2024-11-08

Valência e as Alegadas Alterações Climáticas



Começo por dizer que me sinto enganado pelos media, pela omissão da importância de deixar construir povoações em leito de cheia de ribeiras torrenciais, na catástrofe que aconteceu recentemente nas proximidades de Valência

Desde 29/Outubro/2024 apareceram muitas notícias sobre a quantidade imensa de chuva que tem caído na região Valenciana, afectando muitas localidades próximas da cidade de Valência, não afectando contudo de forma significativa a própria cidade.

Depois começaram a falar no número de mortos, primeiro quase 100 e depois, segundo o El País, no fim de 6/Nov contavam-se 219 mortos e 93 desaparecidos, existindo contudo 54 corpos por identificar.

Têm passado imensos vídeos de pessoas a remover a lama e os destroços de ruas atulhadas de detritos e de quantidade enorme de automóveis dos quais que se estima que tenham ficado inutilizáveis cerca de 100.000 de que apresento uma pequena amostra, foto retirada do sítio da BBC:
 


Referiram que nalguns sítios teriam caído 500 milímetros  de chuva (1 mm de chuva é o mesmo que 1 litro por metro quadrado) em 8 horas, concentrando neste período a quantidade de chuva em média que cai nessa região durante um ano inteiro.

As pessoas queixaram-se que não foram avisadas a tempo do fenómeno meteorológico extremo (estando por apurar reponsabilidades) e de que as equipas de socorro chegaram em quantidade apenas quatro dias depois do desastre. O governo de Espanha e o exército alegam que não enviaram ajuda mais cedo porque a Comunidade Autónoma Valenciana não pediu ajuda, conforme estabelecido para este tipo de catástrofes.

Acompanhando estes discursos apareceram numerosas alegações que estes fenómenos extremos se manifestavam com cada vez maior frequência e que isto seria o novo normal.

Foi por isso com curiosidade que recebi este vídeo do YouTube intitulado “Geografía de una inundación: la DANA de Valencia” de 19 minutos que recomendo



e que explica que este tipo de precipitação muito elevada e concentrada num período curto é nesta região um fenómeno bem conhecido e cuidadosamente registado há séculos.

Com a informação obtida no vídeo fui procurar mais informação sobre este tipo de eventos nesta região, tendo passado por esta “Gran riada de Valencia”(“riada” significa “fluxo”, “inundação”) em que informam que desde 1321 ocorreram 25 grandes inundações nesta região:
«
En los registros de los años transcurridos desde 1321 –los “Llibres de Consell” anteriores desaparecieron en un incendio– hasta 1957, se han contabilizado 25 episodios de riadas en Valencia, en los años 1321, 1328, 1340, 1358, 1406, 1427, 1475, 1517, 1540, 1581, 1589, 1590, 1610, 1651, 1672, 1731, 1776, 1783, 1845, 1860, 1864, 1870, 1897 y finalmente 1957
»
Gostei do cuidado da informação da perda de registos anteriores a 1321 devido a incêndio e constatei que em todos os séculos desde o século XIV existem registos de normalmente mais do que uma ocorrência deste tipo de fenómenos.

A última antes da actual foi em 1957 que afectou a cidade de Valência tendo levado a obras de desvio de um rio de regime torrencial existente, tendo como consequência que, desta vez, a cidade de Valência não foi afectada.

Nessa altura eu tinha 8 anos e não me lembro da ocorrência mas certamente que este conhecimento existia na região e em Espanha. Por curiosidade fui verificar quando ocorreu um terramoto em Agadir, Marrocos, na altura muito noticiado nos jornais portugueses, vi agora que foi em 1960 e que morreram então 15.000 pessoas.

Em 1967, era então aluno do 2ºano do IST,  participei numa equipa de ajuda organizada pela Associação de Estudantes do IST, e estive a remover lama de dentro de uma escola de Olival Basto.

O número de vítimas das cheias de 1967 foi maior do que estes duzentos de Valência mas não conhecido com exactidão, porque os regimes autoritários como o que existia então em Portugal costumam esconder informação sobre catástrofes que não conseguiram evitar.
 
E a causa principal da desgraça não foram os 146mm, máximo de precipitação registado no Monte do Estoril em 24 horas sem problemas de maior, mas o facto das barracas que rodeavam Lisboa estarem construídas em leitos de cheia de diversas ribeiras.

“DANA” significa “Depresión Aislada en Niveles Altos” ou “depressão isolada em níveis altos” e o nome mais comum é “Gota fria”, descrito na Wikipédia.

Deste artigo “La riada de 1897” retirei as imagens seguintes

 
esta duma ponte em Valência nessa inundação de 1897

 
outra sobre uma ponte ferroviaria destruída, em 2024 o AVE (combóio de Alta Velocidade) ficará interrompido durante duas a três semanas

 
e ainda um “filme catástrofe” produzido em 1926 pela Metro Goldwyn Mayer, baseado no romance “Entre Naranjos” do escritor valenciano Vicente Blasco Ibañez (a quem é dedicado o blogue com estas imagens) em que entra a famosíssima Greta Garbo!

Mostro ainda uma gravura apresentada no vídeo referido acima, a propósito da inundação de 1864.
 


Continuo convencido que existem Alterações Climáticas de origem antropogénica e talvez esta “gota fria” tenha sido um pouco pior do que as 25 anteriores mas referi-la como causa principal parece-me completamente errado, a causa principal são as construções de habitações e estradas em leito de cheias de ribeiras de regimes torrenciais.

1 comentário:

João Brisson disse...

No entanto o fenómeno foi extremamente intenso quando comparado com os anteriores (quantidade chovida, tempo decorrido)
O planeamento dos anos 60 teria provavelmente avançado com valores que agora seriam certamente excedidos
O ordenamento urbano é uma questão que actualmente se põe e deriva da disponibilidade de solos para a construção e como tal foi encarado através dos tempos
Em certo momento as zonas baixas eram ocupadas pelas propriedades agrícolas e eram caros. A solução para a maioria das pessoas foi a construção em terrenos em encosta, terrenos que estavam naturalmente disponíveis e a que a população rural poderia aceder
Com o passar do tempo esta tendência continuou e o crescimento citadino dos anos 60/70 etc continuou também nessa direção avolumando o problema que hoje podemos ver em locais como Santo António dos Cavaleiros

Da orografia o vídeo trata muito pouco e, infelizmente, detem-se na taxa de risco e na sua ligação à densidade populacional esquecendo que foi a sua conjugação com a orografia que criou a catástrofe