2020-04-09

Maruyama Okyo (1733-1795) - Gelo Fracturado


Na série da BBC Civilizações que tem estado a passar nas tardes de sábado na RTP2, no episódio 6 o historiador David Olusoga, um dos apresentadores da série, falou sobre a interacção entre arte japonesa e europeia e apresentou esta obra intitulada "Gelo Fracturado" (Cracked Ice) da colecção do British Museum




com tanta eloquência que revi duas ou 3 vezes o que ele disse para verificar se este aparente conjunto de riscos a merecia. Não é a primeira vez que tenho dificuldade em ver a relação de um discurso com um quadro, como por exemplo aqui, numa obra de Sol Lewitt.

Mas fui-me convencendo que o discurso não era oco, por exemplo ao chamar a atenção da influência da perspectiva auropeia nesta obra japonesa pois o conjunto de riscos faz realmente pensar que se situam num plano horizontal que se estende até lá longe, eventualmente ajudado pelo título da obra.

Entretanto a gravação do episódio 6 que eu consultara nas gravações automáticas deixara de estar disponível, na versão BBC para iPlayer não estava disponível para quem estivesse em Portugal, na RTP Play apenas está disponível o último episódio e não é altura de comprar DVDs. Procurei o texto na net e parece-me que o encontrei neste post de Philip Singleton sobre Okyo, citando de forma aproximada o que David Olusoga terá dito no episódio 6 de Civilisations.

Resumindo o David Olusoga diz que esta obra de tinta sobre papel é uma síntese cultural de técnica, em que à linha simples da caneta se adiciona uma "profundidade visual"em que a vista é conduzida através da superfície gelada por linhas que se tornam mais finas. O uso da técnica europeia da perspectiva  é o oposto da representação plana bidimensional da  arte japonesa tradicional.

O fascínio pela imperfeição e não permanência típica do Budismo e da filosofia japonesa é aqui satisfeito pelas fracturas que são uma imperfeição na pureza da folha de gelo sendo a não permanência assegurada pela fusão do gelo que, ao tranformar-se em água fará desaparecer as fracturas.

O perfeccionismo japonês convive assim com um fascínio pela imperfeição, como documentei na arte japonesa do Kintsugi.

O artigo da Wikipédia sobre Maruyama Okyo cita a existência de uma lenda, contada por Van Briessen (presumo que seja o autor de "The Way of the Brush: Painting Techniques of China and Japan" ) em que um daimyo encomendou a Okyo uma pintura do espírito (ghost) de um parente recentemente falecido. Okyo pintou o espírito de uma forma tão realista que quando completou a pintura o espírito saiu da pintura e voou para longe.

Penso agora que esse quadro poderia ter sido este outro, intitulado "Fantasma pairando sobre gelo fracturado", num momento em que o espírito já voara:





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