2011-07-29

Araucaria

Em tempos fui a Curitiba, capital do estado do Paraná, no sul do Brasil, onde pude constatar a boa organização da cidade, como tinha lido numa revista antes da viagem. Na altura ainda usava máquina com película fotográfica, esta foto que segue foi tirada com negativos (nas viagens costumava usar slides mas houve aqui uma excepção). Trata-se de um rolo Kodak Gold 100, acho as cores um bocado forçadas, sobretudo o céu pois as cores garridas das tendas se não são exactas são verosímeis.



Mas o que me chamou a atenção foram aqueles pinheiros, que me fazem lembrar uns candelabros israelitas, com uns tufos verdes no fim de ramos compridos e curvos sem derivações intermédias. Disseram-me que se chamava pinheiro-do-paraná. Num restaurante da cidade comi uns pinhões desta árvore, que são do tamanho de feijões.

Passados uns anos fui visitar um amigo e antigo colega do IST a Maringá (22°19'34.00"S, 44°34'37.00"W) uma pequena povoação na fronteira entre os estados do Rio de Janeiro e de Minas Gerais, a uns 30 km da cidade de Resende, esta última a meio caminho entre o Rio e São Paulo. Quando me aproximava da povoação, situada a uns 1100m de altitude, voltei a avistar estas árvores simpáticas, primeiro nesta estrada de montanha



e depois neste ambiente verdejante e fresco



com noites que em Agosto se aproximam por vezes dos 0ºC, para consolo das Paulistas e Cariocas, que podem finalmente vestir os seus casacos de peles.

O meu amigo, que opera a Pousada Cabanas do Visconde, um conjunto de cerca de uma dúzia de simpáticos chalés com um aspecto alpino, bem integrados na paisagem como se constata na foto



chamava Araucária a estas árvores que eu conhecia como pinheiro-do-paraná. Referiu-me a particularidade de saírem 5 ramos de um nó de cada vez.

O meu conceito de Araucária era o desta árvore aqui à direita, muito frequente nos jardins das vivendas portuguesas, tem a particularidade de desenvolver um plano de ramos por ano (constatei depois que cada plano tem 5 ramos) tornando fácil saber quantos anos a árvore tem e, caso se plante uma quando se termina a construção da casa, fica-se também a saber a idade da casa.

A árvore adapta-se bem ao nosso clima, incluindo zonas batidas por vento marinho

Esta foto foi tirada na Praia da Rocha, em Set/2005 após chegada do Brasil, vendo-se ao centro uma árvore quase completa e do lado direito, num plano mais próximo, umas ramagens de outra árvore da mesma espécie.

Acho que a diferença de aspecto do pinheiro-do-paraná e do que eu conhecia por Araucária explicam bem a minha perplexidade, no uso de um mesmo nome para árvores com aspectos tão diferentes. Mas na altura, documentada a diferença para enviar num e-mail, que não me lembro se concretizei, abandonei o assunto.

Em finais de Abril deste ano, neste post sobre o Jardim Botânico do Rio de Janeiro, mostrei uma árvore que considerei com um aspecto “despenteado” e na altura dei um salto ao Jardim Tropical de Lisboa (ao pé do Mosteiro dos Jerónimos) para verificar se uma árvore que lá tinha visto há algum tempo seria parecida a esta “despenteada que acabo de referir e que mostro do lado esquerdo enquanto a do lado direito é a do Jardim Tropical de Lisboa


Ainda tirei outra foto à árvore da direita, com um zoom ligeiro sobre a copa:


Acho que as duas árvores não são da mesma espécie, continuo sem saber o nome da da esquerda mas a da direita tinha uma tabuleta dizendo:


O ressurgimento da palavra Araucaria para uma nova árvore, diferente do pinheiro-do-paraná e daquela que eu continuava a chamar Araucária foi o impulso necessário para consultar a indispensável Wikipédia para esclarecer o assunto.

Assim comecei por procurar um wiki do pinheiro-do-paraná tendo encontrado um artigo completíssimo, muito mais completo na versão portuguesa do que na inglesa, que esclarece logo no início que «O pinheiro-do-paraná [Araucaria angustifolia (Bertol.) Kuntze 1898] é a espécie arbórea dominante da floresta ombrófila mista, ocorrendo majoritariamente no sul do Brasil mas também em pequenos trechos da Argentina e Paraguai, sendo conhecida por muitos nomes populares, entre eles pinheiro-brasileiro e araucária; ... »

Passando a procurar Araucaria constatei a existência de 19 espécies de Araucária, todas nativas do hemisfério Sul, com espécies nativas em “Nova Caledônia (onde treze espécies são endêmicas), Ilha Norfolk, sudeste da Austrália, Nova Guiné, Argentina, Chile, e sul e parte do sudeste do Brasil.”.

Rapidamente cheguei à Araucaria cunninghamii, neste caso e nesta data só disponível em inglês dado que se trata duma espécie nativa no leste da Austrália e na Nova Guiné e finalmente à Araucaria heterophylla ou Pinheiro de Norfolk (da ilha de Norfolk, na Austrália), que tem exactamente a mesma pinta da Araucária tão frequente em Portugal como se pode constatar na imagem que segue que fui buscar à Wikipedia.


A Ilha de Norfolk é uma pequena ilha (34km2, 2000 habitantes, a maioria descendentes dos amotinados da Bounty que vieram para aqui da ilha de Pitcairn) administrada pela Austrália, de que dista cerca de 1400 km.

A árvore consta mesmo na bandeira desse território relativamente autónomo que tem resistido a se integrar completamente na Austrália.

A presença de plantas aparentadas em lugares tão distantes é uma das evidências da História da Terra, em que plantas com antepassados comuns foram divergindo umas das outras mas mantendo traços que revelam o seu parentesco.

As plantas usam o vento, as correntes marítimas e, desde há muito tempo os animais, sobretudo as aves e os insectos, para a sua disseminação. Mas quando conseguem que o homem se interesse por elas, a sua disseminação pode assumir aspectos verdadeiramente extraordinários quando uma pessoa pensa neles.

Tem o seu quê de maravilhoso constatar que todas estas araucárias, tão comuns nos quintais das vivendas portuguesas de que mostro um conjunto na Avenida Almirante Gago Coutinho em Lisboa



são descendentes de plantas todas originárias da pequena ilha de Norfolk, nos antípodas, isolada no meio do Oceano Pacífico a centenas de quilómetros da terra mais próxima.

2011-07-26

O lado negro


Os actos recentes do terrorista norueguês que causaram tantos mortos recordaram-me um filme que vi na TV há muitos anos, interpretado pela Vanessa Redgrave, que na viagem de combóio para um campo de concentração testemunha, juntamente uma companheira de viagem, os maus tratos infligidos pelos soldados alemães a mais uns passageiros forçados a entrar nessa paragem do combóio. Nessa altura a companheira de viagem diz que aqueles soldados são uns monstros, que não são humanos.

Ao que a Vanessa responde que viveria muito mais descansada se isso fosse verdade mas que infelizmente aqueles soldados também faziam parte da humanidade e que isso era verdadeiramente assustador.

Andei à procura na net, a Vanessa Redgrave está aqui, a referência ao filme “Playing for time” aqui.

2011-07-22

Candeeiro de rua e Ginkgo Biloba

Numa rua de Granada gostei deste candeeiro que poderia ser do tempo da Art Déco, um movimento internacional de design mais activo de 1925 até ao início da II Grande Guerra. É geométrico mas muito mais simples do que a complexidade estonteante dos mosaicos do Alhambra ali ao lado.


No lado esquerdo da imagem vê-se uma folhagem que me alegra ser capaz de identificar imediatamente como pertencendo a um Ginkgo Biloba, pela forma única das suas folhas em forma de coração e que já referi aqui, aqui e aqui (em todos estes posts troquei ginkgo por gingko e neste último dizia que as folhas tinham forma de borboleta...).

Segundo tenho lido a árvore é um fóssil vivo, é capaz de viver mais de 2000 anos, e seis dessas árvores sobreviveram à bomba atómica de Hiroshima, a mais próxima do ponto da explosão estando a uma distância de apenas 1100 metros!

Fiquei a pensar que essa resistência deve ser o factor que aconselha o seu uso em ruas com poluição automóvel, como era o caso em Granada e em várias ruas de Lisboa.

2011-07-20

Mosaico do Alhambra (3)

Estamos no Verão, vou escrever pouco, estes mosaicos têm cores refrescantes.

Voltei a deformar as imagens para ficarem rectangulares. Julgo agora que as fitas de argamassa entre os mosaicos substituem mosaicos estreitos que estiveram lá no início mas que depois caíram. Fiz esta conjectura depois de ver esta imagem onde ainda existem muitos desse mosaicos finos que se entrecruzam aparentemente de todas as formas imagináveis:



Parece-me provável que sejam duas imagens do mesmo mosaico mas já não tenho a certeza:

2011-07-15

Mosaico do Alhambra (2)

Muitos mosaicos do Alhambra não são superficies inteiramente esmaltadas, compondo-se de componentes de cerâmica vidrada unidos por argamassa branca que não se limita a linhas finas.

Esta técnica não é muito comum provavelmente porque os artistas preferirão construir os seus desenhos de forma repetitiva em mosaicos de polígonos regulares, sendo a sua colocação simples, requerendo apenas competência no nivelamento da superfície. Além disso, como as uniões entre os mosaicos são sempre tiras finas de argamassa, minimiza-se a entrada da humidade e o seu potencial destruidor.

Às vezes pode-se fazer uma superfície vidrada um pouco maior mas no caso do Alhambra as composições assumem uma complexidade e dimensão que parecem deixar como única alternativa possível a que começámos por descrever.

Para fotógrafos amadores que se têm que sujeitar aos ângulos de tomada de vista e iluminação existente, por vezes não é possível tirar a foto a partir dum ponto numa perpendicular ao centro do painel, ou porque o local é interdito aos visitantes ou porque a iluminação existente faz com que apareçam reflexos excessivos.

Julgo que neste caso havia um problema com os reflexos pelo que optei por titar a fotografia "de esguelha"


e depois num editor de imagem deformei-a para voltar à sua forma rectangular


A dose de regularidade e de variação neste mosaico, como em tantos outros do Alhambra, torna-os verdadeiras obras-primas do desenho geométrico. Que maravilha!

2011-07-11

Os Copistas ou os seguidores das agências de notação

Em tempos fiz aqui o elogio da cópia, uma estratégia de sucesso, uma característica essencial da vida sobre a Terra.

A cópia é o que nos permite evitar o esforço de reinvenção de coisas já inventadas, não precisamos de reinventar a roda.

Mas a cópia encerra os seus perigos, aplicada aos comportamentos traz o espírito de rebanho, de carneirada, traz o espírito conformista, seguidor da autoridade, da falácia do magister dixit, da demissão de se pensar pela própria cabeça, de fazer avaliações ou de assumir responsabilidades.

Foi aparentemente o que se passou com o BCE- Banco Central Europeu que “outorgou” às agências de notação americanas uma extensão à Europa do poder que já tinham no mercado norte-americano, demitindo-se de fazer as suas avaliações de risco e delegando essa tarefa nas referidas agências.

O meu problema com as agências de rating é que elas ultrapassam actualmente em muito o seu papel inicial de emissoras de opinião pois muitos fundos estão obrigados pelos seus estatutos (em consequência de normas estabelecidas pela SEC) a seguir as notas que elas dão. As opiniões delas transformaram-se assim em ordens directas a muitos agentes, destruindo a diversidade essencial ao mercado e introduzindo riscos semelhantes aos das ditaduras e do planeamento centralizado. Ao contrário do que dizem, as agências de rating não são o mercado, são a negação do mercado. Aliás não sei porque não foram ainda objecto de acções anti-trust. Será por o pessoal achar que oligopólios só são nocivos na actividade industrial e que não têm importância no sector financeiro?

Lembro-me há muito tempo da irritação que me causava a negação pelos marxistas da possibilidade de existir um raciocínio neutro sobre o que quer que fosse, qualquer posição sobre qualquer asssunto reflectia inexoravelmente uma posição de classe, era impossível ter uma posição independente. O raciocínio levado ao seu extremo tomava um cariz do tipo religioso quando a crença é usada para negar a existência de uma realidade objectiva e independente da nossa vontade. Mas constato agora que quando se afirma em economia a existência de uma realidade objectiva, uma vez que a maior parte das leis da economia são feitas por seres humanos, se está na maior parte dos casos a defender a tese que existe um subconjunto das leis da economia que não podem ser alteradas, designadamente pelo povo ignaro, a quem mais não resta do que se submeter ao governo dos seres superiores que pontificam nas agências de notação e noutras instituições independentes do poder político mais ou menos democrático. E se os governos têm interesses, parece-me inacreditável tentar passar a ideia que os privados são desprovidos de interesses e que lhes é tão fácil agir de forma “independente”. “Independente” de quê?

Constatei como muita gente que quando as agências de notação emitem os seus palpites existem sempre aliados potenciais dos mesmos. Antes das eleições a actual maioria manifestava a opinião que bastaria livrar-nos do governo do PS para os “mercados” nos verem com outros olhos. A recente classificação da Moody’s trouxe-lhes uma desilusão mas deu-lhes ao mesmo tempo uma oportunidade de contribuir para a educação do povo. Subsistem dois tipos de aliados das agências de rating que classificam a dívida soberana portuguesa como lixo: os que consideram que a UE não estabeleceu mecanismos satisfatórios para evitar a bancarrota da Grécia, Irlanda e Portugal, e os que acham que temos que fazer reformas muito mais profundas do que as propostas por este governo. O nosso país deveria ter um Regime, uma Constituição, Leis e Regulamentos todos feitos por esse conjunto de seres superiores que, à semelhança da vanguarda da classe operária noutros tempos, também sabem o que é verdadeiramente bom para todos nós.

Mas este texto já vai longo, tanta gente já falou sobre isto que passo a mostrar esta imagem do Mestre de (do Marechal) Boucicaut que iluminou magnificamente o livro de horas referido aqui. Trata-se também de um anúncio, não de uma notação mas da Anunciação do nascimento de Jesus Cristo à Virgem Maria.

2011-07-04

Será que existe o livre-arbítrio? Já em 1936 se duvidava.

«...
O primeiro refere-se ao cálculo do preço de custo do kWh. Há contas-tipo de quem compra e contas-tipo de quem vende; e o mesmo indivíduo colocado nos dois lados da barricada com uma hora de intervalo renega serenamente da segunda vez as contas que defendeu da primeira. Chega a preocupar esta espécie de unidade profissional dos vendedores por um lado e dos compradores pelo outro, como se houvesse entre eles um voto secreto. Não se pensa que lhes falta sinceridade: chega-se antes a ter a convicção de que não existe o livre-arbítrio.
...»
in Estatística das instalações eléctricas em Portugal referente ao ano de 1936, Engº José Ferreira Dias Júnior (I.S.T.)



Lembro-me frequentemente deste texto quando ouço as discussões entre o governo e a oposição de Portugal e infelizmente não é por eu ter uma grande capacidade de associação de ideias mas porque as situações são, sob o ponto de vista da coerência do discurso, completamente idênticas.

Além dos custos normais da democracia, em Portugal ela adquiriu um ónus de há uns tempos a esta parte: sempre que muda o governo é preciso aumentar os impostos porque a oposição nunca fazia a menor ideia do que se passava com as finanças públicas.

Seria interessante que acabassem com esta falta sistemática de transparência das contas públicas mas parece que esta situação é muito confortável para quem governa porque presta menos contas e para os novos governos porque além da oportunidade para lançar mais um imposto têm ainda a possibilidade de alegar que não podem cumprir as promessas eleitorais. Ninguém do chamado “arco governativo” tem demonstrado interesse em alterar esta situação, nem os governos nem a Assembleia da República.

Já agora recomendo que caso pensem em aumentar a transparência o façam alterando o funcionamento do Estado e não criando outra parceria público-privada, desta vez através da contratação de serviços de auditores e de consultores pois além de se ter que reduzir os custos de funcionamento do Estado se tem também que reduzir os fornecimentos de serviços externos ao Estado.

Como imagem alusiva ao livre-arbítrio de muitos de nós mostro esta bela cascata localizada em Norheimsund na Noruega. As moléculas de água podem-se desviar um bocadinho para um dos lados mas a força da gravidade condu-las inexoravelmente para baixo.

2011-07-01

Altar da Igreja de San Juan de Dios em Granada

Estava a pensar em inundar este blogue das magníficas decorações do Alhambra mas o raio de sol, a iluminar de forma rasante um mosaico mouro, fez-me divagar para os raios de sol que atravessam os vitrais das igrejas e depois de mostrar uns poucos pormenores da igreja da Sagrada Família em Barcelona passo por esta maravilha barroca que fui encontrar em Granada.

A igreja foi construída no século XVIII, a imagem tem os 800 pixels de largura (máxima largura permitida pelo template que estou a usar neste blogue) mas 1325 de altura. Como não consegui mostrá-la integralmente (o blogger achava neste caso que a altura de 800 pixels seria o máximo e reduzia proporcionalmente a largura), optei por partir a imagem em duas e mostrá-las em sequência.

Quem estiver interessado na imagem sem separação poderá ir buscá-la ao álbum Picasa, a imagem inteira precede as duas imagens mostradas neste post.

Na tarde de sábado em que tirei esta foto nesta igreja visitei mais duas igrejas muito ao pé e em ambas decorria também uma cerimónia de casamento. Fiquei um pouco surpreendido pela quantidade.

Granada tem uma catedral imensa, que não me impressionou, além do túmulo dos reis católicos e uma quantidade de igrejas talvez um pouco maior do que a média já de si elevada da Espanha, possivelmente para assinalar de forma mais explícita que se trata de terra cristã. O reino mouro de Granada foi conquistado pelos reis católicos em 1492.