Na sequência da notícia referindo que o
CSM (Conselho Superior da Magistratura) concluíra o processo disciplinar ao juiz Neto de Moura, instaurado a propósito de acórdão de 11/Out/2017 que referi em
post de Novembro desse ano, e de
este artigo do jornal Público onde me apercebi que as deliberações do CSM estão disponíveis para o público em geral, fiz uma tabela tentando resumir as declarações de voto dos diversos elementos do CSM sobre o assunto referido mas quando cheguei ao fim não fiquei satisfeito com o resultado pois senti-me incapaz de sintetizar a maior parte da argumentação de cada um.
Acho contudo natural que isso aconteça, o trabalho de um conjunto de especialistas gera ao longo do tempo uma linguagem especializada, cómoda e exacta para comunicar dentro do grupo mas de mais difícil compreensão para o público em geral se bem que parcialmente inteligível.
Resumindo a tabela (que não apresento) diria que:
- 7 membros se pronunciaram pelo arquivamento do processo disciplinar, porque achavam que, embora todos eles desaprovassem a parte polémica das considerações do acórdão, a independência dos juízes seria gravemente atingida caso o CSM decidisse uma sanção, que só um tribunal a poderia aplicar, e que se abstiveram na definição da pena;
- 4 votaram pela pena de advertência registada, por infracção do dever de correcção (que foi a adoptada por voto de qualidade do presidente);
- 4 votaram por multa todos eles referindo além da infracção do dever de correcção a falta de zelo evidenciada designadamnete pela falta de acatamento da
Convenção de Istambul de Maio/2011, aprovada pela AR em Jan/2013, designadamente do artº42 que transcrevo :
«
Artigo 42.º
Justificações inaceitáveis para crimes, incluindo os crimes praticados em nome de uma pretensa «honra»
1. As Partes deverão adotar as medidas legislativas ou outras que se revelem necessárias para garantir que nos procedimentos penais iniciados em consequência da prática de qualquer um dos atos de violência abrangidos pelo âmbito de aplicação da presente Convenção, a cultura, os costumes, a religião, a tradição ou a pretensa «honra» não sirvam de causa de justificação para esses atos. Isto abrange especialmente as alegações segundo as quais a vítima teria transgredido regras ou hábitos culturais, religiosos, sociais ou tradicionais de conduta apropriada.
2…
»
A existência deste artigo mostra que será prática frequente dos juízes invocar “a cultura, os costumes, a religião, a tradição ou a pretensa «honra»”, caso fosse raro não seria necessário incluir este artigo na convenção.
Continuo contudo a achar que, à sombra da indispensável independência dos juízes se têm abrigado por vezes comportamentos prepotentes e desrespeitadores da legislação em vigor.
Embora possa tolerar alguma referência abstracta a mudanças recentes da legislação portuguesa que poderá graduar a severidade da sentença, parece-me bastante fácil evitar comparações entre legislação actual e outras leis e/ou costumes e tradições em diferentes tempos e espaços.
Um cidadão tem o direito a ser julgado com a lei em vigor e a não ser incomodado por citações do juiz sobre legislação não aplicável pela qual ele nutre provavelmente alguma simpatia.
O juiz tem o direito de se pronunciar enquanto cidadão e mesmo enquanto juiz fazendo comparações entre diversas leis e costumes mas parece-me de evitar o mais possível fazê-lo no âmbito de um caso concreto que esteja a julgar.
Em diversas ordens profissionais existem conselhos de disciplina que avaliam da conformidade de actuações dos membros da classe perante códigos deontológicos com eventual aplicação de sanções. O mesmo se passa com diversas entidades reguladoras neste caso perante infracções a regulamentos. Sendo questões que requerem a intervenção de especialistas, parece-me adequado que um colectivo de colegas de formação devidamente credenciado para esse papel se pronuncie e eventualmente sancione comportamentos censuráveis de colegas, sem prejuízo dessas sanções poderem ser posteriormente contestadas em tribunal.