A representação num plano de objectos tridimensionais é muito menos óbvia do que parece à primeira vista, basta reparar nas representações da realidade feitas por crianças em folhas de papel para se constatar isso mesmo.
No Ocidente, depois de séculos de representações seguindo regras que foram evoluindo no tempo, foi-se tornando dominante no Renascimento o uso da perspectiva pois dá uma maior sensação de realismo.
Depois do pessoal da pintura se apurar na representação de pessoas, com posses suficientes para pagar o trabalho do pintor, ou cenas consideradas importantes pela igreja, instituição tradicionalmente rica em recursos materiais (e espirituais...) as pessoas estenderam os seus motivos de interesse pictóricos a representações de eventos históricos (uma vez que não existiam na altura telemóveis para eternizar esses momentos) ou a cenas da mitologia, onde era viável introduzir alguma nudez, interdita noutras circunstâncias. Mas como tudo cansa, no século XIX começou a surgir interesse também nas paisagens, que anteriormente se destinavam apenas a tornar menos monótono o fundo dos quadros, e nas pessoas comuns, camponeses, operários e burgueses.
Com o advento da fotografia o objectivo da representação exacta dos motivos pictóricos ficou muito abalado e os pintores sentiram a necessidade de fazerem representações mais estilizadas da realidade, como os impressionistas, a que se sucederam uma série de escolas explorando essa via, num sentido de abstracção crescente. Outra via foi manter a representação exacta dos detalhes mas apresentá-los num contexto “superior ao real” ou surreal.
Escher não se distinguiu como pintor mas antes como criador de
gravuras, em madeira (xilogravura) ou em pedra (litografia), normalmente em composições a preto e branco usando a côr com grande moderação.
Além das paisagens e das técnicas de preenchimento do plano com figuras de grande complexidade que se encaixam perfeitamente como estes cavaleiros
irei passar agora a mostrar alguns exemplos das cenas irreais mas com pormenores dum realismo fotográfico.
De uma forma geral a representação em duas dimensões de objectos tridimensionais só aparentemente é perfeita. Por exemplo é fácil representar objectos a flutuar no ar pois num quadro não se faz sentir a força da gravidade.
Um quadro contem representações de objectos reais e não os próprios objectos como se constata nestas “mãos desenhadoras” que Escher desenhou em 1948
Magritte chamou a atenção para esse facto no quadro famoso de um cachimbo com a frase “Isto não é um cachimbo”. Mostro o quadro de Magritte e uma variante das mãos de Escher a que adicionei um comentário “Magrittiano, seguido do quadro de Magritte de 1928 “La tentative de l’impossible” em que se vê um pintor a pintar uma mulher no próprio quadro
Existem outras cenas em que um desenho minucioso mostra estruturas impossíveis, o desenho é realista ao nível micro mas contém impossibilidades num nível mais macro, como é o caso deste Miradouro (1958) em que vários figurantes disfrutam da construção impossível, enquanto apenas um deles se interroga, observando um croquis, sobre o que há de estranho na construção existente nas suas costas
Ao lado mostro um quadro de Magritte (Le blanc seing de 1965) duma mulher a cavalo numa floresta em que cada tira vertical é realista, o que falha é a sequência impossível de tiras verticais.
São boas ilustrações da insuficiência da análise local para uma percepção global dum fenómeno, como por exemplo da microeconomia para descrever completamente os fenómenos económicos.
Ainda poderia falar sobre mais características da obra de Escher mas isto é um post e já está a ficar muito longo. E vou por ora encerrar esta série de posts sobre o Escher.