2014-08-28

O banhista


Quando passei por Florença em 2004 surpreendeu-me esta imagem de Jesus Cristo segurando a cruz duma forma que me pareceu muito displicente, como se pode constatar na foto que então tirei:


A escultura está na “chiesa di Santo Spirito”, igreja do Espírito Santo, e talvez seja esta coincidência de se falar muito do Espírito Santo (do BES) e de estarmos na época de se verem muitos banhistas que me levou a ir buscar esta foto.

As imagens têm um grande poder evocativo e podem-se escrever sobre elas textos sem fim, até mesmo blogues como este, que se compraz a juntar textos às imagens.

Na minha educação católica havia duas cenas da vida de Jesus Cristo em que entrava o próprio e a cruz: quando já estava crucificado e quando ia a caminho do local da crucificação, arrastando com dificuldade a própria cruz em que iria ser crucificado. Havia até uma passagem do evangelho em que referiam que nesse penoso transporte tinha sido ajudado por um espectador que se apiedara da situação de Jesus.

Na minha infância esta cena do transporte da cruz ficou cristalizada na imagem do Senhor dos Passos da igreja da Lapa, no Porto, que encontrei agora através duma busca no Google no blogue “A vida em fotos” . A foto dá uma boa ideia geral da cena, lembro-me que a escultura era pintada e tinha, além duma coroa de espinhos, umas tantas gotas vermelhas de sangue a salpicar a cara de Jesus.



Actualmente tenho dúvidas (para usar um eufemismo) sobre a exactidão histórica do traje de brilho acetinado e de cor roxa com que decidiram vestir o supliciado, mas a posição corporal parece-me bastante realista.

Julgo que tenha sido por esta minha memória de infância do Senhor dos Passos que me impressionou o ar displicente deste Jesus Cristo da igreja italiana, que mais me parece um banhista apoiando-se num poste de uma paragem de autocarro.

Para documentar a estátua da igreja do Espírito Santo fotografei a legenda adjacente à escultura



onde se constata que foi executada por Taddeo Landini inspirando-se, ou copiando, o “Cristo portacroce” de Miguel Angelo que está em Roma na igreja de Santa Maria sopra Minerva.

Através do Google fui dar à wikipédia onde constatei que afinal o Cristo portacroce foi esculpido inicialmente nu, tendo posteriormente sido colocada uma peça em bronze a cobrir a genitália.

Só o fascínio que a escultura greco-romana exerceu durante o Renascimento permite compreender esta falta de sintonia entre uma cena histórica e uma sua representação.

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