2024-12-01

A Mecânica dos Corpos Celestiais


Quando Galileu nasceu em 1564 já Copérnico falecera em 1543 e a sua hipótese heliocêntrica prosseguia o seu caminho no meio das polémicas suscitadas pelas teorias quando jovens, fazendo lembrar as polémicas suscitadas actualmente pelas alterações climáticas, possivelmente ou mesmo provavelmente causadas pela actividade humana, causa essa ainda muito contestada. Actualmente esta contestação vem dos consumidores, que não querem reduzir consumo de combustíveis fósseis nem geração de CO2, e também dos produtores de combustíveis fósseis com natural interesse económico nessa actividade.

Na polémica entre geocentrismo e heliocentrismo não havia intervenção de consumidores/produtores da sociedade mas “apenas” uma possivel oposição de quem tinha que fazer cálculos sobre os movimentos dos planetas para efeitos da astrologia, obrigando a mudanças radicais dos métodos de cálculo ptolomaicos então em uso, bem como de parte considerável da hierarquia católica, que considerava teologicamente importante que o planeta Terra fosse o Centro do Universo. A adopção do heliocentrismo obrigaria que se modificassem alguns textos da doutrina da igreja para acomodar esta nova percepção da realidade.

Nas diversas contribuições de Galileu sobressai o conceito de Referencial de Inércia, um referencial onde as leis da física teriam a forma mais simples e teriam também a mesma forma em qualquer outro referencial que se movesse em relação a ele com velocidade constante, quer em amplitude quer em direcção. Este conceito é vantajoso quando comparamos, por exemplo, o estudo das leis da física a bordo duma quadriga romana sujeita a “forças de inércia” nas curvas e nas aceleraçoes e travagens, perante o estudo num laboratório com alguns instrumentos para fazer medições. Galileu estudou também com pormenor a queda dos graves, usando para isso planos inclinados, para facilitar a medição dos tempos dos movimentos de esferas sobre eles, medindo assim a aceleração provocada pela gravidade.

Terá estudado qual o ângulo ideal para maximizar a distância percorrida na horizontal de um projéctil na ausência da resistência do ar. Terá observado parábolas semelhantes às destas curvas geradas no Excel, para lançamentos com a mesma velocidade inicial mas com ângulos de 30, 45 e 60 graus. A distância máxima na ausência de ar seria para 45º.

 


O referencial de inércia é um conceito abstracto, dado que nem na Terra nem no próprio Sistema Solar existe existe tal referencial. O mais próximo deste conceito que pressupõe um espaço e tempo absolutos seria o espaço interestelar aproximadamente a meio caminho entre o Sol e a estrela mais próxima, esperançadamente com uma massa parecida à do Sol.

Contudo, a equivalência dos referenciais de inércia terá sido mais um passo para migrar duma teoria geocêntrica para uma heliocêntrica.

Galileu argumentou contra a física Aristotélica afirmando que os corpos se moveriam em movimento de velocidade constante caso sobre eles não actuasse nenhuma força enquanto que Aristóteles afirmava que os corpos se moviam quando sobre eles actuavam forças e que na ausência de forças eles paravam Neste texto intitulado “Aristóteles, Galileu e a queda dos graves” de Carlos Fiolhais e João Paiva argumenta-se que a física Aristotélica explicava melhor o que se passava no planeta Terra do que as considerações de Galileu, que no entanto se revelariam no futuro como muito mais fertéis em resultados.

Eu acrescentaria que a física de Galileu estaria mais adaptada ao estudo dos Corpos Celestiais, tais como os planetas e designadamente à queda dos graves na Lua, conforme se constatou na missão Apolo 15 quando o astronauta David Scott deixou cair na Lua um martelo e uma pena, constatando que na ausência de ar os dois corpos chegavam ao chão ao mesmo tempo.


Notar que astrónomos contemporâneos de Galileu como Kepler e Tyco Brahe
 

se moviam para a teoria heliocêntrica tendo Kepler constatado que as órbitas não seriam mesmo círculos mas elipses de pequena excentricidade com o Sol situado num dos focos da elipse e tendo calculado pequenas variações de velocidade ao longo da órbita, existindo relação entre período de uma órbita e distância ao Sol. Tyco Brahe, um dinamarquês que fizera um grande conjunto de observações com grande exactidão e que a certa altura trabalhara em conjunto com Kepler em Praga, inclinava-se para uma teoria intermédia em que o Sol orbitaria à volta da Terra mas todos os restantes planetas orbitariam à volta do Sol.

Mesmo assim admiro como toda esta gente registaria as suas observações sem recurso ao conceito de coordenadas cartesianas cujos eixos tridimensionais se confundem actualmente com o conceito de referencial e que foram inventadas por Descartes, que tendo nascido em 1596 nada contribuiu para os trabalhos de Tyco Brahe e desconheço se terá influenciado os trabalhos de Galileu e de Kepler.

À semelhança dos gregos que deram nomes de deuses aos planetas os cristãos, possivelmente na tradição judaica, inventaram os anjos como mensageiros de Deus que, à semelhança dos planetas, pairavam nos céus eternamente.

Quando Galileu nasceu em 1564 já este quadro de Botticelli sobre a Natividade pintado em 1500 tinha 64 anos.

 

Volto a transcrever parte do texto acompanhando a imagem na National Gallery em Londres, que já transcrevera aqui (  )

« … A cúpula dourada do céu abriu-se e está circundada por 12 anjos segurando ramos de oliveira entrelaçados com pergaminhos e pendurados com coroas. Em primeiro plano, três pares de anjos e homens abraçam-se; entre os seus pés, demónios correm em busca de abrigo no submundo através de fendas nas rochas.»

Estas alegorias seriam um pouco mais difíceis de integrar num cenário heliocêntrico mas o quadro é muito bonito, já estamos num cenário heliocêntrico e o quadro continua a ser muito apreciado.

Para terminar mostro uma gravura do século XVI, que vi pela primeira vez na capa do livro “Os Descobridores” de Daniel J. Boorstin, de que tanto gostei e que sobreviverá à febre woke contra os Descobrimentos que são o motor da História. Nela um ser humano curioso tenta desvendar o que estará por trás do cenário quotidiano, isto já no século XVI!

 


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