Há algum tempo que se fala no consumo excessivo de energia para manter activa a rede de Bitcoins.
Tenho lido de vez em quando uns artigos sobre esta moeda digital mas à partida parece-me um jogo de soma nula em que os enormes ganhos de alguns poucos se fazem à custa das perdas mais ou menos pequenas de muitos. O facto de ser uma moeda em que é impossível detectar a identidade do detentor, pelo menos mantendo-se dentro de acções legais, torna apetecível o seu uso por entidades que se dedicam a actividades ilegais.
Embora não tenha grande simpatia pelos bancos, sei que a emissão de moeda pelos bancos centrais é um tema complexo que se rege por numerosas regras, que são produto de outros tantos problemas ou mesmo crises que resultaram de regras inapropriadas. Custa-me acreditar que estas moedas digitais possam substituir com vantagem os bancos centrais actuais.
Recentemente Elon Musk tem falado sobre bitcoins, tirando partido da sua notoriedade pública, provocando movimentos especulativos de que provavelmente tirará grande proveito, informando que deixaria de aceitar bitcoins para a compra de automóveis Tesla porque se convencera que a rede de bitcoins gastava imensa energia eléctrica, ainda por cima predominantemente gerada em centrais a carvão.
Andei à procura da energia que estaria a ser gasta na gestão dessa moeda digital e cheguei a este sítio da Universidade de Cambridge onde calculam o CBECI (Cambridge Bitcoin Electricity Consumption Index) de que mostro a seguir uma imagem tirada cercas das 20:30 de 17/Mai/2021
onde são apresentados um limites inferiores e superiores além das estimativas para a potência instantânea média e para a energia eléctrica anual.
Para ter uma ideia do que significam os 45,15TWh de consumo anual de electricidade (limite inferior estimado) informo que em Portugal se consumiram 45,5 TWh no ano de 2004 e que esse consumo subiu até atingir o máximo de 52,2TWh em 2010. Desde esse ano o consumo situou-se à volta de 50TWh tendo sido de 48,8 TWh em 2020.
Multiplicando os GW da tabela por 8760 Horas (365dias x 24horas/dia) obtemos valores não exactamente iguais aos TWh da figura porque o valor médio da potência não é constante ao longo do ano. Fiquei surpreendido pela dimensão do consumo de energia para manter as Bitcoins, cuja estimativa inferior é equivalente ao consumo de electricidade em Portugal.
O sítio explicita a Metodologia usada onde numa primeira leitura nos apercebemos logo da dificuldade destes cálculos. No final há uma bibliografia de estudos sobre a importância dos gastos de energia para manter a rede dos Bitcoins.
Um desses artigos (Bitcoin’s Growing Energy Problem, by Alex de Vries) refere casos de apropriação indevida de energia eléctrica para a actividade de "mineração"(realização de cálculos muito intensivos em computadores) de Bitcoins:
«... In one case a researcher misused National Science Foundation-funded supercomputers to mine $8,000–$10,000 worth of Bitcoin. The operation ended up costing the university $150,000. More recently, a mining facility in Russia (with 6,000 devices) was shut down after ‘‘not paying for several million kilowatthours of electricity. ...»
Esta actividade computacional foi inicialmente executada com recurso a circuitos dedicados a computação gráfica, pelo elevado paralelismo desse tipo de processadores mas apareceram pouco depois componentes ASICs (Application-specific integrated circuit) dedicados à tarefa de mineração de Bitcoins.
Para ter uma ideia dos equipamentos usados na mineração dos Bitcoins recolhi esta imagem num artigo da Forbes:
A technician inspects the backside of bitcoin mining at Bitfarms in Saint Hyacinthe, Quebec on March 19, 2018. Bitcoin is a cryptocurrency and worldwide payment system. It is the first decentralized digital currency, as the system works based on the blockchain technology without a central bank or single administrator. / AFP PHOTO / Lars Hagberg (Photo credit should read LARS HAGBERG/AFP via Getty Images)
Aparentemente uma elevada percentagem da mineração das Bitcoins é feita na China, nomeadamente em Sichuan onde o preço do kWh é por vezes 0,04€. A referência de Elon Musk à elevada percentagem de energias fósseis usadas na mineração de Bitcoins deve-se certamente à participação do sistema electroprodutor chinês nesta actividade, sistema com ainda muitas centrais a carvão. Os defensores do Bitcoin alegam que a electricidade em Sichuan é predominantemente hidroeléctrica mas pode-se contraargumentar que caso não fosse consumida em Sichuan poderia ser exportada para outras províncias da China, diminuindo a produção com origem no carvão.
Investigando possibilidade de usar Bitcoins em Portugal li esta nota do Banco de Portugal que não será muito conclusiva pois talvez seja difícil manter o anonimato em transacções superiores a 3000€.
Encontrei ainda este sítio "Global Citizens Solutions", que trabalha com vários Paraísos Fiscais (Antigua and Barbuda, Cyprus, Dominica, Grenada, Malta, Portugal, St. Kitts and Nevis, St. Lucia, Spain e Vanuatu) para Vistos Dourados (Gold Visas) com uma página sobre o tema "Bitcoin in Portugal" onde dizem que Portugal é Bitcoin-friendly. Referem uma intenção de fazer mineração de bitcoins em Portugal, o que parece estranho dado que a electricidade em Portugal é bastante cara. Será para isso que vão instalar hectares de fotovoltaicas no Alentejo?
Uma vez que existe discriminação de preços de energia eléctrica conforme o fim a que se destinam, por exemplo entre consumidores domésticos e industriais, e que a produção de energia eléctrica tem inevitavelmente impacto ecológico, mesmo quando usa fontes renováveis, considero que a mineração de bitcoins em Portugal se não proibida pelo menos deveria ser fortemente desencorajada através de taxas específicas. Mas o mais natural é que em Portugal recebam benefícios fiscais para aumentar o consumo de energia eléctrica no país.
O mundo das finanças rege-se por leis específicas que apenas por acidente levam em consideração as leis da física, designadamente sobre energia. Falei sobre isso a propósito do cultivo de milho nos EUA para produzir biocombustíveis neste post sobre biocombustíveis de que cito:
«...
Já nos anos 70 se dizia que a agricultura americana usava mais energia
para obter o produto final do que a energia que este continha. A energia
não é o único valor em jogo nas actividades humanas e em época de
energia barata como a que temos vivido poderá ser razoável adoptar esse
tipo de agricultura grande consumidora de energia para a produção de
alimentos. Agora não existe sistema económico razoável que possa
subsidiar uma agricultura que coloca mais energia do que a contida no
produto final quando esse produto se destina precisamente a fornecer
energia e não alimento. O facto de não poder existir um sistema
económico razoável que faça isso não quer dizer que não exista nenhum:
actualmente existe um sistema destes nos EUA, que subsidia a plantação
de milho para produzir etanol mas trata-se de um sistema absurdo de
esbanjamento do dinheiro dos contribuintes americanos.
...»