Ando há imenso tempo a ler a obra do Jaime Cortesão “Os Descobrimentos Portugueses” na versão publicada pelo jornal Expresso já no ano de 2016. Neste caso a razão do grande tempo de leitura é instrumental pois dado o pequeno tamanho de cada um dos volumes tenho reservado a respectiva leitura para os tempos de espera no dentista e em alguns outros locais onde é preciso esperar, tendo-se dado o caso que os tempos de espera têm sido felizmente curtos.
Estou agora quase a terminar a leitura e farei depois do fim mais algumas considerações sobre a obra. Uma das características que me desagradou foi o desfasamento entre o grau de detalhe em que eu estava interessado e o que era oferecido no livro, “obrigando-me” a saltar algum texto, o que não gosto de fazer com receio de perder algo que seja importante.
Um dos temas que me pareceu ser abordado de forma excessivamente longa foram os Painéis de S.Vicente a que dedicou 54 páginas, da pág. 623 à 677! Bem sei que estes painéis da autoria de Nuno Gonçalves, reencontrados na igreja de S.Vicente de Fora nos finais do século XIX, foram objecto de muito longas discussões quer sobre a sua autoria quer sobre a sua data.
Neste artigo da Wikipédia dá notícia que não existem actualmente dúvidas nem sobre o autor nem sobre a data que se pensava ter sido entre 1470 e 1480 mas que agora se considera ter sido 1445, baseado numa inscrição ao pé da assinatura e numa análise de dendrocronologia.
Existem várias imagens de boa qualidade (como habitualmente na Wikipédia) disponíveis no artigo que refiro acima, de onde tirei esta
Tinha alguma antipatia por quadros antigos, talvez como reacção à preferência preconceituosa das pessoas minhas próximas pelas coisas antigas, como se o facto de algo ter sido feito há mais tempo fosse sinal de qualidade. Talvez também aquelas vestimentas tão pouco práticas e o excesso de temas religiosos me afastasse destas pinturas. Agora já lhes acho mais graça.
Na dificuldade de seleccionar uma parte do texto das 54 páginas dedicadas por Jaime Cortesão a esta obra fui ver o que dizia dela a “Larousse Encyclopedia of Art and Mankind”, da HAMLYN, coordenada por René Huyghe, no volume “Renaissance & Baroque Art”, uma obra que, embora volumosa abrange arte de todos os países da Europa durante os séculos 15 a 18, o que obriga a economia de palavras sobre cada obra em destaque.
Neste caso, sobre os painéis de São Vicente, Adeline Hulftegger diz o seguinte (arrisquei traduzir):
«
... no terceiro quartel do século 15 o génio de um homem colocou a pintura portuguesa no topo. Embora não se conheça a exacta origem do seu estilo, sabe-se que Nuno Gonçalves foi influenciado directamente pelo realismo flamengo, que chegara a Portugal com a viagem de Van Eyck a Lisboa em 1428. A mestria de Nuno na forma escultórica e na composição monumental, combinada com um sensibilidade decorativa rara enraizada na tradição da tapeçaria, assim como a beleza das suas cores quentes realçadas por tons frios contrastantes, teriam bastado para lhe atribuir uma posição importante na pintura, mesmo sem considerar o talento raro de retratista que penetra além da aparência exterior. As figuras fortemente caracterizadas no Políptico de S.Vicente(Lisboa), que vibram com uma vida interior afectada por alguma tristeza, revelam a nova importância que era atribuída ao indivíduo. Nisso, assim como no tratamento amplo e na liberdade da composição – absolutamente sem igual até aos tempos modernos – o trabalho de Nuno Gonçalves chega muito para além dos confins da arte medieval. Quando no tempo do rei D.Manuel, sob a égide dos pintores de Antuérpia, a pintura portuguesa ficou mais brilhante e as suas cores mais refinadas, ainda estava imbuída desta mesma melancolia subtil e às vezes deste mesmo calor humano.
»
Mas na sua ânsia de contribuir para a datação dos painéis, Jaime Cortesão recorre mesmo à moda dos tempos, hábitos efémeros que nos podem ajudar a datar algumas imagens. Neste caso cita “Le costume en Bourgogne de Philippe le Hardi à la mort de Charles le Téméraire (1364-1477)” por Michèle Beaulieu e Jeanne Baylé.
Chegado aqui interroguei-me como teria chegado a Portugal a moda da Borgonha, numa altura em que ainda não existiam estas rápidas viagens de avião. Além de D.Afonso Henriques ser da linhagem duma anterior dinastia da Borgonha, o próprio Van Eyck trabalhava para o Duque da Borgonha, tendo vindo a Portugal em 1428 precisamente para retratar a princesa Isabel numa perspectiva de acertar um casamento com o Duque da Borgonha que se veio a concretizar. E Jaime Cortesão chamou a atenção para o decote relativamente generoso (para a época) da dama do chamado Painel do infante que mostro a seguir
decote que ele citou como “fenêtre du diable”, designação que achei engraçada, se bem que sexista.
Em tempos ouvi outra classificação de decotes, designados pelo termo “decote até ao filho” em que “filho” era o local do corpo onde tocava a mão da crente quando pronunciava essa palavra enquanto se benzia dizendo “Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”. Seria por exemplo este decote da Marylin Monroe
Por coincidência temporal, a cidade de Lisboa foi actualmente invadida por cartazes mostrando a Irina Shayk anunciando um novo soutien da marca Intimissimi, adequado para decotes ainda mais ousados como se vê na imagem
Trata-se ainda de outro tipo de Descobrimento.
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