2024-08-10

Como Referir Harris

 

As formas de tratamento em Portugal têm regras bastante complicadas que se têm vindo lentamente a simplificar. Julgo que isso se deve à sociedade portuguesa ter sido bastante estratificada e a simplificação decorre da diminuição dessa estratificação.

Não sei o suficiente para comparar complexidades de formas de tratamento de outras sociedades com as de Portugal, há uma tendência para dizer que as nossas são das mais complicadas mas não estou seguro que as outras sejam assim tão mais simples. Para uma breve introdução às antigas regras que deveriam ser seguidas pelos trabalhadores dos serviços de apoio telefónico ou presencial existe este post de José Meireles Graça no Delito de Opinião.

Além da posição social as formas de tratamento dependem também do sexo masculino ou feminino das pessoas. Neste post não estou interessado em como se trata um interlocutor num diálogo mas em como se refere uma terceira pessoa numa conversa entre outras duas, por quem escreve um texto, ou por quem fala referindo-se a ela para uma audiência colectiva.

Nestas referências, dependendo de várias circunstâncias, o nome da pessoa é ou não precedido pela licenciatura e/ou pelo título profissional respectivo, por exemplo o Director Geral de Saúde Dr. José Silva, ou o Presidente Jorge Sampaio. Nestes casos o uso do título do cargo acaba por ser uma necessidade de identificação, à semelhança das siglas de instituições em que a primeira referência deve conter o título do cargo ocupado (por exemplo Presidente Jorge Sampaio) nas seguintes poderá usar-se apenas o nome de família (Sampaio).

Nas grandes organizações em Portugal era comum que se usassem dois sobrenomes, pelo menos para pessoas com sobrenomes  muito comuns, tais como "Silva" ou "Santos" sendo nesse caso omitido o nome próprio. Nas empresas de electricidade como a EDP os funcionários eram tão numerosos que era indispensável usar pelo menos um sobrenome. Já as engenheiras eram tão raras que às vezes bastava o nome próprio para as identificar mas não me lembro de alguma engenheira ser referida sem o nome próprio, seguido por um sobrenome.

Em relação às ministras, em que o sexo feminino também rareava, estas regras também se têm aplicado, não me lembrando de nenhuma ministra que não seja referida por um nome próprio, revelando sexo feminino, seguido por um sobrenome para uma mboa identificação. Por isso constato que quando leio algo sobre uma figura pública referida através de um sobrenome a minha opção por omissão é que se trata de um homem pois, implicitamente existiria um nome feminino a preceder o sobrenome caso fosse uma mulher.

Esta minha constatação relativamente recente deve-se à leitura de textos do New York Times e da New Yorker em que após uma referência inicial com nome e sobrenome, por exemplo de Kamala Harris, passa a referir-se quase sistematicamente à pessoa como Harris, enquanto nos jormais portugueses ou se referem a "Kamala Harris" ou a "Kamala" mas muito raramente se bem que alguma vez a "Harris". Claro que há excepções mas a da Revista do Jornal Expresso de 9/Agosto/2024 é uma tradução dum artigo duma revista de língua inglesa.

Já antes notara que sentia às vezes necessidade de googlar nomes estrangeiros não ocidentais para saber se se tratava de um homem ou de uma mulher. Uma vez estava a tratar de uma viagem à Índia por e-mail e apareceu-me um interlocutor(a) chamado/a "Deepika Godsay". Constatei então que não era capaz de saber o sexo do meu interlocutor pelo nome, situação rara quando se lida com nomes cristãos. Não resisti a perguntar se devia tratar por Mr. ou por Ms.. Era Ms.

Quando as mulheres têm papéis muito destacados, como por exemplo Thatcher, Merkel, Lagarde, Von der Leyen e agora Harris o sobrenome é suficiente. Provavelmente isso será a norma daqui a alguns anos em Portugal.




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