Há alguns anos que eu estava para mostrar este diagrama do Engº Seca Teixeira, então director da Companhia Portuguesa de Produção de Electricidade, uma subsidiária detida então a 100% por uma empresa denominada Electricidade de Portugal que mudou de nome para “Energias de Portugal” em 2004.
O diagrama mostra que o grande caudal de 9270 m3/s do rio Douro que apareceu na sua foz em 27/Dez/2002 foi causado pelas afluências geradas em Portugal com o valor de 8495 m3/s, já que de Espanha vieram apenas nessa altura 775 m3/s. As barragens então existentes estão representadas por rectângulos cinzentos que atravessam os caudais a azul.
Nessa altura no Douro Nacional estavam já concluídas as 5 barragens que ainda hoje existem e que são, na ordem de montante para jusante, Pocinho, Valeira, Régua, Carrapatelo e Crestuma-Lever. No afluente Távora existia ainda a barragem de Vilar e no afluente Tâmega a barragem do Torrão. Se somarmos os caudais dos afluentes do Douro mais o que vem de Espanha (775+1480+1460+2120+100+750+1145+1440) obtemos 9270, concluindo-se assim que a contribuição directa das encostas do rio Douro é insignificante.
Esta abundância de rios selvagens, afluentes do rio Douro em Portugal, documenta o disparate de Miguel Sousa Tavares quando, argumentando contra a construção de barragens no rio Sabor, alegava tratar-se não só do último rio selvagem de Portugal como mesmo da Europa!
Neste artigo do jornal Público intitulado “Sabor abre debate sobre necessidade de reserva estratégica no Douro"
Seca Teixeira afirma:
“... Sempre dissemos que, em relação à cascata de aproveitamentos do Douro, estamos totalmente dependentes da gestão espanhola. Com o Baixo Sabor, que terá uma capacidade de armazenamento útil de 630 hectómetros cúbicos, ficaremos mais independentes…"
depois Pedro Serra, presidente da Comissão de Avaliação do impacte ambiental:
"…o sistema electro-produtor tem de produzir na mesma medida dos consumos e o Sabor pode regular a produção, alimentando toda a cascata quando há um pico". A barragem, por si só, tem uma produção reduzida - 150 megawatts - mas "dá garantias para a produção de 700 megawatts ao longo da cascata…"
e ainda Oliveira Fernandes, professor no Departamento de Engenharia Civil da Universidade do Porto:
“...uma das principais vantagens desta barragem será a sua reversibilidade, isto é, a sua capacidade de rebombar água para a albufeira, servindo assim de armazenamento energético. "Pode-se usar a energia produzida pelas eólicas durante a noite, quando não é utilizada, para recarregar a bacia da barragem superior", explica. Ou seja, a energia eólica é "transformada" em água que volta, quando necessário, a ser "transformada" em energia, no caso hídrica.”
Todas estas considerações são muito pertinentes designadamente para avaliar a consistência destas posições com a alegada intenção da EDP de, segundo notícias da imprensa como esta do jornal Expresso, ter colocado à venda a exploração de 6 das centrais hídricas que lhe estão concessionadas, designadamente Miranda, Picote e Bemposta no Douro internacional e ainda Baixo Sabor e Feiticeiro (ambas no rio Sabor) e Foz Tua.
A EDP prescinde assim de controlar os aproveitamentos do Baixo Sabor que lhe permitiam um controlo adicional de quatro centrais de fio-de-água do Douro Nacional, controlo adicional esse que usou para justificar a construção das barragens no rio Sabor.
Ao separar a exploração do Baixo Sabor da exploração das centrais hídricas do Douro Nacional poder-se-á assistir a uma sub-utilização deste conjunto pois o responsável pela bombagem do Baixo Sabor não entrará em consideração com os ganhos económicos potenciais que a EDP poderá obter nas centrais hídricas que alegadamente pretende manter em Portugal.
O mesmo raciocínio se aplica à central de Foz Tua cuja bombagem também influencia não quatro mas três centrais do Douro Nacional.
Acho muito estranho este interesse da EDP em abandonar centrais hídricas que explora em Portugal. Mesmo considerando que é indispensável que as empresas se internacionalizem e que a EDP se endividou em excesso e precisa de alienar património, porque não alienar produções eólicas ou térmicas, que não estão tão firmemente ligadas à geografia de Portugal e à exploração do sistema electroprodutor respectivo, ou mesmo alienar alguns investimentos que fez no estrangeiro para manter a base essencial em Portugal, como costumam fazer as multinacionais cuja empresa mãe se encontra num país desenvolvido.
Esta venda diminui assim a competitividade de Portugal, ao criar uma estrutura de propriedade que dificulta a optimização de um sistema hídrico que seria muito mais eficaz caso permanecesse gerido por uma única entidade. Quem irá pagar esta ineficácia será ou o consumidor ou o contribuinte ou ambos, entidades que deveriam ser protegidas pelo Governo e pelos Reguladores.
Adenda em 2020-01-03: E não tenho conhecimento de legislação sobre o direito que terão as centrais localizadas no Tua e/ou no Sabor de retirar água existente nas albufeiras respectivamente da Régua e da Valeira. É como costumam dizer alguns economistas a "tragédia dos comuns": quem pode retirar a água da albufeira da central da Régua? A central da Régua para a turbinar ou a central do Tua para bombar? O mesmo se passa na Valeira <> Sabor. Esta situação não se verifica no Douro Internacional em que a bombagem se faz com água na albufeira de Aldea d'Ávila e na albufeira de Saucelle, os espanhóis não bombam água das nossas albufeiras.
2 comentários:
Completamente de acordo com as considerações apresentadas. Existem sinergias importantes proporcionadas pela exploração conjunta ou fortemente coordenada dos aproveitamentos hidroeletricos de uma mesma bacia. Melhor do que a situação atual seria a exploração de toda a bacia do Douro por uma única empresa. Aumentar para tres empreaas é contra o interesse geral.
Mais, porque a produção dos aproveitamentos hidroelectricos não se reduz à energia, razoavelmente coordenada pelo mercado, sendo uma das mais importantes a protecção contra cheias, a gestão dos caudais e das reservas de água dos vários aproveitamentos de uma mesma bacia, independentemente de pertencerem a um mesmo país ou não, devem obedecer a protocolos comuns, homologados pelas autoridades competentes e sujeitos a inspeções apropriadas e a treinos de resposta em situações de emergência.
Enquanto o mercado da energia se não aperfeiçoa suficientemente, as garantias de potencia proporcionadas pelos aproveitamentos hidroeletricos é muito valiosa e aconselha a acordos de gestão e trocas de reservas entre aproveitamentos duma mesma bacia pertencentes a diferentes empresas. Com efeito a reversibilidade entre a água e energia não é perfeita e há sinergias a aproveitar, que o mercado ainda não trata e que podem proporcionar lucros importantes, a partilhar devidamente entre as empresas e até podendo conduzir a importante redução de investimentos que passam a ser dispensáveis se houver exploração coordenada.
A. Leite Garcia
A propósito ver também um artigo sobre o mesmo tema mas em França, no Le Monde Diplomatique, em português (2019)
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