2024-08-23

A linha do horizonte na Ponta da Piedade


O ano passado, no Verão de  2023, reparei que na Ponta da Piedade existia uma construção de que não me lembrava. Andei agora à procura de fotos antigas e constatei que em Set/2023 tirei esta foto na Praia da Rocha em que ao fundo se vê a Ponta da Piedade e Lagos em silhueta de contra-luz
 


com a nova anomalia marcada em destaque
 


Nas manhãs, em que a Ponta da Piedade está iluminada pelo sol de leste, eram visíveis estruturas de guindastes na proximidade dos dois quadriláteros.

Na altura desloquei-me a Lagos nesse fim do Verão para ver o que se passava. Encontrei dois edificios, ainda longe dos acabamentos, no Beco Raul Brandão.
  


Numa das empenas anunciava-se comercialização pela Sotheby’s deste conjunto junto do qual estava esta pequena loja de vendas


Achei estranho que, como se diz agora, em pleno século XXI, ainda fosse possível que uma câmara licenciasse esta volumetria sobre a Ponta da  Piedade, um local que sobrevivera todo o século XX sem uma construção com este impacto visual.

Interroguei um passante que me informou que neste local existira um prédio de andares mais pequeno que obtivera licença de construção mas que não fora concluído ficando durante décadas em tosco. Os proprietários teriam vendido o terreno com o edifício e a licença de construção ainda era válida, pelo que demoliram o que existia para construírem.

Fui então verificar um slide antigo que tirei em Setembro/1974 e que mostrei neste post bem como outro de 2017 


constatando que já em 1974 e em 2017 existia uma pequena “perturbação” na linha do horizonte da Ponta da Piedade.

Fui então ao GoogleEarth à procura de imagens históricas, constatando que a vista de satélite, de 2015.03.15 é mais antiga do que algumas vistas de rua. Na maior parte dos casos a imagem de satélite será mais recente do que as vistas de rua pois dará muito mais trabalho recolher imagens de rua de zonas densamente povoadas do que uma imagem de satélite, ou mesmo de fotografia aérea para zonas com mais detalhe, contudo nalguns casos poderá haver uma actualização parcial das vistas de rua de uma dada área, eventualmente com algum pagamento ao Google de empresas, por exemplo imobiliárias, com interesse em ter imagens actualizadas de rua em que implantaram novas construções.

A transição de vistas de satélite para vistas de rua tem assim a característica de mudar não só a perspectiva da tomada de vista mas também, quando se muda da vista aérea para a vista de rua, da data em que cada uma das vistas foi adquirida. Estas transições poderão surpreender o utilizador inexperiente e mesmo o “ocasional desde há muitos anos” como é o meu caso, pois as vistas aéreas e de rua são tão realistas que surpreende ver aparecer de repente um prédio num terreno desocupado, um passeio numa estrada, um prédio diferente do que era mostrado um clique atrás.

No GoogleEarth coexistem nesta zona vistas de rua de Maio/2014
 

em que é mostrada a construção que aparentemente existia desde antes de 1974, com a seguinte gravada em Set/2023

 

Neste caso a transição entre o passado longínquo (Mai/2014) e o passado recente (Set/2023) pode ser obtida na latitude=37.088933º e longitude=-8.675083º, conforme imagem acima, na Rua Raul Brandão, 8600-513 Lagos.

Olhando para vista aérea do GoogleEarth da Ponta da Piedade com data de 2015.03.15, que é a data mostrada quando está inactiva a opção Menu>View>Historical_Imagery, constata-se que mostra ainda o edifício em tosco antigo que sinalizei com círculo verde, à semelhança do par de fotos de 1974 e 2017 mostrado mais acima

 

Nesta última imagem marquei a direcção aproximada das vistas da Praia da Rocha (ao pé da Fortaleza) e/ou da Prainha). A pequena elevação quadrangular que se nota no par de fotos 1974-2017 deve corresponder ao edifício do conjunto dentro do círculo mais próximo do farol que tem oito pisos e está “de perfil” em relação às vistas referidas acima. O outro elemento com apenas 4 pisos passava despercebido no contraluz, ao contrário do que se passa agora em que ambos os edifícios têm a mesma altura.

Construíram-se recentemente várias vivendas de luxo a Sul deste conjunto que não afectam de forma significativa o perfil da Ponta da Piedade. Este conjunto de prédios causa preocupação por ser o início duma construção em altura sobre a arriba. Se este conjunto tiver venda fácil, outros se seguirão na mesma área sacrificando mais um ponto notável da costa algarvia a uma ocupação desenfreada como aconteceu com a Praia da Rocha.

No dia em que visitei a Ponta da Piedade este ano apreciei os novos acessos, da última vez que fui até ao farol, há dezenas de anos, os acessos eram menos cómodos.

Entretanto fotografei para registo a Ponta da Piedade, a cidade de Lagos e a Meia-Praia vistos da Prainha com uma máquina Canon IXUS, em que se constata que de uma forma geral o horizonte tem sido respeitado, com excepção deste último conjunto de edifícios.

Mostro primeiro o conjunto todo da foto, depois um enquadramento apenas do horizonte, seguido de três detalhes do mesmo enquadramento, da direita para a esquerda

 


 

 

 

 


e finalmente um zoom óptico do conjunto indesejado

 

No dia em que visitámos a Ponta da Piedade este ano estava uma ventania infernal, parecia o promontório de Sagres, eu não gostaria de ter uma casa naquele sítio.


3 comentários:

J Ricardo disse...

Pois, mas as CMs é que autorizam estas coisas - e outras bem piores, no Algarve e noutros sítios, mesmo em sítios top premium como Cascais. Atenção, a coisa já foi pior e mais selvagem, mas, de forma mais moderada, continua. E como as CMs recebem muitos €€€ por essas autorizações e depois, ao longo da vida das casa, bons impostos (e também o Estado central), no final até dá jeito porque o ‘monstro’ está sempre com fome. Enquanto houver este feedback positivo sem leis mais a sério para minimizar os excessos, a situação não vai acabar.
Entretanto, há anos e anos que o Estado central e as CMs deviam ter mandado construir bastante habitação social e fogos para a classe média, estudantes e professores deslocados etc, mas parece que os escassos meios de um país ainda bastante endividado são canalizados, vezes de mais, para coisas de menor interesse ou de tipo ‘faraónico’, como se fossemos um país rico (TGVs, autoestradas em que quase ninguém passa, etc, etc.)…
Depois queixam-se que se pede brutalidades por preços de compra ou aluguer de apartamentos minúsculos.
Claro que tudo isto demorará anos a ser corrigido - se para tal houver cabeça e persistência na ação; knock on wood !!!

João Brisson disse...

Este post suscita bastantes comentários para além dos da autoria de J Ricardo e com os quais me identifico totalmente, tendo ficado por referir o papel de travão à construção desempenhado pela crise do subprime e suas consequências que ainda hoje se vão sentindo

Mas vamos à documentação fotográfica capturada por uma Canon IXUS (275 HS, suponho)
É uma máquina compacta com características e capacidades muito para além das proporcionadas pelos telemóveis e, portanto, requerendo uma utilização mais informada pois não é uma câmera point-and-shoot
Concretamente, tem várias formas de medir a luz (pontual, ponderada, etc) assim como de focagem (pontual, etc) em que a medição da luz não se encontra associada à focagem
Possui um zoom óptico de até 24x, o equivalente a uma objectiva de 600 mm.
Existe um zoom digital que amplia o factor de zoom até 48X, ou seja, 1200 mm

Passemos às fotos
Na primeira foto, a luz está equilibrada mas o fundo (que era o objectivo da foto) está completamente desfocado ainda que o "foreground" esteja focado

Depois, o recurso à ampliação por reenquadramento mais não faz do que piorar a desfocagem do fundo, introduzindo ainda mais ruído e piorando até a qualidade do "middleground"
Na falta de software de ampliação adequado, o reenquadramento deveria ter sido obtido pela tomada de fotos com distâncias focais crescentes que apresentariam melhor qualidade e melhor focagem, como se comprova com a última foto obtida com zoom óptico
Mas como as fotos estão desfocadas perde-se o objectivo de demonstrar claramente o impacte negativo das construções na linha do horizonte

Finalmente, para que as construções não estraguem a composição das fotos, a utilização de software de pós-produção como Abobe Lightroom, Darktable ou mesmo Photoshop, permite eliminar com bastante simplicidade a imagem das ditas construções

Luís Lucena disse...

Passando ao lado da apreciação da qualidade das fotos, porque nada iria acrescentar ao que escreveu João Brisson, o meu comentário é para salientar a capacidade do Amarante dos Santos em pegar num pequeno pormenor, e transformá-lo, pacientemente, na referência a um problema que, ao longo dos anos, tem desfigurado algumas das zonas mais bonitas do Algrave. Lembro-me, por exemplo, de Armação de Pera ser uma pequena vila de pescdadores e da Praia da Rocha um local agradável para passar as férias. Embora reconheça que o aumento do poder das autarquias, tem trazido algumas coisas boas. a verdade é não ter servido para controlar os promotores imobiliários, impedindo desenvolvimentos urbanos que têm sido um desastre, um pouco por todo o país, muito particularmente no Algarve. Fico-me por aqui, sem mais comentários sobre os interesses que estão certamente por trás de tudo isto... Quanto mais vou evelhecendo, mais cético fico quanto às soluções para resolver os problemas que afetam este país, desde há largos anos.(ou séculos?)