A mentira é o preço que temos de pagar por sermos capazes de imaginar um mundo diferente daquele em que temos vivido.
Por isso a maior parte das crianças aprende que não se deve mentir, pois numa sociedade em que a mentira seja frequente falta a confiança, um dos principais motores do desenvolvimanto económico.
Reservar um dia como por exemplo o 1º de Abril para dizer mentiras ou as partidas do Carnaval, que assumem muitas vezes também a forma de mentira, são formas de libertar o exercício de um potencial dos seres humanos.
Quando fiz o serviço militar obrigatório nos anos 70 em Mafra fui surpreendido pela quantidade enorme de boatos (nome vernáculo das actuais “fake news”) que fervilhavam naquela comunidade de umas centenas de recrutas relativamente isolada do mundo exterior. Tratava-se na maioria dos casos de informações inventadas sobre a possibilidade de sair do quartel, sobre a natureza das actividades que nos esperavam e outros detalhes do quotidiano do próximo futuro.
Tenho-me interrogado muitas vezes sobre a razão de existirem tantos boatos e agora que estou a escrever sobre esse mistério começo a perceber que em parte se deviam à falta de informação credível sobre o que nos esperava no futuro. Numa hipótese benigna essa falta de informação era intencional por parte das hierarquias militares encarregues da nossa formação, para nos habituarmos a viver num ambiente de incerteza típico das guerras, em que o inimigo não tem normalmente a gentileza de nos revelar as suas intenções. Numa hipótese menos benigna era simples falta de consideração pelos recrutas. A presença de perguntas sobre o que nos reservava o futuro era um estímulo para inventar futuros possíveis.
Há uns anos vi um folheto com um óptimo aspecto gráfico cheio de disparates. Nessa altura apercebi-me que enquanto anteriormente a qualidade gráfica era tão dispendiosa que o que era publicado com qualidade gráfica era objecto de muitas revisões sobre a informação transmitida, agora já não podia basear-me na qualidade gráfica para certificar a qualidade da mensagem.
A internet praticamente anulou o custo de tornar pública uma dada informação. Ficámos com a possibilidade de aceder a um conjunto de informações valiosas com uma velocidade enorme, face ao que era possivel anteriormente. Mas o facto de a informação estar muito difundida (ser viral) que antigamente era quase uma certificação de veracidade, deixou de ser uma base certa de verosimilhança.
Resumindo, as técnicas de validação de informação continuam a ser necessárias mas as que eram usadas antigamente perderam boa parte da sua eficácia, sendo necessário usar novas técnicas mais adaptadas às novas possibilidades. E se calhar existem muitos boatos porque as informações mais oficiais ou são inexistentes ou pouco credíveis.
Como curiosidade deixo aqui uma foto da Biblioteca da Holland House em Londres, depois de um bombardeamento em Setembro de 1940.
Li na Wikipédia a história da Holland House.
Li algures que a fotografia foi encenada, para dar a ideia que mesmo depois dos bombardeamentos a “vida normal” podia continuar e que a publicação da fotografia foi autorizada pela censura aos meios de comunicação social que existiu durante a guerra.
Depois passei por este texto da Southern Illinois University de que gostei e de que transcrevo parte:
«The photograph provides an image of the fetishization of the text, or document, of the ways in which history attaches itself, not to the social disturbances and crises surrounding it on all sides, but to the ruins of the past, and even more so, to the orderly archive of the narratives of those ruins. In that austere repository of the bound volumes of fabula and historia -- the library -- the scholar seeks the world of lived human experience but encounters instead one of its chief symptoms -- writing.»
A força da imagem vem também da possibilidade de verosimilhança da situação. A atracção pela palavra escrita leva por vezes as pessoas a alhearem-se da realidade que as rodeia. Antes com os livros, agora com os tablets.
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