leiteiras achou por bem prescindir do leite da vaca e fez um voto de abstinência de leite de vaca e de ovelha. Entretanto adoeceu (o que é frequente na autobiografia) e embora lhe tenham lido textos sagrados que diziam que em caso de doença grave se devia abrir uma excepção à renúncia de leite, ele só muito tarde condescendeu em beber leite de cabra, que não estava no voto embora o Gandi considerasse que o estava a quebrar.

Doutra vez em que a mulher foi sujeita a uma operação e o médico considerou essencial para a recuperação a ingestão de caldo de carne o Gandi, ouvida a mulher, optou por levá-la para casa pois o médico recusou-se a tê-la no hospital sem a possibilidade de lhe dar caldo de carne. O único ponto positivo neste comportamento que me parece infantil é que faziam os testes neles próprios relatando os resultados a outras pessoas.

Mas tudo isto me parece muito disparatado. Descobrir uma alimentação saudável e descobrir quais os tratamentos mais eficazes para evitar e combater as doenças requer a cooperação de multidões de pessoas que dedicam toda a sua vida a estudar, aplicar e testar de forma sistemática uma multiplicidade de informações e de processos. E mesmo assim, dada a complexidade dos problemas, muitos dos comportamentos e processos que pareceram promissores vêm a revelar-se menos bons passados uns anos e vice-versa. Tentar descobrir processos que se possam aplicar à generalidade da população a partir de esperiências feitas no próprio corpo parece-me praticamente inútil.

E envolver a religião nestes assuntos parece-me contraproducente. Nutrição e Medicina devem ser deixados ao método científico de elaboração de hipóteses e teorias e sua verificação com possibilidade de as rever sempre que surjam factos novos que as infirmem.

4.4) Binóculo ao mar

Existe ainda a descrição de uma discussão tão continuada sobre a necessidade de levar uma vida simples que o Gandi acabou por convencer numa viagem de barco um dono de um binóculo a atirá-lo literalmente pela borda fora para não ter de o ouvir mais. Um binóculo poderá ser inútil para alguns donos, eu próprio tenho um que tem tido pouco uso, mas parece-me profundamente errado deitar fora um instrumento precioso e potencialmente muito útil. Será porque os camponeses indianos não precisam de binóculos e portanto não é razoável ou justo ter um binóculo? Parece uma rejeição de tudo o que vem do mundo industrializado o que é também completamente errado.


Até o Tintin foi uma vez salvo por causa duns binóculos!


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