2020-09-01

O Lar de Reguengos de Monsaraz



Na sequência das numerosas referências à entrevista dada por Ana Mendes Godinho, ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, publicada na edição de 15/Ago/2020 do jornal Expresso fui ler essa parte do jornal.

Fiquei com boa impressão da ministra, que me pareceu bem focada na área de actuação que compete a quem lidera um ministério, delegando nos serviços deste organismo a primeira leitura dos certamente numerosos relatórios que vão chegando.

Pareceu-me na leitura que os jornalistas insistiam demasiado na tecla do relatório elaborado pela Ordem dos Médicos sobre o lar de Reguengos de Monsaraz. Frequentemente os jornalistas valorizam de forma excessiva a qualidade da informação elaborada por entidades alegadamente “independentes”, como se as instituições fossem sistematicamente suspeitas de esconder informação e os alegadamente “independentes” sejam dignos de todo o crédito desde que exteriores a uma instituição existente.

Há muito tempo que se fala dos problemas nos lares de idosos, onde se constataram graves surtos de COVID-19, quer em Portugal quer noutros países, por neles viverem comunidades numerosas onde portanto as possibilidades de contrair doenças infecciosas são maiores do que em casas unifamiliares e se tratarem de pessoas especialmente vulneráveis à COVID19. Considerando que existem 2500 lares de idosos em Portugal, o número de surtos de 369 em Abril/2020 afectou portanto 15% do total enquanto na altura da entrevista em Agosto existiam 69 surtos o que corresponde a 3%.

No dia 1/Set o jornal Público noticia a existência de um surto com 16 mortos num lar de luxo no Porto.

Se no caso de Reguengos foi noticiado que parte apreciável dos profissionais do lar deixaram de comparecer ao serviço, quer por doença quer por demissão, ao ponto de ter sido necessária a intervenção das Forças Armadas para redistribuir alguns dos utentes por outros lares e/ou hospitais, mostrando também as consequências da falta de formação dos profissionais desse lar, problema que será transversal a um país com baixa escolaridade e formação profissional, este lar do Porto mostra que mesmo em lares com boas condições uma brecha nas barreiras contra  o vírus pode mesmo assim ter consequências desastrosas.

Do que foi noticiado em relação a Reguengos parece-me um pouco estranho o interesse da Ordem dos Médicos na elaboração de um relatório sobre o que se  passou no lar de Reguengos. Os desvios em relação às boas práticas aconselhadas e eventualmente obrigatórias eram tão patentes que não me parecia útil qualquer investigação adicional por parte de uma associação de médicos. Entre Reguengos e o lar do Porto uma investigação médica sobre o que falhou no Porto parecer-me-ia à partida mais promissora embora isto não seja uma recomendação para fazer uma.

Já citei neste blogue algumas críticas á forma como os media gerem as notícias que escolhem para destaque, como por exemplo aqui e aqui.

Desta vez cito um artigo aparecido na revista Forbes “Why the world is getting better and why hardly anyone knows it” de que destaco:

«…
Our World In Data suggests that the media are partly to blame. The media does not tell us how the world is changing, it tells us where the world is going wrong. It tends to focus on single events particularly single events that have gone bad. By contrast, positive developments happen slowly with no particular event to promote in a headline. “More people are healthy today than yesterday,” just doesn’t cut it.
…»

Gostei dum comentário no Expresso do Sérgio Sousa Pinto em que destaca as condições economicamente difíceis em que operam muitos dos lares para idosos, pouca verba disponível para fornecer serviços de qualidade aos utentes e gostei também do comentário "A guerra corporativa de Reguengos" noutra edição do mesmo jornal do Daniel Oliveira sobre o papel que o Serviço Nacional de Saúde deverá ter no apoio a lares de idosos, papel esse que não está ainda bem definido.

O artigo do José Gameiro na Revista do Expresso de 29/Agosto "Os médicos são intocáveis?" também me pareceu equilibrado. Embora compreenda a censura que ele faz a António Costa de não ter designado o bastonário da Ordem dos Médicos como o destinatário da alusão que “era mais fácil fazer críticas ao governo na TV do que tratar doentes” acho que a esmagadora maioria percebeu quem era o destinatário. Lembrei-me dos tempos do  pós-25 de Abril em que as pessoas se referiam ao PCP como “um determinado partido”. Não sei se seria para evitar problemas judiciais e se é esse o caso desta vez.
 

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