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Sempre achei o termo "benefícios fiscais" paternalista e enganador. Nem os contribuintes precisam dos "benefícios" do Estado, nem este os deve distribuir. Precisamos de leis justas e de critérios razoáveis. Chamar a uma parte dos critérios de cálculo do imposto "benefícios fiscais" é inquinar a discussão à partida e colocar o contribuinte numa posição de inferioridade a quem o Estado está a fazer um favor. É evidente que ao aumentar a receita fiscal através da alteração dos impropriamente chamados "benefícios fiscais" se estão a aumentar os impostos.
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Inseri este comentário num post do João Galamba intitulado “Justiça”, em 23 de Março de 2010, quando Teixeira dos Santos defendia a necessidade de acabar com alguns “benefícios” fiscais, contra a oposição violenta e sonora do PSD e do CDS então na oposição.
Considero as despesas com a saúde como custos de conservação ou manutenção do próprio agente económico pagador de imposto. No caso das empresas o Estado considera que as despesas de conservação e manutenção devem ser deduzidas ao rendimento bruto para se obter o rendimento colectável. No caso dos rendimentos dos senhorios, as despesas de conservação e manutenção dos edifícios são também dedutíveis ao rendimento bruto, na obtenção do rendimento colectável. Antes de 1999 também era assim em relação aos gastos com a saúde, no cálculo do IRS.
Foi o governo de António Guterres que iniciou o ataque às deduções das despesas com a saúde, alegando ser imoral que um pobrezinho que estivesse na taxa do IRS marginal dos vinte por cento tivesse apenas um desconto desse valor enquanto um rico que estivesse na taxa marginal dos quarenta por cento tivesse um desconto que seria o dobro do do pobrezinho. A solução que então foi adoptada foi aplicar um desconto fixo a todos os contribuintes e fazer a dedução das despesas de saúde como dedução à colecta. Na altura não aplicaram o mesmo critério às despesas de manutenção dos rendimentos dos senhorios, partindo talvez da conjectura que qualquer senhorio é riquíssimo e que estarão todos certamente no escalão máximo.
No ficheiro localizado aqui
http://www.min-saude.pt/NR/rdonlyres/F406CB48-6886-4EAD-88B5-CBE70D553A52/0/AnexosRelatorioFinalComissaoSustentabilidadeFinanciamentoSNS.pdf
O anexo 15 “O sistema fiscal e as deduções com as despesas em saúde” começa por esta frase:
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Uma característica fundamental – mas pouco debatida – do financiamento da saúde em Portugal é a sua inter-relação com o sistema fiscal. Através do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), os contribuintes podem recuperar, em qualquer ano, uma parte substancial das despesas directas e prémios de seguros de saúde que desembolsaram no ano anterior.
Para o Estado, este benefício significa uma perda de receita que tem que ser compensada pelo aumento geral da tributação.87
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em que a nota de roda-pé 87 é precisamente
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87 Note-se que a legislação portuguesa não define este caso como um “benefício fiscal” mas como uma “dedução”: No entanto, o seu tratamento fiscal é precisamente igual a vários “benefícios fiscais” tais como as contas poupança reformado ou donativos a instituições religiosas. No presente capítulo, utilizamos o termo benefício não em termos formais mas sim para indicar excepções às regras fiscais que trazem um benefício a determinado grupo de contribuintes.
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onde se constata a importância de passar a chamar “benefícios” fiscais ao que antes se chamava “deduções”.
Discordo da maior parte da argumentação deste anexo, o desconto maior para os contribuintes com maiores rendimentos ocorre porque precisamente eles já estão a contribuir com bastante mais do que os outros.
Agora o governo de Passos Coelho introduziu o conceito que os trabalhadores melhores remunerados (os dois últimos escalões do IRS) não merecem que se considerem as suas despesas com a saúde. Já são muito ricos, o Estado quer lá saber se estiveram doentes ou não.
Iniciámos assim o caminho para uma sociedade de castas em que os direitos e obrigações de cada um dependem da casta a que pertence.
Deixo aqui uma foto duma sociedade com castas, tirada em Bombaim, em Novembro de 1990. Na altura surpreendeu-me o contraste do rigor geométrico da disposição da fruta, na banca privada do vendedor, com o estado deplorável do pavimento do espaço público circundante.
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