2018-02-21

A dificuldade da imprensa económica


Não sou apreciador dos artigos do Prof. Daniel Bessa no suplemento de Economia do jornal Expresso mas, talvez por vir na primeira página desse suplemento e ser curto acabo por lê-lo com alguma frequência.

O professor normalmente critica e, dependendo da sua posição ideológica em relação aos temas e aos eventuais responsáveis, ou refere um aspecto da economia de Portugal, uma situação ou uma evolução positiva e afirma depois que poderia ter sido melhor, ou refere uma crítica a uma situação ou evolução negativa e afirma que não existia alternativa ou que poderia ter sido pior. Há aqui uma componente de “treinador de bancada” de pessoa que prefere comentar a fazer mas cada qual tem as suas preferências.

No artigo do passado sábado (17/Fev/2018) o professor começa por um discurso auto-referente alertando o leitor sobre os perigos que o espreitam neste tipo de publicações pois “têm um autor, quase sempre com interesse próprio”  como entre outras coisas por exemplo “...para votar num partido, admirar um gestor ou um político”. Trata-se portanto duma parágrafo análogo ao famoso paradoxo de Epiménides, um cretense que disse que todos os cretenses eram mentirosos. Neste caso o professor, autor do artigo num jornal de economia, avisa que nesses jornais os autores dão informação incompleta ou distorcida, com objectivos não declarados. Li portanto cautelosamente o resto do artigo, que mostro na imagem à direita, para verificar se a comunicação apresentada (já ciente que não se tratava de informação “pura”) estaria muito distorcida.

Sabe-se que as estatísticas se devem rodear de muitos cuidados pois os números são entidades que, embora permitam uma síntese potencialmente muito melhor do que a convicção inabalável de um Magister, não conseguem transmitir a totalidade do real. Por isso é prudente recorrer a mais do que um critério numérico para caracterizar uma situação.

No caso do crescimento económico em 2017, Portugal cresceu 2,7% enquanto o conjunto da UE (União Europeia) cresceu 2,3%. Desta informação conclui-se que:
- o crescimento de Portugal deu-se num contexto de crescimento da economia europeia;
- o crescimento de Portugal foi maior do que a média europeia;
- ocorreu portanto uma convergência da economia de Portugal com a Europa.

Consultando estatísticas anteriores pode-se ainda dizer que desde a nossa integração no euro é o primeiro ano em que convergimos com a UE e ainda que foi o maior crescimento da economia portuguesa “neste século”, o que, sendo verdade, é uma frase que parece publicidade, uma forma mais neutral seria “nas últimas duas décadas”.

Não me parece assim que, à parte a referência a um século que conta apenas 17 anos, a informação que “em 2017, Portugal cresceu 2,7% enquanto o conjunto da UE (União Europeia) cresceu 2,3%” possa ser considerado como “adornando o barco em determinado sentido”.

Não me pareceria mal que o autor referisse outros aspectos da economia portuguesa, tais como a dívida, o investimento, a diáspora que não regressa, o emprego, a despesa pública, a balança comercial, etc., pois a situação do país não pode ser caracterizada apenas pelo crescimento económico.

Contudo o professor foi buscar o conceito de “país”, particularmente desadequado como unidade de comparação de realidades económicas em que o país não possa ser considerado como uma realidade homogénea. Sabe-se que na maior parte dos países europeus existe bastante heterogeneidade entre as suas regiões e existem regiões dentro dos países grandes que são maiores do que países pequenos da UE.

Neste sítio do Eurostat mostram a população de cada país, estimada para o dia 1/Jan, de 2006 a 2017. Nessa tabela consta que em Jan/2017 na Alemanha viviam 82,8 milhões de pessoas, no Reino Unido 65,8, na França 67 e na Itália 60,6, somando estes 4 países uma população de 276,2 milhões de habitantes, mais de metade da população dos 28 estados membros que era então de 511,8 milhões. Adicionando a este valor a população da Grécia de 10,7, a da Bélgica de 11,4 e da Dinamarca de 5,7 milhões obtemos um conjunto total de 304 milhões de pessoas (59,3% da população da UE) que vivem em países cujo aumento médio do PIB (Produto Interno Bruto) em 2017 foi inferior ao aumento observado em Portugal.

Não só esta comparação considerando a população dos países me parece significativa como a escolha de países como unidade para a comparação do indicador económico “crescimento anual do PIB em 2017” é uma forma enganadora de apresentar a realidade. Faz-me lembrar a boutade do Montenegro quando disse que Portugal estava economicamente melhor, os portugueses é que ainda não. Neste caso o jornal destaca em título que 19 países em 28 estão a crescer mais do que Portugal. E neste caso não diz que 60% da população da UE vive em países cujo crescimento foi inferior ao que se verificou em Portugal.

Bem avisou o professor que era preciso ler com cuidado os artigos dos jornais de economia. Este é mais um exemplo dum texto que tenta enganar o leitor se bem que com aviso prévio.

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