2011-04-28

Jardim Botânico do Rio de Janeiro

O Ipê rosa dum post recente fez-me pensar no Jardim Botânico do Rio de Janeiro

Quando o rei D.João VI de  Portugal fugiu para o Brasil para escapar às invasões francesas, ficou por lá desde 1808 até 1820, promovendo a criação dum Real Horto que após a independência do Brasil em 1822 se passou a chamar Real Jardim Botânico durante algum tempo.

O Jardim vale muito uma visita, a exuberância da sua vegetação é extraordinária, como se pode constatar nesta primeira imagem:


Um pouco mais à frente estava este conjunto de canas de bambu, duma dimensão como nunca tinha visto, fazendo-me lembrar a frase do Eça de Queiroz, de que “o Brasileiro seria o Português desabrochado ao calor dos trópicos”. Não faço ideia se esta imagem literária será algo mais do que isso relativamente às pessoas, mas não há dúvida que o calor e a humidade dos trópicos favorecem muito o crescimento das plantas. Pena não haver um referencial para uma melhor percepção da escala dos bambus mas a presença do troco de palmeira ajuda


Mais à frente estava esta árvore de que não sei o nome, que parece muito despenteada. Ainda fui ver se seria parecida a uma árvore do Jardim Tropical de Lisboa, também "despenteada" mas não me pareceu. Na história da evolução das plantas esta aparenta ser antiga, a estratégia da colocação das folhas para maximizar a exposição ao sol parece ser “tudo ao molhe e fé em Deus”


e para finalizar esta árvore com flores amarelas. Tinha lido que o Ipê amarelo é a árvore nacional do Brasil, mas não consegui confirmar se esta seria uma delas.


De qualquer forma gosto desta composição de ouro sobre azul.

São sempre benvindos esclarecimentos sobre os nomes das plantas aqui mostradas.

2011-04-23

Produtividade, horas de trabalho e feriados

Já manifestei neste blogue aqui e aqui a minha discordância sobre as tão apregoadas vantagens de trabalharmos muito mais tempo do que aquele que já trabalhamos em Portugal.

Repito que o aumento da produtividade através do aumento do número de horas de trabalho por ano é a progressão em direcção ao beco sem saída, ao fim dum certo número de aumentos essa via fica esgotada pois não se podem trabalhar mais do que 24 horas por dia e mesmo esse número é impossível de observar de forma sustentada porque precisamos de dormir.

Recentemente a OCDE publicou um estudo onde concluem que Portugal é o país europeu da OCDE onde mais horas se trabalha, demonstrando mais uma vez que não é insistindo nesta via de aumentar o número de horas em que trabalhamos que melhoraremos a nossa competitividade. Este estudo engloba horas no emprego e fora do emprego.

Se nos restringirmos ao número de horas trabalhadas no emprego constatamos facilmente nas estatísticas da OCDE



que as nossas 1719 horas no ano de 2009 são bastante mais do que as trabalhadas na Dinamarca (1563), na Áustria (1621) ou mesmo do que na Holanda (1378) ou do que na Alemanha (1380). Tudo países mais ricos do que nós e que me parecem exemplos a seguir. Mesmo na Finlândia, onde não passaram das 1652 horas, mesmo com aquele clima que convida a trabalhar só para aquecer. E nos países onde dizem que existem muito poucos feriados constata-se que trabalham menos horas do que cá. Já na Turquia, em 2004 trabalhavam 1918 horas. De uma forma geral os países mais pobres têm normalmente horários de trabalho com mais horas do que os países mais desenvolvidos. Mas em todos eles se observa uma tendência para o número de horas de trabalho diminuir ou manter.

Parece assim que nos querem pôr a caminhar na direcção oposta à do progresso, em que, em vez de imaginar formas de se produzir mais em menos horas de trabalho nos esgotamos a repetir sem imaginação durante mais horas aquilo que agora fazemos.

Há também um complexo de culpa completamente disparatado em relação aos acasos que colocam feriados ao pé de fins-de-semana. Em muitas empresas opta-se por caracterizar as férias por um dado número de dias úteis. É completamente irrelevante para o volume de trabalho que se presta à empresa que esse dias sejam gozados entre um feriado e um fim-de-semana ou noutra altura qualquer.

É para mim incompreensível que gente que considero razoavelmente esperta não consiga aperceber-se disto, achando sempre que os trabalhadores estão, no fundo no fundo, a usufruir um privilégio a que não deveriam ter direito. E previsivelmente apareceu agora a conversa estúpida a propósito da tolerância habitual na tarde de quinta-feira santa, só porque este ano o feriado do 25 de Abril é adjacente ao domingo de Páscoa e parece que nos estamos a escapar durante uma série excessivamente longa de dias, ao suor a que Deus nos condenou quando nos expulsou do Paraíso.


Em vez de aumentar o horário deveríamos pensar em formas de tornar o trabalho menos penoso e logo mais produtivo. Por exemplo os holandeses no século XVI (ou XVII) em Amsterdão colocavam no topo da fachada de todos os prédios de andares uma viga saliente onde se podia colocar uma roldana que facilitava muito a colocação das mobílias nos andares em relação ao processo muito mais penoso de transporte pelas escadas, conforme se pode ver na foto que tirei dum sítio de viagens.

Em Portugal muito deste transporte faz-se agora pelos elevadores mas, quando os objectos não cabem, ou mesmo em edifícios de 3  andares sem elevador, este aparelho que mostro a seguir


que se começou a ver há algum tempo mostra que já existe um pouco mais de consideração pelos trabalhadores das mudanças.

Uma vez em Bruxelas gostei de ver este camião com um tecto deslizante que possibilita que a descarga se faça de forma abrigada da chuva, minimizando as molhas quer dos trabalhadores quer do material nas operações de carga e descarga.


Claro que não é com estas engenhocas que vamos resolver os problemas do nosso país. Mas elas ilustram de forma simples que o caminho do progresso está na criação de condições que tornem os trabalhadores mais produtivos e não no regresso à escravidão.

2011-04-18

Floração

Estou cada vez mais confuso com a situação de Portugal. Os políticos, ou por paternalismo, ou por conveniência, ou por obrigação raramente nos informam com exactidão do que se passa. Isto torna o passado cada vez mais imprevisível e o presente cada vez mais nevoento.

Ironicamente parece que agora só o futuro se conhece com exactidão: intervenção externa, recessão, austeridade.

Resolvi assim fazer uma ligeira pausa na minha modesta tentativa de compreender o que se passa, aguardando que sejam revelados alguns factos novos, pois as narrativas públicas actuais escapam ao domínio do senso comum (para evitar a forma mais portuguesa e mais ousada de “bom senso”).

Tenho assim contemplado a floração das árvores, muito activa por esta época do ano. Sendo citadino surpreendo-me mesmo assim como foi possível passar tantos anos reparando apenas na floração roxa das Jacarandás em Maio e amarela das Tipuana Tipu em Junho, sem reparar que quase todas as árvores de Lisboa alteram o seu aspecto nesta altura, exibindo flores, frutos, novas folhas, etc.

Bem sei que um pouco mais para o Norte, por exemplo no Porto, esta floração é mais espectacular, sobretudo com as magnólias, e que já tinha referido a floração discreta das oliveiras aqui e aqui mas é interessante constatar que existem sinais discretos (por vezes não tão discretos assim) de mudança de aspecto de uma grande quantidade de árvores.

Estas florações discretas fizeram-me lembrar outra mais conspícua, que só tenho visto em fotografia. Trata-se do espectacular Ipê Rosa do Brasil de que apresento duas imagens que fui buscar ao blogue “Leaves of Grass” que consta da minha lista aqui à direita.


A de cima é um detalhe cheio de flores usado como banner no blogue referido, a de baixo mostra a árvore imponente cuja escala pode ser avaliada, por exemplo, a partir das telhas do alpendre da casa que aparece do lado esquerdo, mas também a partir de outras imagens da mesma árvore neste post.


O blogue “Leaves of Grass” tem ainda bastantes fotos interessantes tiradas nas margens da represa de Jurumirim.

2011-04-15

...mais do que na China, em Espanha, em Portugal...

Através deste post do blogue do António Vidigal cheguei a esta intervenção do Arnold Schwarzenegger, actor e ex-governador da Califórnia, sobre a importância de promover as energias renováveis.


A frase em que refere que a Califórnia “...tem mais renováveis do que a China, ou a Espanha, ou Portugal, ou qualquer outro...” está a seguir a 08:30. sendo uma confirmação insuspeita da relevância actual de Portugal na área das energias renováveis.

No minuto 11:05 tem um bom soundbyte: “China is an ancient culture but with new ideas. We cannot let America be a new culture with old ideas”.

Em 14:46 refere as dificuldades que as pessoas alegam sempre que se fala de melhorar a performance energética dos edifícios e dos processos. O Empire State Building acaba de ser weatherized gasta agora 40% menos de energia do que antes e no edifício Sears de Chicago espera-se reduzir uns impressionantes 80%!

No minuto 19:11 refere que é melhor abandonar o tema do Aquecimento Global, que tem pouca força mobilizadora para a maioria da população, sendo mais mobilizador falar na saúde, nos postos de trabalho, na economia e na segurança nacional, como áreas onde se registarão melhorias com a preferência das energias renováveis face às baseadas nos combustíveis fósseis.

Em resumo, uma apresentação realmente interessante.

2011-04-14

A paranóia das auditorias

 

Há uns tantos anos falei com um responsável pela rede de PCs de uma empresa que me confessava que não sabia quantos PCs existiam na empresa. Felizmente, tinha uma ideia bastante aproximada de quantos eram, e era sempre possível fazer um inventário, mas o problema dele era que estava a ter dificuldades em montar o processo que lhe assegurasse o seguimento sistemático das entradas e saídas de equipamentos.

Passa-se alegadamente uma situação semelhante com o governo de Portugal. Está a existir alguma dificuldade em conhecer com exactidão as contas do Estado, mais ainda agora em que elas não estão em grande forma e em que o governo e a oposição têm dificuldade em comunicar. A oposição requer uma auditoria. Já tivemos duas auditorias, uma solicitada pelo Durão Barroso e outra solicitada por José Sócrates, que deve ter achado muito boa esta figura de retórica “inventada” por Durão Barroso, para como ele ficar com as mãos mais livres para fazer o que lhe apetecia em vez de ter de seguir a maçada do programa eleitoral.

As contas nacionais são seguidas por muitas instituições, designadamente da União Europeia, essas instituições não apareceram ontem, conhecem as tentações de falsear a contabilidade, têm experiência de falsificação de contas por outros estados, o BCE anda-nos a emprestar dinheiro há um ror de tempo, serão todos tão estúpidos e incompetentes lá no centro da Europa que o nosso governo os consegue enganar a todos?

Esta situação traz-me maus pensamentos: de há uns tempos a esta parte que a oposição (qualquer que seja o partido) desconfia das contas apresentadas pelo governo. Infelizmente, quando chega ao governo, em vez de montar uns mecanismos que garantam um acompanhamento transparente das contas nacionais, refugia-se no quentinho do importante segredo de Estado para evitar que a oposição chateie. Seria tudo melhor se seguissem aquela regra de não fazer aos outros o que não gostariam que fizessem a eles. E os nossos legisladores, que tanto barafustam sobre a falta de transparência, tão pouco conseguem descortinar umas leis que facilitem o seguimento orçamental.

Eu aconselharia mais um grupinho de trabalho para estudarem as leis de 2 ou 3 estados europeus sobre este tema, preferencialmente dos bem colocados na ausência de corrupção. Se com essas leis eles conseguem bons resultados os Portugueses também hão de conseguir.

O seguimento orçamental tem que ser uma actividade contínua, não pode basear-se em auditorias que se executam quando se realizam eleições. Espero que o próximo governo, seja ele de que partido for, bem como a nova Assembleia da República, melhorem os mecanismos já existentes de forma a que acabem com esta paranóia dos pedidos de auditorias no período eleitoral ou pós-eleitoral.

Como imagem alusiva escolhi estes copos lindíssimos de cristal de Baccarat que fotografei com o telemóvel em Paris. Infelizmente o modelo em primeiro plano chama-se Massena, o general que comandou a 3ª invasão francesa a Portugal. São transparentes como deviam ser as nossas contas e evocam uma invasão estrangeira. Vá lá que antes mandavam soldados e canhões, agora enviam economistas.

2011-04-12

Encosta arborizada e recessão

No livro “Colapso” de que falei no post anterior, o autor recorre com frequência ao estudo da evolução da flora duma dada região ao longo do tempo, através da datação de depósitos sedimentares no fundo de lagos, da verificação da predominância de vários tipos de pólen e dando muita importância às árvores, constatando o efeito devastador que pode ter a desflorestação de uma região na sua capacidade de suportar habitats adequados à sobrevivência de sociedades humanas.

Tem uma sugestão particularmente cruel ao perguntar o que teria dito o habitante da ilha de Páscoa ao abater a última árvore existente na ilha: será que disse “Jobs, not trees!” ou numa tradução livre, “os postos de trabalho são mais importantes do que as árvores!”.

Continuo exausto da forma dramática como os media relatam as nossas desventuras económicas e os tempos difíceis que nos esperam. Dizem que a década passada foi uma década perdida com crescimentos muito anémicos e constatei no site Pordata que a média das taxas de crescimento do PIB dos últimos dez anos é cerca de 0,7%.

O Banco de Portugal estimou há uma semanas que em 2011 haveria um decréscimo do produto de 1,4%. Hoje ouvi no noticiário da RTP2 das 22:00, (um pequeno oásis de informação tranquila que se extinguiu com o novo formato em que os pivots, em vez de estarem sossegados sentados a uma mesa, andam para um lado e para o outro sem se perceber para quê) que a previsão se tinha agravado para 1,5% o que compreensivelmente quase me deixou aterrado e a tremer como varas verdes, a nova previsão é 1,5% em vez de 1,4%!!!

Embora eu perceba que diminuir o produto é preocupante, seria preferível que o aumentássemos ou que ficássemos na mesma, se 0,7% é quase nada, 1,4 % não é muito mais e tenho dificuldade em compreender porque é que temos que ficar aterrorizados com a perspectiva da nossa economia se contrair 1,4% num ano.

Pelo menos a encosta da serra de Sintra que se avista do palácio de Seteais não se degradou de 1974, tempo da primeira fotografia, até 2010, momento da segunda foto. A primeira é o “scan” de um slide, tirado em contraluz numa altura em que tinha pouca prática de uso da máquina fotográfica, uma Olympus OM-1. A segunda foi tirada com uma máquina digital. A encosta até parece mais frondosa.



Esta última foto já a tinha mostrado neste post.

2011-04-08

Colapso

Não, ainda não é o colapso de Portugal de que vou falar neste post mas do livro “Collapse: How societies choose to fail or survive”. Encontrei o livro na Loja da História Natural, uma simpática loja recomendada pelo maradona, ao pé da Rua da Escola Politécnica e comprei-o dado que tinha gostado muito doutro livro do mesmo autor, o “Guns, Germs and Steel”.

O livro fala sobre o colapso de muitas sociedades de pequena e média dimensão, alegando o autor que estas sociedades são exemplos mais fáceis de estudar e de perceber as razões do sucesso ou do fracasso, enquanto a queda do império romano é um tema tão complexo que, embora interessante, é quase impossível  dele tirar conclusões.

O autor refere as sociedades do estado de Montana, da ilha de Páscoa, das ilhas de Pitcairn e Henderson, dos Anasazi, dos Maias, da colonização Viking da Gronelândia, do genocídio recente no Ruanda, da ilha partilhada pelo Haiti e pela República Dominicana, da China e da Austrália, finalizando com um resumo das lições práticas que todos estes exemplos nos dão, os papéis que podem ser desempenhados pelas grandes empresas e as razões para por um lado estar preocupado e por outro para ter esperança no futuro.

No meio desta novela sem fim de pedirmos ou não uma intervenção externa na nossa economia, temos uma tendência fortíssima para nos esquecermos da finitude dos recursos do planeta em que vivemos e da enorme dificuldade em garantir a todos os seus habitantes um estilo de vida semelhante ao que existe no ocidente e que tão promovido é pelas agências de publicidade.

Na primeira crise do petróleo em 1973, o presidente da Comissão Europeia Sicco Mansholt, influenciado pelo Clube de Roma, falou muito no crescimento zero, designadamente na necessidade de por um termo no crescimento contínuo do consumo de produtos não renováveis. O crescimento do bem-estar das sociedades tem que se basear no crescimento dos serviços e não no consumo dos recursos finitos existentes.

Este livro do Jared Diamond dá uma ideia da situação actual que me pareceu tender para o lado da grande preocupação, mas a exposição é muito clara e convincente, à parte um ou outro pormenor em que cada leitor encontra a sua discordância do autor. Recomendo.

Nestes tempos da internet é tudo mais fácil: aqui está o endereço da apresentação do tema do livro que o próprio Jared fez no TED.

2011-04-06

Jarra de Flores

No meio está a virtude, não tão ordenada como as ondas mas mais ordenada do que os malmequeres selvagens do post anterior.

2011-04-03

As Agências de Rating não são a Mão Invisível do Mercado

Nos mercados onde se transaccionam produtos físicos a utilidade principal do mercado é facilitar precisamente essa transacção. Fortemente associada a essa facilitação está a capacidade muito boa que os mercados têm para encontrar um preço adequado para a mercadoria transaccionada, através da interacção de numerosos agentes, quer do lado da procura quer do lado da oferta. É essa multiplicidade de agentes, tão prezada pelas diversas Autoridades da Concorrência, que a imagem que segue evoca, embora nela se vejam facilmente outras coisas como, por exemplo, as ondas do mar ou as escamas dum peixe.


Poderia ter usado uma imagem de um mercado de alimentos mas, como pretendo falar de mercados financeiros, considerei que uma representação abstracta seria mais apropriada.

Nos mercados financeiros o objecto da troca nada tem a ver com as necessidades de consumo imediatas de nenhum dos participantes na transacção mas apenas com expectativas de risco de incumprimento dos empréstimos ou de valorização de activos. A essência destes mercados está na incerteza do valor futuro do que se transacciona. Por exemplo, não existe um mercado para a troca de notas de 10 euros por notas de 5 euros porque as pessoas sabem que, quer agora quer no futuro, uma nota de 10 euros valerá sempre exactamente duas notas de 5 euros.
E a razão da existência destes mercados era precisamente fornecer boas previsões quer de riscos quer de probabilidades de valorização de activos.

Existem mesmo algumas pessoas, algo embasbacados pela qualidade de previsões baseadas na conjugação de palpites de múltiplos agentes independentes, que afirmam que essas previsões são melhores do que a estimativa dada por um especialista em assuntos mais banais, como por exemplo o peso de um animal a ser transaccionado. As pessoas comuns sabem que existem métodos melhores do que o mercado para fazer alguns tipos de estimativas, por exemplo para estimar o peso de uma vaca, melhor ainda do que a previsão dum conjunto de leigos ou do que o palpite de um especialista será utilizar uma balança.

Ao longo da história têm aparecido muitos governantes que gostam de definir os preços das mercadorias que se transaccionam nos seus domínios e não serei eu a negar as vantagens de tais práticas, designadamente nas situações em que é patente que o mercado existente está muito longe da perfeição e não é fácil aperfeiçoá-lo. No entanto neste caso corre-se o risco imenso de o governante falhar na determinação do preço mais adequado.

As grandes agências de rating americanas têm vindo a ser atacadas recentemente pelas falhas clamorosas das previsões que fizeram em relação a um grande conjunto de produtos. Mas as críticas dessas agências têm vindo mais das pessoas que ou não acreditam nos mercados ou, duma forma mais suave, têm fortes dúvidas sobre a perfeição dos mercados existentes.

Julgo haver um silêncio ensurdecedor da parte das pessoas que acreditam numa perfeição razoável dos mercados existentes, que quanto a mim deveriam já ter denunciado vezes sem conta a situação de oligopólio e o papel vanguardista e de condicionamento do livre funcionamento do mercado que estas agências representam.

Estas agências são mais uma manifestação do poder da super-potência americana, ao ponto de não existir uma única agência com relevância global em mais lado nenhum, nem sequer no continente europeu.

No caso concreto da dívida soberana de Portugal, é público que houve uma deterioração muito importante da notação atribuída em Dezembro de 2010 para os finais de Março de 2011. A situação do país poderá ter piorado neste primeiro trimestre mas nunca da forma calamitosa que corresponderia a 5 níveis como aconteceu na notação da Fitch. Poderão algumas vozes argumentar que agora é que as agências se deram verdadeiramente conta da gravidade da situação portuguesa. Eu diria a quem assim argumenta que as agências têm andado muito distraídas pois qualquer leitor de jornais portugueses terá tido múltiplas oportunidades de saber que muita gente duvidava (e duvida e duvidará para todo o sempre) dos números do governo e que fomos alertados em todos os media vezes sem conta para o optimismo deslocado do governo do PS e para a gravidade da situação económica de Portugal.

A coluna do Ricardo Costa no Expresso de 2011-04-02 descreve a visita de uma delegação da agência Fitch ao jornal Expresso no dia 14 de Dezembro de 2010, onde ele e o Nicolau Santos tiveram a oportunidade de lhes descrever o que iria provavelmente acontecer em Portugal no futuro próximo. E o que aconteceu no primeiro trimestre correspondeu ao que eles tinha previsto e comunicado à agência Fitch.

Chegamos assim a uma conclusão irresistível: ou a notação de Dezembro de 2010 estava errada, ou a de Março/2011 está errada ou ambas as notações não passam na melhor das hipóteses de conjecturas infundamentadas, na pior do exercício dum poder ao serviço de interesses específicos.

No final deste longo texto começo a achar que a primeira imagem deste post não representa bem um mercado, pela sua regularidade excessiva. Uma representação melhor talvez seja a deste conjunto desordenado de malmequeres.