2024-09-22

Brutalismo

 

Trata-se dum movimento arquitectónico, que deve o seu nome não porque seja "brutal" mas porque usa o que os franceses designam por "béton brut", o betão deixado como ficou depois de retiradas as cofragens que o contiveram enquanto no estado líquido.

Claro que quando se deixa o betão em bruto existe normalmente um maior cuidado nos acabamentos das cofragens do que quando se sabe que o betão será revestido por pedra ou por algum produto para obter uma superfície mais lisa suportando uma pintura.

A técnica foi usada por Le Corbusier e pelos seus seguidores tendo atingido o pico nos anos 70 do século XX, continuando a ser usada posteriormente com menor frequência.

Inscrevi-me neste sítio do Canal ARTE para receber a Newsletter e passei a ser periodicamente avisado de programas disponíveis no canal, eventualmente também na internet. Normalmente esses vídeos estão disponíveis durante um tempo limitado, como no caso deste conjunto de vídeos  intitulado "Terribly Beautiful Eyesores" que traduzi tentativamente como "Edifícios muito feios de grande beleza" e que estará disponível até 4/Jan/2025.

São 4 vídeos de cerca de 30 minutos cada, até agora vi apenas o primeiro, intitulado "Monstros Brutalistas" onde se fala do Convento de Sainte Marie de La Tourette, próximo da cidade de Lyon, da ordem dos frades Dominicanos, projectado por Le Corbusier

 


numa foto de Fernando Schapochnik.

No vídeo a construção é apresentada por um frade licenciado em arquitectura, actualmente aqui residente, encantado por viver numa construção tão adequada à vida dos habitantes deste convento.

Depois o vídeo mostra o "Royal National Theatre" em Londres, projectado por Denys Lasdun, parte do conjunto arquitectónico na margem Sul do Tamisa que inclui também o Royal Festival Hall e o Queen Elisabeth Hall, estes dois últimos que visitei com agrado na minha primeira viagem a Londres em 1971.

 


O príncipe Carlos detestava o aspecto moderno destes edifícios, terá dito que o conjunto lembrava uma central nuclear no cento de Londres. Eu apreciava a ausência das inúteis colunas neo-clássicas, tão na moda no século XIX, estruturas que tiravam partido do betão armado e um exterior que revelava melhor as necessidades funcionais de cada edifício.

Finalmente o vídeo fala dum gigantesco conjunto habitacional de Berlim na Schlangenbader Strasse que foi construído deixando por baixo um túnel para uma auto-estrada!

Embora essa auto-estrada esteja actualmente fora de serviço, na altura em que o enorme edifício foi construído havia falta de terreno em Berlim Ocidental, cercada pela Alemanha de Leste, Usar o terreno das vias de comunicação para sobre ele colocar outras construções é o que se faz quando se enterra linhas de combóio em túnel. O conjunto é tão comprido e com curvas que os Berlinenses o designam por "Serpente". Mostro foto do conjunto, cujo arquitecto não consegui identificar:

 


Não gosto do termo "Brutalismo" para designar construções que deixam o betão à vista mas a designação "Modernismo" é também infeliz por ser desadequada passado algum tempo.

E aprecio muitas das construções com betão à vista, como por exemplo a lindíssima sede da Fundação Calouste Gulbenkian, seu museu e magnífico jardim.


Adenda

Dois leitores comentaram este post via e-mail pelo que fiz esta adenda:

Um leitor referindo:
«
No sé si será la obra más “brutal” que existe pero sin investigar mucho apuesto a que si debe ser la más extensa en superficie do mundo.

Se trata de la Universidad Laboral de Cheste, donde yo estudié becado e interno dos cursos entre 1971 a 1973.

Fue un concepto de centro tan “brutal”  que se concibió para 4.000 (si, cuatro mil) alumnos residentes  (entre 10 y 14 años)   que actuábamos simultáneamente (comer, dormir, ir a clase, ir al cine, hacer deporte, etc etc) todo todo sin recurrir al sistema de turnos ni siquiera en aquellos aspectos en que esto  fuera viable (p ej. el comedor o las clases)  lo que resultó en una construcción de dimensiones brutales  apropiadas para 4.000 alumnos  y los correspondientes profesores. Comedores para 4.000 comensales + Dormitorios para 4.000 camas + Aulas para 4.000 alumnos y así todo.

De hecho su Paraninfo (para 4.500 asistentes) fue durante algún tiempo tras su inauguración el auditorio mais grande de Europa por capacidad de espectadores.

Visto en perspectiva todo ello, es un resultado de  aplicar los concepto de edificación y formación en línea con la “modernidad” de un régimen dictatorial  a comienzos del baby boom.
»


Este sítio (https://cecheste.com/evolucionhistorica/) refere a evolução histórica desta instituição que quando foi criada em 1969 a cerca de 20 km da cidade de Valencia se chamou "Universidad Laboral de Cheste". Em 1978 foi extinta como instituição com as regras estabelecidas desde 1959 e depois de outras designações ficou "Complejo Educativo de Cheste (CECheste)" em 1988.

O outro leitor referindo este sítio:


https://de.m.wikipedia.org/wiki/Autobahn%C3%BCberbauung_Schlangenbader_Stra%C3%9Fe
que possivelmente eu encontrara mas que desistira de consultar por estar escrito em alemão, não havendo versões noutras línguas. Dada a referência do leitor acedi ao sítio e pedi tradução para inglês, ficando um texto inteligível, falando de forma interessante sobre os problemas desta construção gigantesca.

Normalmente recorro à tradução para inglês, língua que leio sem dificuldade, evitando os percalços de duas traduções automáticas pois na maioria dos casos as traduções do Google Tradutor fazem-se traduzindo da língua inicial (neste caso o alemão) para inglês e depois desta língua para o idioma final que neste caso seria o português.
Esta tradução que me apeteceu qualificar como "quase em inglês" lembrou-me o blogue (http://quaseemportugues.blogspot.com/) do Lutz Brückelmann que nele não escreve desde 2011, embora o português dele fosse muito melhor do que o inglês do Google Tradutor.


5 comentários:

J Ricardo disse...

Post interessante. Sobre o canal ARTE, vemos muito cá em casa, é um serviço público fantástico, na variedade de temas e na qualidade dos filmes, séries, concertos ou documentários que disponibiliza. Pena é que alguns estejam limitados geograficamente, certamente por motivos comerciais. Mas, mesmo assim, há imensas coisas interessantes acessíveis sem limitações. Dada a fraca qualidade das nossas TVs, hoje em dia temos que encontrar novas fontes de coisas interessantes para ver. O canal ARTE é uma delas.

João Brisson disse...

Peço desculpa mas o site
https://de.m.wikipedia.org/wiki/Autobahn%C3%BCberbauung_Schlangenbader_Stra%C3%9Fe
como muitas das páginas da Wikipedia, tem versões em mais 3 línguas: sueco, checo e FRANCÊS!
bastava ter clicado no cabeçalho na palavra "Sprache" que se encontra colocada no local onde em todos os cabeçalhos de páginas da Wikipedia se pode escolher uma língua que não a apresentada no ecrã

Dá jeito quando páginas em português que são "traduções" brasileiras de páginas originárias de outras línguas resta apenas 10% (ou menos) da informação original

jj.amarante disse...

João, obrigado pela informação. Estava habituado a procurar por versões das línguas no canto superior direito de cada artigo da wikipédia que nalguns casos específicos uso como dicionário, como por exemplo para saber nomes de aves ou de árvores em diferentes línguas. Parece-me contudo que os alemães tantas vezes tão disciplinados, desta vez não usam esta prática corrente nas línguas europeias, por exemplo ao googlar (Berlim wiki) fui dar à versão portuguesa do artigo da wikipédia sobre Berlim que tem 261 línguas. Testando para inglês, francês, espanhol e mesmo chinês apareceu-me sempre no canto superior uma indicação de línguas no mesmo sítio que em português porém em alemão nem consegui localizar o "Sprache", que no artigo sobre a "Schlangenbader Straße" estava do lado esquerdo. Repara que as versões deste artigo em Francês, Checo e Sueco têm todas a ligação para outras línguas no canto superior direito. Tens alguma conjectura para esta excepção alemã?

Luís Lucena disse...

Não me vou debruçar sobre o problema das traduções, porque tenho mais interesse no tema inicial do Brutalismo. A Arte, nas várias formas que o ser humano adoptou para exprimir a sua visão da vida e dele próprio, e da sua evolução ao longo dos séculos, foi sempre um assunto que me atraiu. E mesmo não tendo um conhecimemto profundo sobre a arquitetura e as suas mudanças, visiveis em qualquer cidade, como é o caso de Lisboa, tenho a intuição de que a arquitetura reflete sempre uma sociedade, sobretudo o poder dominante. Basta olhar para o Gótico, reflexo do poder da Igreja no fim da Idade Média,com a catedral como símbolo desse poder e da fé cristã, muito longe da simplicidade dos templos românicos. Não procurará o Brutalismo traduzir, por um lado, o objetivo de construir
edifícios úteis para a sua finalidade e, ao mesmo tempo, não os sobrecarregar com decorações adicionais, como os dourados do Barroco, ou a cobertura dos interiores com estuques que vieram a seguir. Por isso, os materiais, como o betão, não devem ficar escondidos.

João Brisson disse...

Revisitando o tema, lembrei-me que existe em Lisboa uma banda contínua na ponta sul da Alameda dos Oceanos, números pares (lado oeste) de cerca de 370 m, portanto um pouco abaixo dos 600 m berlinenses.
O estilo da fachada, ainda que de linhas retas, é de cor bem diferente da cor uniforme do brutalismo puro. "Late brutalism"? Ou "brutalismo barroco"?