2013-04-09

Encenação


Sinto-me cansado desta encenação permanente da vida política portuguesa.

Há uns tempos que se fala muito da existência ou não existência de um plano B para o caso do Tribunal Constitucional chumbar algumas das medidas do Orçamento do Estado para 2013. O governo sempre negou a existência de um plano desse tipo. Vários comentadores censuraram-no por não ter esse tal plano B. Por qualquer motivo que me escapa (normalmente o governo não faz o que devia) parece-me que desta vez o governo fez o que devia. Não faço ideia se o governo tem um plano B ou não mas parece-me do mais elementar bom senso negar publicamente a existência de qualquer plano pois admitir a sua existência corresponderia a admitir que elaborou um orçamento com medidas sobre cuja constitucionalidade teria dúvidas. Caso admitisse a existência dum plano B muita gente lhe cairia em cima por andar a fazer orçamentos que achava à partida de constitucionalidade duvidosa. A encenação da ausência do plano B era assim inevitável.

Já quanto à indignação e alegada surpresa do primeiro-ministro e dos seus apoiantes comentadores sobre o acórdão do TC, acho a situação completamente surreal.

O governo poderia (enfim, hoje sinto-me com uma boa vontade extraordinária) elaborar o orçamento considerando que todo ele era constitucional mas tinha a obrigação de ter reparado que a Presidência da República tinha fundadas suspeitas sobre a constitucionalidade de várias medidas e, dado que no ano anterior o presidente não tinha tido dúvidas sobre a constitucionalidade do orçamento e mesmo assim o TC tinha descoberto algumas não conformidades, o simples facto de o Presidente ter alterado a sua posição era um forte indício de que era quase certo que algumas das medidas fossem consideradas inconstitucionais. Já para não falar do grande número de pessoas que também manifestavam as maiores dúvidas sobre a constitucionalidade de diversas medidas do orçamento.

Talvez se devesse estabelecer um sistema de apostas, como se faz em Inglaterra, para deixar esse tipo de mercado informar o governo sobre as probabilidades das diversas possibilidades. Assim acho que o governo poderia fingir uma ligeira surpresa sobre o acórdão do TC mas nada de tão exagerado como a surpresa que encenou de forma tão desajeitada.

Além de não fazer sentido acusar o TC do que quer que seja. O governo tem ainda a obrigação de pedir desculpa por ter elaborado pela segunda vez um orçamento contendo medidas inconstitucionais, causando toda esta confusão.

Achei que os pintores surrealistas deveriam fornecer uma imagem adequada às reacções do governo ao acórdão do TC e encontrei esta do Magritte. Nela o governo, em vez de olhar para a realidade, prefere pintar uma figura em 3D como se ela fosse a realidade do mundo exterior à tela. Estas alegorias costumam conter ambiguidades e reparei que uma das mãos da figura está invisível, pelo que será possivelmente a famosa “mão invisível do mercado” que o governo está quase a tornar visível. O que veremos então? As agências de rating?




O quadro chama-se “La tentative de l’impossible” e data de 1928.

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