Surgem-nos por vezes pequenas anomalias reveladoras ou que nos dão indícios de coisas passadas. Quando estive recentemente na Tunísia reparei num número de telefone que aparecia no meio dum texto escrito com os símbolos árabes, sendo o único conjunto de caracteres reconhecíveis para um iletrado em árabe como eu..
Sabendo que os árabes escrevem da direita para a esquerda, em vez da esquerda para a direita como na norma ocidental, interroguei-me se escreveriam ao números como nós, isto é com o algarismo de maior peso relativo mais à esquerda e o de menor peso mais à direita. Por exemplo nós escrevemos o número com cinco dezenas e nove unidades começando por escrever o 5, algarismo das dezenas, escrevendo a seguir à sua direita o 9, algarismo das unidades.
Pensando no assunto concluí rapidamente que, sendo a representação dos números na base decimal uma conquista extraordinária, existe contudo uma arbitrariedade inicial na fixação da posição relativa dos algarismos relativos a cada ordem de grandeza.
Estamos habituados a colocar o algarismo correspondente à maior ordem de grandeza no extremo esquerdo do número e o algarismo das unidades o mais à direita possível (para números inteiros) mas podíamos ter feito a opção contrária, sem problema de maior. Todos os algoritmos que se aprendiam nas escolas funcionariam bem, bastaria colocarmos os algarismos na posição indicada por um espelho que se colocasse ao lado da conta que tivéssemos feito, como na imagem acima. Com as máquinas calculadoras também seria bastante simples usar qualquer uma das representações.
Na primeira oportunidade perguntei logo a um tunisino como faziam e ele informou-me que embora escrevessem os textos da direita para a esquerda, escreviam os números como nós, isto é da esquerda para a direita, o que os obrigava a pequenas excursões na sequência de escrita, pois tinham que deixar um pouco de espaço para escrever o número e retomar depois a escrita. Mas disseram-me que isso não representava grande incómodo e que quase não davam reparavam nesse pormenor.
A imagem em cima documenta que os árabes representam os números com a mesma sequência que nós, embora não mostre se escrevem os números da esquerda para a direita ou da direita para a esquerda, aí o leitor terá que acreditar na informação que lhe dou ou procurar confirmá-la noutro sítio.
Esta pequena anomalia parece-me um indício de que não foram os árabes a inventar a notação posicional dos números (sabe-se que foram os indianos) pois, caso o tivessem feito, seria mais natural que as unidades aparecessem no extremo esquerdo de cada número, uma vez que parece mais natural que se escreva primeiro o algarismo correspondente à maior ordem de grandeza, visto que quer nós quer os árabes o fazemos.
Parece que neste caso tivemos sorte e os árabes azar, pois os indianos optaram acidentalmente por uma representação mais adequada à norma ocidental de escrita da esquerda para a direita e menos adequada à norma árabe.
Os números de telefone são um caso curioso porque aparentando ser números são na realidade sequências ordenadas de algarismos em que nenhum deles representa nenhuma ordem de grandeza. Por isso não dizemos que o número telefónico 2 356 432 é o dois milhões, etc. dizendo simplesmente que é o dois, três, cinco, etc. Neste sentido poderia ser mais lógico que os leitores/escritores de árabe escrevessem os números telefónicos da direita para a esquerda mas criaria provavelmente mais desconforto do que respeitarem a ordem usada para os números propriamente ditos (que não são números de telefone).
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2 comentários:
É uma observação curiosa.
Tenho só a comentar que apesar de escrevermos da esquerda para a direita, o alinhamento dos algarismos é feito a começar da direita, e o algoritmo de cálculo decorre da direita para a esquerda. Ou seja, a regra "interna" do algoritmo é fazer o cálculo da direita para a esquerda.
Quanto aos números de telefone, eles não têm propriedades operatórias, são apenas um código atribuído a cada utilizador do serviço telefónico.
E depois ha a lingua Alema, em que dizem primeiro o algarismo das unidades e depois das dezenas. Por exemplo 49 dizem qualquer coisa como "nove e quarenta", mas depois nas centenas e milhares dizem como nós. Ou seja, 149 é dito como "cento nove e quatro". Portanto, quando estão a escrever números têm de deixar um espacinho para as dezenas...
Belo Post! Nunca tinha pensado nisso!
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