2022-01-17

As Fragilidades da Justiça



Quando vi na TV os videos da invasão em Washington do Capitólio em 6/Jan/2021 impressionaram-me os trechos da intervenção do então presidente dos E.U.A. dirigindo-se à multidão, como se vê nesta foto publicada pelo New York Times,
 


que depois concretizou essa invasão de que resultaram 5 mortes, vários feridos e destruição de propriedade pública dos E.U.A..

Essa intervenção foi tomada em conta no processo de destituição apresentado pelo partido Democrata no Congresso, processo esse que segundo notícia da CBS News de 14Jan2021 foi aprovado na Câmara dos Representantes por 232 votos a  favor e 197 contra, em que apenas 10 membros do partido Republicano votaram a favor. No Senado o processo foi rejeitado por não ter sido suportado por uma maioria de 2/3 (67) mas apenas por 57 a favor e 43 contra se bem que alguns do Republicanos, embora convencidos que Trump era moralmente responsável pelo que acontecera, alegaram que não seria constitucional votar a favor.

Agora, passado um ano sobre o acontecimento, Trump ainda não foi acusado de nenhuma actividade ilegal relacionada com a invasão do Capitólio em 6/Jan/2021.

A revista New Yorker dedica um artigo a este assunto de que cito

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Federal prosecutors in Washington have charged dozens of rioters who stormed the Capitol with felony counts of obstructing an official proceeding of Congress, which carry a potential sentence of up to twenty years. But legal experts said that convicting Trump of such a charge could be difficult. Ilya Somin, a libertarian legal scholar at George Mason University and a critic of the former President, told me that Trump’s lawyers would likely argue that it did not apply to him because he did not enter the Capitol on January 6th. “I think it is very clear that it applies to the people who entered the building,” Somin said. “If Trump did enter the building and lead the attack in person, it would be much easier to convict him of this and other offenses.”
»

Destaco a frase “If Trump did enter the building and lead the attack in person, it would be much easier to convict him of this and other offenses.” que me parece duplamente surpreendente:
- por um lado considera difícil acusar alguém de ser responsável por um evento sobre o qual  esse responsável discursou publicamente a favor, visto que não participou fisicamente na acção;
- por outro lado considera que se tivesse entrado no edifício liderando o ataque seria mais fácil condená-lo por estas e outras ofensas, o que quer dizer que não seria seguro que fosse condenado, seria apenas “mais fácil”.
 
Próximo do final o artigo refere:
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In an era when the majority of Republicans falsely believe that the 2020 election was fraudulent and the majority of Democrats think that it was not, Garland will be demonized no matter what action he takes regarding Trump. The Attorney General, based on his speech, continues to believe that he can restore “normal order”—a Justice Department term for basing decisions on whether to charge defendants strictly on the facts of a case. He continues to believe that the majority of Americans still support the principle that all people should be treated fairly under the law, including Donald Trump. And that the majority will reject political violence and trust the judicial system. At the moment, that belief, for Garland and all Americans, is an enormous political gamble.
»

É claro que a acusação se deve basear na violação de leis existentes. Acho estranho que não existam na lei americana limites criminais à actuação de presidente que alega sem fundamento que lhe roubaram a eleição, incitando como se viu em numerosos videos, uma multidão a invadir o Capitólio.

Uma das situações que me leva a pensar que alguns países não estão preparados para a democracia é a incapacidade sistemática dos presidentes incumbentes em abandonar o cargo após uma eleição. Será que nem os  pais fundadores consideraram esta eventualidade?

Vi agora na BBC que foi feita a primeira acusação de conspiração sediciosa (seditious conspiracy) a 11 pessoas, entre elas um chefe de milícia de estrema-direita, relacionada com a invasão do Capitólio. A ausência deste tipo de acusação tem sido usado por Republicanos para menorizar a gravidade dos tumultos de  6/Jan/2021.

Constato que a este nivel nos E.U.A. (e provavelmente em todos os países) não existe completa independência do poder judicial em relação ao poder politico. Ou que os sistemas judiciais acabam por ter grande dificuldade em condenar abusos de poder, quando quem abusa é politicamente muito poderoso.


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