2022-05-09

Gasodutos Argelinos

 

No final de Outubro de 2021, altura em que terminava um contrato de fornecimento de gás da Argélia para a península ibérica através do gasoduto Magrebe-Europa, a Argélia, que entretanto instalara o gasoduto Medgaz ligando-a directamente a Espanha, não renovou contratos que usavam o gasoduto anteriormente referido, privando Marrocos das receitas de trânsito do gás pelo território marroquino e do acesso a gás natural para alimentar duas centrais eléctricas de ciclo combinado, construídas após a entrada em serviço do gasoduto referido.

A figura ao lado, dum artigo da Wikipédia, mostra gasodutos Trans-mediterrânicos e um futuro Trans-saariano. Este e o Galsi existem apenas em projecto enquanto o Greenstream liga uma fonte de gás natural da Líbia à Itália. Os 3 restantes partem de Hassi R'Mel na Argélia, com as seguintes caratcterísticas:


- Trans-Mediterrâneo iniciou em 1983, vai até Minerbio na Itália, via Sicília, com 2475km e uma capacidade de transporte anual de 30,2 bcm (bilions (10 à nona) cubic meters);
- Magrebe-Europa iniciou em 01Nov1996, vai até Cordoba em Espanha via Marrocos e Estreito de Gibraltar, com 1620 km e capacidade de 12bcm;
- Medgaz iniciou em 01Mar2011, vai até Alicante em Espanha, com 757km e capacidade de 10,5 bcm.

As capacidades de transporte destes gasodutos podem variar ao longo da sua vida pois, além do diâmetro e de outras características físicas invariantes que estabelecem um valor máximo, a capacidade de transporte é influenciada pela pressão obtida por vários compressores instalados ao longo do gasoduto. Normalmente começa-se com uma capacidade de transporte menor, que se aumenta instalando compressores mais potentes quando aumentam de forma significativa os contratos de fornecimento.

A introdução do gás natural em Portugal esteve ligada à construção do gasoduto Magrebe-Europa que segundo a Wikipédia foi projectado no início dos anos 90 e em 1992 foram assinados acordos entre ministros da Espanha e da Argélia para a construção do gasoduto, enquanto as empresas Sonatrach e Enagás assinavam contratos para aquela fornecer gás natural a esta. Em 1994 Portugal entrou também no projecto. O gasoduto ficou pronto em 01Nov1996, existindo um contrato com a duração de 25 anos terminando em 31Out2021, que regulava o funcionamento técnico-económico da operação e das compras e vendas de gás natural.

A degradação das relações entre a Argélia e Marrocos culminando na quebra de relações diplomáticas em 24Ago2021 levou a que este contrato não fosse renovado, passando desde então o gás argelino a ser enviado para Espanha exclusivamente através da ligação directa do MedGaz, que iniciou funcionamento em 2011 com 8bcm de capacidade anual, aumentada com compressão adicional para 10,5 bcm no ano de 2021.

A Espanha é actualmente o maior gasificador de GNL (Gás Natural Liquefeito) na Europa dispondo de 6 terminais para esse efeito em Barcelona, Sagunto, Cartagena, Huelva, Mugardos e Bilbao.

É natural que a Argélia privilegie o uso do MedGaz em detrimento do Magrebe-Europa para enviar gás para a península ibérica pois além do trajecto ser mais curto evita pagar a passagem por Marrocos. Contudo a não renovação do contrato que terminava em 31Out2021 parece associada à quebra de relações diplomáticas pois mesmo utilizando exclusivamente o MedGaz para a península ibérica, o Magrebe-Europa poderia ser usado para continuar a  vender gás a Marrocos.

As duas únicas centrais elétricas de ciclo combinado de Marrocos que forneciam cerca de 10% do consumo anual e que ficaram assim indisponíveis deste 01Nov2021 foram:
- Tahaddart , perto de Tânger com 384MW (localização: 35.5892, -5.9866,);
- Ain Beni Mathar, no leste do país com 472MW (localização: 34°4′6″N, 2°6′17″W, ) ,  ligada por gasoduto de 12 km ao gasoduto Magrebe-Europa, a 40km da fronteira e cerca de 115km do mar Mediterrâneo;

Um artigo do jornal Expresso de 2022-04-22 refere que, na sequência apoio de Madrid ao plano marroquino de conceder um sistema de autonomia limitada ao Sara Ocidental, como alternativa ao referendo de autodeterminação defendido pela ONU, pela frente Polisário e por vários países, e da visita do PM espanhol Pedro Sanchez ao rei marroquino Mohammed VI, normalizaram-se as relações entre Espanha e Marrocos.

Dessa normalização resultou a possibilidade de Marrocos contratar fornecimento de GNL a ser gasificado em Espanha e posteriormente transportado pelo gasoduto Magrebe-Europa no sentido Espanha-Marrocos, invertendo o fluxo até agora observado neste gasoduto e reactivando assim as duas centrais marroquinas de ciclo combinado actualmente indisponíveis.

Marrocos irá lançar um concurso internacional para o fornecimento de GNL duarante 5 anos e irá construir duas instalações de gasificação de GNL em território marroquino, que provavelmente estarão prontas antes do fim  dos contratos de fornecimento de 5 anos acima referidos..

A Argélia viu este desenvolvimento com desagrado, declarando que nenhuma parte do gás argelino enviado para Espanha deveria ser vendida a Marrocos.

A propósito do Sara Ocidental consultei este artigo da Wikipédia onde referem a construção de um muro, aproveitando materiais do deserto e com minas, de mais de mil quilómetros, para evitar incursões da frente Polisário.

A Argélia fornece actualmente mais gás a Itália do que a Espanha. É provável que tal seja uma herança histórica do bom relacionamento que o engenheiro italiano Enrico Mattei (1906-1962) estabeleceu com alguns países fornecedores de petróleo, e das suas acções para quebrar o cartel das sete irmãs que existia em meados do século XX quando criou a ENI, tendo sido vítima mortal de uma bomba colocada no avião particular em que se deslocava.

O filme “O Caso Mattei”, filme de Francesco Rossi realizado em 1972, é um híbrido de documentário e ficção sobre a vida de Enrico Mattei, que tive a oportunidade de ver no mesmo ano em Paris.

 

1 comentário:

J Ricardo disse...

Post interessante, obrigado JJ. Sobre o possível gasoduto a encarnado no mapa, ligando a Nigéria à rede da Argélia, embora do ponto de vista tecnico possa ser eventualmente interessante, é uma longa e cara infraestrutura que passa por territórios politicamente muito instáveis e, portanto, apresenta riscos notórios de atentados; logo, muitas dúvidas se colocam à sua concretização…