2017-04-30

Sarampo e vacinas


Este post é a continuação do anterior, onde falei de como este surto de Sarampo em Portugal me fez tomar conhecimento de que essa doença tinha sido erradicada do país.

A minha posição sobre vacinas era simples. Se existe uma vacina contra uma doença deve-se tomá-la para evitar ficar doente mesmo sabendo que numa percentagem muito pequena de casos as vacinas podem causar alguns problemas. E naturalmente quis também que os meus filhos tomassem todas as vacinas na altura consideradas como adequadas.

A minha decisão de tomar uma vacina tinha um fundamento individual, ao tomar uma vacina ganhava imunidade a uma ou mais doenças e não entrava em consideração com o que agora ouvi chamar “imunidade de grupo“.

Fiquei algo embaraçado por não  me ter apercebido há muito mais tempo que a consequência normal da vacinação sistemática da população de um país contra uma dada doença é a diminuição da ocorrência dessa doença e a sua eventual erradicação dessa população ao fim de alguns anos.

Diria que este tipo de evolução, em que existe uma melhoria lenta que se desenrola num periodo que por vezes se estende por décadas, não suscita o mesmo interesse num jornal diário ou semanário que os desastres ou epidemias súbitas. Para este tipo de informação é melhor consultar documentos específicos como por exemplo:

1) ACTUALIZAÇÃO DO PROGRAMA NACIONAL DE VACINAÇÃO: PNV 2017

de onde retirei a tabela resumo das doenças contempladas nos sucessivos Programas Nacionais de Vacinação


1
Erradicada
 

5
Eliminadas
 

7
Controladas 
 

?
Expectativas
 
Varíola
Poliomielite, difteria, sarampo, rubéola e tétano neonatal

Tétano, N. meningitidis C, H. influenzae b, hepatite B, parotidite epidémica, tosse convulsa, tuberculose
 
Controlo do cancro do colo do útero (HPV) e S. pneumoniae

e os gráficos seguintes:





2) PORDATA



onde se constata que a Tuberculose é uma doença mais difícil de erradicar.

Talvez dada a minha lamentável ignorância (até agora) da imunidade de grupo vejo mais a resistência às vacinas como um receio compreensível, se bem que pouco razoável, dos possíveis efeitos nefastos de tomar uma vacina. Embora objectivamente os não vacinados estejam a beneficiar dos pequenos riscos da maioria da população que se vacina e da correspondente imunidade de grupo, por outro lado estão a correr o risco de serem vítimas da doença que pode sempre ser importada de países onde a doença não tenha sido erradicada.

Dados os bons resultados do Plano Nacional de Vacinas e a imunidade de grupo satisfatória que se tem conseguido em Portugal sem obrigatoriedade inclino-me para seguir a opinião que, pelo menos enquanto a taxa de cobertura for adequada, não será necessário tornar a vacinação obrigatória.

2017-04-23

Sarampo e outras notícias


Fiquei fascinado na Universidade quando aprendi que existiam técnicas de medição de quantidade de informação, algo que eu considerara até então muito difícil de quantificar.

A técnica consiste em considerar que quando existiam vários eventos possiveis de acontecer e se conhecia a probabilidade de ocorrência de cada um deles, um receptor recebia mais informação quando notificado da ocorrência de um evento menos provável do que quando notificado da ocorrência de um evento mais provável, sendo proposta uma função matemática para transformar cada valor de probabilidade num valor de quantidade de informação.

Esta técnica foi desenvolvida por Claude Shannon (1916-2001), um americano com formação em Matemática, Engenharia Electrotécnica e Criptografia, que publicou em 1948 o artigo "A Mathematical Theory of Communication" um marco fundamental na revolução digital do século XX que ainda hoje vivemos.

Antes desse artigo existiam várias técnicas empíricas de optimização de canais de transmissão de informação, por exemplo no código Morse a letra “e” que é a letra que ocorre com mais frequência na língua inglesa era transmitida com apenas um ponto (sinal sonoro curto) enquanto o “s”, menos frequente, era transmitido com 3 traços (cada traço é um sinal sonoro longo) mas não havia forma de avaliar a distância que um dado código estava da codificação óptima nem a capacidade máxima de transmissão de informação de um dado canal, o que agora é referido de forma prosaica nos contratos dos operadores de telecomunicações como bits/segundo ou Megabits/segundo.

Claro que esta quantificação, se bem que importantíssima na indústria das telecomunicações e dos computadores, não tem uma aplicação imediata nem na vida quotidiana nem no jornalismo dado que quando nos comunicam uma notícia normalmente não fazemos ideia de qual a probabilidade de ocorrência desse evento.

Mesmo assim facilita a discussão da frase muito citada que "uma notícia não é um cão ter mordido um homem, a verdadeira notícia é um homem ter mordido um cão". A minha discordância com esta frase tem vindo a aumentar, trata-se de dar preferência à quantidade de informação em detrimento da sua qualidade, adequado para “Jornais do Incrível” ou para colecções inúteis de ocorrências insólitas. Existem constantemente ocorrências de muito baixa probabilidade que são muito irrelevantes para a maioria dos leitores, basta pensar nos bilhetes premiados das lotarias que saem com grande frequência e o senso comum tem evitado que esses eventos de baixíssima  probabilidade constituam títulos de primeira página.

Com o tempo tenho-me vindo a aperceber que existem esquematicamente dois mundos, o mundo negro dos media e o mundo cor-de-rosa das comunicações sobre actividades:
- o mundo negro dos media resulta do excelente argumento de venda de revelar um perigo que nos ameaça e do que se pode fazer para o evitar ou minorar, o jornalista assume muitas vezes o papel de “iluminado”, criticando as decisões que vão sendo tomadas pelos responsáveis pela resolução de variados problemas;
- o mundo cor-de-rosa é o que aparece por exemplo nos relatórios de actividade das empresas ou em artigos de carácter técnico-científico, em que se relatam progressos obtidos pelos autores;

Uma consequência típica destas distorções é a omissão de eventos relevantes mas que não se encaixam bem na “linha editorial” do emissor de informação.

Por exemplo, antes da crise financeira grave que deflagrou em 2008, as posições relativas da Grécia e de Portugal em várias estatísticas iam-se alterando, umas vezes estava Portugal à frente, outras vezes a Grécia. Os jornais diziam-nos de vez em quando que Portugal tinha sido ultrapassado pela Grécia mas raramente ou nunca que Portugal tinha ultrapassado a Grécia, condição indispensável para poder ser depois ultrapassado.

Outro exemplo curioso no sentido contrário, de omissão de notícias desagradáveis, era o livro de História do ensino secundário, em que apareciam as datas de conquista e de reconquista de Alcácer do Sal mas em que se omitia a data de perda, indispensável para se poder reconquistar.

Vem toda esta conversa a propósito do surto de Sarampo que ocorre agora no nosso país, assunto grave que me deu finalmente a oportunidade de tomar conhecimento que, devido aos continuados e bem sucedidos esforços de aplicação da vacina contra esta doença, não ocorreram casos de sarampo em Portugal desde 2015 até este surto importado em curso.

No jornal Diário de Notícias de 2016-09-18 consta uma excepção ao que acabo de escrever umas linhas acima, com informação muito interessante sobre 7 doenças que deixaram de ser endémicas em Portugal e que são: malária, varíola (esta ao nivel mundial), poliomielite, difteria, raiva humana, rubéola e sarampo!

Em 2015 foram comunicados 4003 casos de sarampo na Europa, segundo a distribuição do mapa



onde se constata ausência de casos de sarampo nesse ano em Portugal. Os números elevados na Alemanha, Áustria, Croácia e Itália fazem pensar na passagem de migrantes originários de países em que a vacinação será fraca ou inexistente.

Na altura da erradicação da varíola a nível mundial, o progresso da actividade de erradicação foi amplamente noticiado, o último caso conhecido foi o de um homem na Somália em 1977, tendo a doença sido declarada como totalmente erradicada pela OMS (Organização Mundial de Saúde) em 1980.

A vacina contra a varíola foi descoberta pelo médico inglês Edward Jenner em 1796. Segundo  a Wikipédia era uma doença mortal entre 10% e 50% dos casos. Em 1803 a coroa espanhola organizou uma expedição para vacinação geral nas colónias da América e nas Filipinas. Nos E.U.A aprovaram lei em 1813 para que a vacina estivesse disponível para o público em geral. Em Inglaterra a vacinação passou a obrigatória em 1853 enquanto nos E.U.A. foi ficando obrigatória nos vários estados entre 1843 e 1855.

O livro “A Imperatriz Viúva” refere que o imperador da China Tongzhi, nasceu em 1856 e morreu em 1875 de varíola, o que dá uma ideia do atraso que a China tinha então em relação ao Ocidente, em que nem o imperador estava protegido contra uma doença cuja vacina já era obrigatória em Inglaterra e nos E.U.A.

Em Portugal, a vacinação variólica inicia-se em 1894 permanecendo  obrigatória até 1977 e as vacinas do tétano e da difteria iniciaram-se com carácter obrigatório em 1962.


Escreverei mais sobre este tema num futuro post.

2017-04-21

Especularista



Vi no Wikcionário que o sufixo -ista tem frequentemente um sentido pejorativo, como em comunista, capitalista, etc.




Com as recentes suspeitas sobre as intenções do atentado de 11/Abr/2017 contra o autocarro do Borussia Dortmund onde se diz que a polícia alemã acusou um cidadão com nacionalidades alemã e russa de ter executado o ataque à bomba para ganhar dinheiro com a queda, que o atentado provavelmente provocaria, da cotação das acções do mencionado clube de futebol, deveríamos usar o neologismo "especularista" para especulador fundamentalista?



2017-04-15

O pintor acidental


Um dos passatempos possíveis para quem dispõe de bastante tempo livre é dedicar-se à pintura, uma actividade que exige normalmente dedicação para se obterem resultados satisfatórios.

É também uma forma de aprender a olhar à nossa volta e ver detalhes que até então nos tinham passado despercebidos, sobretudo quando se envereda pela pintura figurativa.

É ainda uma forma de valorizar a pintura dos mestres, revelando-nos melhor o esforço e o talento que as obras famosas revelam.

Quando passei pelo liceu fiquei desapontado com os professores da disciplina de "Desenho" (que incluía pintura) pois em vez de ensinarem técnicas de desenho e de pintura e avaliarem a aprendizagem dos alunos ensinavam pouco e limitavam-se a avaliar o talento de cada um.

Noutro dia recebi esta imagem num power-point


Trata-se de um quadro dum pintor americano chamado Daniel Gerhartz que além de pintar se dedica ao ensino da pintura conforme se constata aqui.


2017-04-05

Zero




Li com gosto este livro que me emprestaram sobre o número Zero que foi usado de  forma explícita pela primeira vez pelo matemático indiano Brahmagupta (c. 598 –  >665), que viveu depois de Aryabhata, o primeiro a usar a notação posicional dos números com a base decimal.

O autor não me convenceu completamente do horror (poderia tratar-se apenas de uma antipatia moderada) que os gregos tinham pelo zero mas convenceu-me da grande anomalia de não existir um ano zero no nosso calendário.

O livro descreve com elegância os alargamentos sucessivos dos conceitos de número, desde os naturais aos complexos e da forte relação do zero com o infinitamente grande e o infinitamente pequeno.

Ao longo da história da ciência existiram sempre dificuldades só ultrapassáveis com o aparecimento de novos conceitos que muitas vezes trouxeram consigo novos problemas.

Neste livro tive um primeiro contacto com o efeito “Casimir”, nome de um físico holandês que previu em 1948 que duas placas metálicas electricamente descarregadas colocadas num vácuo de atrairiam quando colocadas muito próximas, à distância uma da outra de poucos diâmetros atómicos, devido a efeitos quânticos. O efeito foi medido experimentalmente em 1997

2017-04-04

Notícias falsas



A mentira é o preço que temos de pagar por sermos capazes de imaginar um mundo diferente daquele em que temos vivido.

Por isso a maior parte das crianças aprende que não se deve mentir, pois numa sociedade em que a mentira seja frequente falta a confiança, um dos principais motores do desenvolvimanto económico.

Reservar um dia como por exemplo o 1º de Abril para dizer mentiras ou as partidas do Carnaval, que assumem muitas vezes também a forma de mentira, são formas de libertar o exercício de um potencial dos seres humanos.

Quando fiz o serviço militar obrigatório nos anos 70 em Mafra fui surpreendido pela quantidade enorme de boatos (nome vernáculo das actuais “fake news”) que fervilhavam naquela comunidade de umas centenas de recrutas relativamente isolada do mundo exterior. Tratava-se na maioria dos casos de informações inventadas sobre a possibilidade de sair do quartel, sobre a natureza das actividades que nos esperavam e outros detalhes do quotidiano do próximo futuro.

Tenho-me interrogado muitas vezes sobre a razão de existirem tantos boatos e agora que estou a escrever sobre esse mistério começo a perceber que em parte se deviam à falta de informação credível sobre o que nos esperava no futuro. Numa hipótese benigna essa falta de informação era intencional por parte das hierarquias militares encarregues da nossa formação, para nos habituarmos a viver num ambiente de incerteza típico das guerras, em que o inimigo não tem normalmente a gentileza de nos revelar as suas intenções. Numa hipótese menos benigna era simples falta de consideração pelos recrutas. A presença de perguntas sobre o que nos reservava o futuro era um estímulo para inventar futuros possíveis.

Há uns anos vi um folheto com um óptimo aspecto gráfico cheio de disparates. Nessa altura apercebi-me que enquanto anteriormente a qualidade gráfica era tão dispendiosa que o que era publicado com qualidade gráfica era objecto de muitas revisões sobre a informação transmitida, agora já não podia basear-me na qualidade gráfica para certificar a qualidade da mensagem.

A internet praticamente anulou o custo de tornar pública uma dada informação. Ficámos com a possibilidade de aceder a um conjunto de informações valiosas com uma velocidade enorme, face ao que era possivel anteriormente. Mas o facto de a informação estar muito difundida (ser viral) que antigamente era quase uma certificação de veracidade, deixou de ser uma base certa de verosimilhança.

Resumindo, as técnicas de validação de informação continuam a ser necessárias mas as que eram usadas antigamente perderam boa parte da sua eficácia, sendo necessário usar novas técnicas mais adaptadas às novas possibilidades. E se calhar existem muitos boatos porque as informações mais oficiais ou são inexistentes ou pouco credíveis.

Como curiosidade deixo aqui uma foto da Biblioteca da Holland House em Londres, depois de um bombardeamento em Setembro de 1940.



Li na Wikipédia a história da Holland House.

Li algures que a fotografia foi encenada, para dar a ideia que mesmo depois dos bombardeamentos a “vida normal” podia continuar e que a publicação da fotografia foi autorizada pela censura aos meios de comunicação social que existiu durante a guerra.

Depois passei por este texto  da Southern Illinois University de que gostei e de que transcrevo parte:

«The photograph provides an image of the fetishization of the text, or document, of the ways in which history attaches itself, not to the social disturbances and crises surrounding it on all sides, but to the ruins of the past, and even more so, to the orderly archive of the narratives of those ruins. In that austere repository of the bound volumes of fabula and historia -- the library -- the scholar seeks the world of lived human experience but encounters instead one of its chief symptoms -- writing.»

A força da imagem vem também da possibilidade de verosimilhança da situação. A atracção pela palavra escrita leva por vezes as pessoas a alhearem-se da realidade que as rodeia. Antes com os livros, agora com os tablets.