2015-02-27

Grécia e Três Graças


        


Voltei-me a cansar dos termos em que é discutida a crise Grega, da contabilidade de cedências pelas partes em confronto. Usam também uma técnica retórica clássica que consiste em atribuir ao adversário opiniões que ele não defende para depois ou atacar essas opiniões ou dizer que o adversário já mudou de opinião. A outra técnica é referir a nossa opinião como a “realidade”, confundindo a natureza imutável por exemplo das leis da fisica ou as relações matemáticas com as “leis económicas” onde a vontade e psicologia humanas têm em grande número de casos um papel muito importante.

Em relação à semana passada por um lado parece-me que o Syriza exagerou na agressividade da abordagem aos países do Eurogrupo. Por outro lado considero monstruosas algumas das medidas tomadas na Grécia sob pressão da troika, designadamente a lei em que os desempregados perdem o acesso ao Sistema Nacional de Saúde poucos meses depois de ficarem  no desemprego e a circunstância de 300 000 famílias não terem meios para pagar a conta da electricidade.

Só para corrigir estas duas situações completamente aberrantes, “olimpicamente” ignoradas pela direita que aparece na TV portuguesa a falar sobre a crise grega, já valeria a pena ter escolhido o Syriza para governar a Grécia. O Eurogrupo concedeu algum tempo ao governo grego e aguardemos pelo desenrolar dos próximos capítulos.

A propósito deste tema não consigo deixar de pensar no Amartya Sen e no seu livro “Poverty and Famines, An Essay on Entitlement and Deprivation”, um livro que referi aqui.

Uma das teses interessantes de Amartya Sen é que nas democracias não se morre à fome porque os governantes têm pressões fortes para não deixar morrer os seus eleitores.

Neste caso grego parece-me que a União Europeia se tem comportado como  uma potência colonial, por exemplo como  a Inglaterra em relação à fome de Bengala em 1945. A democracia “ressuscitou” na Grécia indo provavelmente evitar que os desempregados quando doentes não tenham assistência médica, que morram à fome, que fiquem sem casa e que não possam aceder à electricidade.

Quando se observa a mudança de opinião recente de Vítor Bento em relação a várias características da política económica prevalecente na União Europeia existem razões para acreditar que outros economistas e políticos poderão também mudar de opinião e que pode ocorrer uma inflexão em vários aspectos da política actualmente em vigor.


Dado que há tanta gente a falar sobre estes temas vou mudar de assunto mostrando esta bela imagem


que vi nesta referência a uma exposição no lendário hotel Mamounia de Marraquexe.

Cheguei a ela por um caminho improvável que começou a propósito dos 50 anos da morte de Winston Churchill e de se falar das suas pinturas e do seu gosto pela luz de Marraquexe, passando pelo seu relacionamento com o poeta e pintor marroquino Hassan el Glaoui de quem é esta imagem bem como a que se segue, com cavalos em movimento. Os azuis da primeira pintura fizeram-me pensar na casa azul dos jardins da Majorelle



Na exposição do Mamounia mostram também este quadro que Churchill pintou em Marraquexe



Nesta divagação fui dar ao site da filha do pintor marroquino que se chama Ghizlan el Glaoui e que também se dedica à pintura.

Gostei desta imagem de mulher com cabelo cor de fogo que vi no site da pintora



mas ao ver no mesmo site esta variante do famoso quadro de Vermeer, “Rapariga com brinco de pérola” ou talvez da foto da Scarlett Johansson no filme que contribuiu para uma ainda maior fama do referido quadro




fiquei a pensar que possivelmente o quadro de cima também seria uma variante doutro quadro famoso. Procurei no Google as “Three Graces” referidas na imagem e fui dar a um dos detalhes famosos do quadro da Primavera de Botticelli com as 3 graças, passando a mostrar primeiro o quadro




seguido de um detalhe com as Três Graças




onde constatei que as imagens do site da pintora que mostro em  baixo são realmente variações  ou reinterpretações das Graças de Botticelli:



Diz na Wikipédia que as Graças são:
- Ἀγλαΐα (Aglaia- ‘a resplandecente’, ‘a que brilha’, ‘a ‘a esplêndida’) era a mais jovem e bela das três Graças,  simbolizando a inteligência, o poder criativo e a intuição do intelecto;
- Εὐφροσύνη (Euphrosina- personificação da alegria);
- Θαλία (Tália- em inglês diz que era a deusa da abundância, dos banquetes, em português que era a deusa do brotar das flores.

Não consigo distinguir quem é qual.

Estas imagens de Ghizlan el Glaoui, se bem que inspiradas pelas graças de Botticelli, não são uma cópia. Não sei como se chama uma reinterpretação de uma pintura, como é feito aqui. Suponho que seja muito mais complexo do que o simples uso de umas ferramentas informáticas que transformam uma fotografia numa aguarela, numa pintura a óleo, etc.

A divisão em quadrados das imagens fez-me pensar nos mosaicos bizantinos e nas suas interpretações contemporãneas, como por exemplo do cipriota George Kotsonis que referi aqui.

Acho positiva esta entrada de marroquinos pela representação pictórica de seres humanos, o risco destas imagens se tranformarem em ídolos é verdadeiramente pequeno.

E gostei de falar da influência das civilizações do Mediterrâneo na nossa visão do mundo.

2015-02-22

Tradição Sikh em socorro dos sem-abrigo britânicos


Chamou-me a atenção este artigo da BBC onde referem que muitos sem-abrigo em Londres são alimentados pela comunidade Sikh que, além de fornecer comida quente nos seus templos, quer na Índia quer na Inglaterra quer onde eles se situem, criou um serviço de carrinhas para chegar a um maior número de pessoas sem-abrigo.

É irónico que na capital da antiga metrópole do grande Império, as deficiências do Estado Social da Grã-Bretanha, para cujo desmantelamento muito contribuiu Margareth Thatcher, que manifestava abertamente a sua antipatia por estrangeiros, que essas deficiências sejam agora parcialmente minimizadas por tradições de culturas das ex-colónias, vindo agora os descendentes de anteriores imigrantes salvar da fome os cidadãos britânicos sem distinção de origem étnica ou profissão religiosa, à semelhança das actividades de caridade cristã, comuns na Europa e noutras partes do mundo.

Esta tradição Sikh chamada Langar, de dar comida a quem tem fome, é referida também aqui. Esta tradição será provavelmente tributária do Sufismo islâmico da ordem Chisti.

Deixo duas fotos que tirei em Abril/2001 do templo Sikh Gurdwara Bangla Sahib, situado ao pé de Connaught Place em Nova Deli, onde também serviam refeições vegetarianas gratuitas, primeiro uma das entradas do templo, depois o lago para abluções.








Mostro também o mausoleu de Salim Chisti em Fatehpur Sikri que fui buscar à wikipédia.



Em tempos referi o trabalho maravilhoso em mármore deste mausoleu neste post.


2015-02-18

Na Europa temos abundância de crises


Lembrei-me disso a propósito da crise actual envolvendo a Grécia e deste mapa da Europa em 1648,



após a Paz de Vestefália que pôs fim à guerra dos 30 anos e que julgo que retirei dum post do Paulo Pinto que agora não consigo localizar.

Também falando sobre História esteve Helmut Schmidt neste discurso em Berlim em 4/Dez/2011 que já referi aqui e cujo texto integral a Shyznogud colocou aqui.



2015-02-14

Vítor Bento e os economistas com fé inabalável


Estava à espera dum dilúvio de comentários na comunicação social sobre o ensaio que o Vítor Bento publicou no Observador em 8/Fev/2015 mas no dia 10/Fev só lia o espanto (parece-me que justificado) do Nicolau Santos no Expresso. Apareceram posteriormente comentários no próprio Observador, outro no Público de Francisco Louçã mas muito poucos artigos com destaque nos restantes jornais. Mostro o resultado duma busca que fiz com o Google no dia 10/Fev



Parece-me estranho este silêncio sepulcral sobre a inflexão na opinião de Vítor Bento, baseada na observação dos péssimos resultados dos programas de austeridade impostos pela União Europeia aos países deficitários.

Na Ciência ocidental, a partir de observações estabelecem-se teorias e eventualmente realizam-se testes, observando-se depois a realidade para ver se a teoria é válida ou não.

Na Economia deveria ser também assim, se bem que com maior dificuldade em fazer e interpretar os resultados dos testes. Parece que Vítor Bento pertence à muito pequena minoria de economistas que se interessam pela realidade e pela verificação dos resultados dos programas de acção económica. A grande maioria dos economistas do pensamento único usa a Economia como um substituto da Religião, em que basta ter uma crença forte no pensamento dominante que nos ensinaram na universidade. Se a realidade não confirma a teoria bastará esperar mais algum tempo, para que a crença que nos ensinaram mostre que está certa. É um raciocínio semelhante aos dos comunistas que sempre estiveram seguros que a experiência russa iria dar certo, era só ter paciência para esperar pelos amanhãs que cantavam.

Para compensar a falta de cor-de-rosa na realidade ecomómica dos países deficitários da Europa deixo mais outra foto da Beira-Tejo em 26/Dez/2014, onde pelo menos a paisagem é rica nessa cor.




2015-02-09

Mais vale tarde do que nunca, Vítor Bento


Finalmente Vítor Bento escreveu um ensaio sobre a Eurocrise em que foca a atenção sobre a impossibilidade da existência de um mundo em que todos os países tenham excedentes no seu comércio com os outros!

Não me esqueço do contragosto manifestado por Durão Barroso, quando ainda presidente da comissão, de ter tido que levantar um processo à Alemanha por  desequilíbrio continuado do seu comércio externo, como por exemplo neste relatório. Dizia ele num à parte que gostaria que todos os desequilíbrios que tivesse que estudar fossem do tipo de excedente, como era o caso da Alemanha.

Em tempos escrevi um post sobre este tema, aqui. Claro que toda a gente sabe isto mas parece que o pensamento actualmente dominante prefere ignorar sistematicamente que ter excedentes é tão insustentável como ter déficits.

Foi assim com muito gosto que li o ensaio de Vítor Bento publicado no "Observador", onde se pode ler:

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Esta forma de ajustamento tem, portanto, envolvido uma efectiva transferência de bem-estar social (incluindo emprego) dos Deficitários para os Excedentários. E aqui reside a grande falha da argumentação moral que tem subjazido à condução do processo, pois que não são os Excedentários que têm estado a sustentar o bem estar dos Deficitários, mas o contrário. Nestes termos, a justiça do processo de ajustamento em curso só poderia ser restabelecida com uma transferência efectiva de recursos (e não de empréstimos) dos Excedentários para os Deficitários.

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2015-02-04

Grécia ou a existência de opiniões diversas na Europa


É muito difícil uma pessoa avaliar situações complexas como a da Grécia.

Sabendo que estou a ser bombardeado por meios de comunicação em que uma boa parte está mais interessada em fazer propaganda do que em revelar-me a realidade, presto atenção aos indícios reveladores que me vão aparecendo.

No caso da Grécia considero particularmente revelador que a anterior maioria tenha aprovado uma lei em que os desempregados perdem o acesso ao Sistema Nacional de Saúde poucos meses depois de ficarem  no desemprego. É uma lei iníqua sem justificação económica razoável. Os sistemas de saúde devem ter finanças equilibradas havendo sempre a necessidade de definir quais os tratamentos que são economicamente viáveis e quais os que não o são. Mas excluir cidadãos do acesso ao sistema nacional de saúde, pelo facto de estarem desempregados, é condenar à doença os desempregados pobres, negando-lhes a solidariedade dos outros cidadãos. Reduzir um pouco o nível de cuidados para toda a gente de forma a poder acolher todos os cidadãos é a única forma decente de resolver eventuais desequilíbrios entre receitas e despesas. Existem assim formas alternativas de resolver desequilíbrios, ao  contrário do que tanta gente nos tenta convencer.

Uma das melhores ilustrações de que existem opiniões diversas sobre assuntos económicos nas instituições da Europa, ao contrário do que tanta direita portuguesa nos pretende fazer crer, é esta foto de Mario Draghi, presidente do BCE, e do nosso Ministro das Finanças, Wolfgang Schauble, captada na reunião do FMI em Washington em 10-Out-2014, da Bloomberg e publicada por Maxime Sbaihi aqui:



Agora quando andei à procura no Google/Imagens da origem desta foto que na altura guardara no meu PC apareceu-me este resultado curioso da pesquisa, em que a primeira página de resultados é ocupada exclusivamente por sítios escritos em grego, mostrando a sensibilidade dos gregos à existência de opiniões diversas na Europa:



No meio disto fui dar a este site interessante com notícias sobre a Grécia, The Press Project – Greek News for a Global Audience com este video em que Obama diz à Alemanha que os gregos estão numa depressão económica, não podem ser mais espremidos.

É natural que a electricidade seja cortada a clientes que não paguem, dado que a electricidade não é gratuita. Mas já não é natural que 300.000 famílias gregas não tenham dinheiro para pagar a conta de electricidade, não é certamente assim que se consegue aumentar a competitividade de um país. É vergonhoso que se tenha chegado a esta situação e este é mais um indício da natureza errada das políticas aplicadas na Grécia.