2012-01-15

Energia e Política

No meio de tanto disparate publicado é consolador ler a entrevista de uma pessoa sensata que conhece bem os temas de que está a falar. É o caso deste artigo do jornal Público que em boa hora entrevistou António Costa Silva.

Entre outras afirmações diz estar “extremamente preocupado com os sinais que vêm, relativamente ao cluster das energias renováveis”, referindo-se a Portugal.

Refere a situação das centrais nucleares japonesas que, após o terramoto e tsunami de Março de 2011, em que das 54 existentes, mais de 40 estão fora de serviço. Esta  situação tem perturbado o mercado de gás natural liquefeito ao aumentar bruscamente a procura desta fonte de energia.

Na entrevista são focados os desenvolvimentos políticos no Médio Oriente, a Primavera no mundo árabe, a rivalidade ancestral entre Arábia e Irão, entre sunitas e xiitas, e os conflitos na Síria e no Bahrain também como expressão desta rivalidade

Transcrevo ainda mais uma frase:
«
Quem conhece a história da energia sabe perfeitamente que nenhuma se impôs sem um período inicial de tarifas de apoio para que adquira dimensão e depois siga para o mercado. Para mim, é um erro trágico se o país agora destruir o cluster das energias renováveis. Porque as energias renováveis baseiam-se em recursos endógenos que o país tem, mais uma vez é parte desta luta de olhar para os nossos recursos e criar condições para os produzir.
»

A propósito desta frase aponto este post de Maio/2011 de Gary Becker, prémio nobel da Economia de 1992 e professor da Universidade de Chicago, onde ele discute a supressão das isenções fiscais que continuam a existir como suporte da indústria petrolífera norte-americana!

Um outro professor da Faculdade de Direito da Universidade de Chicago, Eric Posner, que participa no blog acima referido escreveu sobre o mesmo assunto, neste post, o seguinte:

«
The American political system is not that democratic, or at least not that populist. The fact that tax subsidies tend to be targeted on particular activities means that a proposal to eliminate a tax subsidy catalyzes interest-group opposition, often formidable since if the interest group were weak, the tax subsidy would not have been legislated in the first place. Tax subsidies are eliminated from time to time, and it would be interesting to speculate on the conditions that make that possible, but I will not attempt that here.
»

Mesmo agora, em que se discute se o pico de produção petrolífera já passou, sendo portanto esta uma indústria completamente madura, ainda goza de isenções fiscais nos E.U.A!

Regressando à referência no início deste post à indisponibilidade de 40 das 54 centrais nucleares do Japão, 10 meses passados sobre o terramoto e tsunami de Março/2011, duvidei da plausibilidade de um número tão grande de centrais estar indisponível.

Assim ontem à noite andei a fazer umas pesquisas na net e, embora não tenha tido tempo para ler os documentos que aqui refiro, todos do IEEJ (The Institute of Energy Economics, Japan), uma informação portanto credível e que não foi submetida às distorções de jornalistas que muitas vezes não sabem do que estão a falar, constatei no documento “Analysis of Electricity Supply and Demand through FY2012 Regarding Restart of Nuclear Power Plants”de Junho/2011 que nessa altura estavam 35 centrais fora de serviço e que nas Figuras 2-1 e 2-2 da página 5 havia um cenário em que as centrais nucleares, em vez de regressarem ao serviço com o passar do tempo, iam ficando cada vez mais indisponíveis.

Não li o documento todo pelo que fiz apenas a conjectura que à medida que retiram as centrais de serviço para fazer as inspecções vão descobrindo problemas atrás de problemas que os levam a atrasar a reentrada em serviço das centrais em revisão.

No documento de Novembro de 2011 (Japan Energy Brief) confirma-se que a situação da disponibilidade do parque nuclear piorou em relação a Jun/2011 pois apenas 11 centrais estavam então em funcionamento. Dado o texto logo na primeira página que transcrevo:

«
All nuclear power plants to stop by summer 2012

Of 54 nuclear power plants installed in Japan, only 11 are operating as of late November. Without resumption of nuclear plants after regular inspection, there will be a mere 6 reactors operating in January, and most likely will be none in summer 2012. As nuclear power is used to supply a quarter of Japan’s electricity demand, a complete loss of these units will inevitably have a serious impact on electricity supply nationwide. Nevertheless, Junichi Ogasawara, Electricity Group Leader at the Institute of Energy Economics, Japan (IEEJ), advises that the prospect of restarting nuclear plants by next summer is dim.
»

considero confirmado que realmente menos de 14 das 54 centrais nucleares do Japão se encontram operacionais.

Surpreende-me que aqui na Europa, muitas pessoas no sector eléctrico, preocupadas com as crises das dívidas europeias, tenham uma percepção tão distante da grande crise energética por que está a passar o Japão.

Termino o post com imagem dum cartão de Ano Novo enviado por um colega da TEPCO, a companhia proprietária da central de Fukushima que está na iminência de falir. Falou-me das grandes dificuldades do ano de 2011 mas não me tinha apercebido de que estavam tão longe de regressar a uma situação energética parecida à anterior ao terramoto de Março de 2011.

A parte colorida com desenhos é feita com seda pintada, colocada sobre cartão azul


Na parte de trás do postal cortei na foto um bocado do cartão azul


Adenda em 2020-05-30: em "menos de 40 das 54 centrais ... se encontram operacionais" corrigi para "menos de 14..."

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