Este blogue não tem manifestado de forma explícita as opiniões do seu autor sobre temas da actualidade mas não há regra sem excepção e este post é disso um exemplo.
Tenho seguido com algum interesse a discussão sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo, tema abordado de vez em quando em vários dos blogues referidos na lista de ligações.
Por muito que tente não consigo deixar de me surpreender com os excessos dos argumentos usados nas discussões em Portugal, nomeadamente à volta deste tema.
Dada a evolução que se tem observado nas últimas décadas, quer no conhecimento quer na forma como é encarada no Ocidente a homosexualidade, parece-me chegado o tempo de possibilitar, a pessoas do mesmo sexo que pretendam levar uma vida em comum, o acesso a um conjunto de efeitos jurídicos mais completo do que a actual união de facto e que seja praticamente idêntico ao actual casamento civil.
O casamento civil, na sua forma tradicional no Ocidente e em Portugal, com cerca de 150 anos, sempre esteve associado à geração e criação de filhos. O estabelecimento de um relacionamento estável entre os noivos tinha como um dos objectivos principais criar as condições para que o esforço prolongado de formação e educação das crianças se fizesse no seio de uma relação afectiva estável. O casamento civil em Portugal foi criado não para negar o aspecto muito importante da procriação neste instituto, mas para retirar à igreja católica a exclusividade da celebração deste tipo de união.
Claro que nem todos os casais eram férteis mas negar a importância dos filhos no casamento é semelhante a dizer que o cinto de segurança não tem qualquer relevância para a integridade física de quem o usa porque em x por cento dos acidentes não melhora a condição de quem o colocou.
A extensão pura e simples do casamento na sua forma actual a pares de pessoas do mesmo sexo afecta assim de forma muito importante os casamentos existentes, ao negar qualquer relevância à componente de geração de filhos desses casamentos.
Tenho dúvidas também em relação à adopção de crianças por pares de pessoas do mesmo sexo e considero prudente não adoptar desde já essa possibilidade.
Um aspecto que me surpreendeu quando da discussão da despenalização do aborto foi existirem pessoas que falavam como se fôssemos o primeiro país a aprovar leis deste tipo.
Nas discussões agora sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo ouve-se argumentar que qualquer cidadão com um mínimo de decência não pode senão apoiar a extensão pura e simples do casamento actual a pares de pessoas do mesmo sexo.
Existem democracias respeitáveis, como por exemplo a francesa, a inglesa e a alemã, em que os legisladores consideraram melhor criar um estatuto muito semelhante ao do casamento actual mas com algumas diferenças, designadamente sobre a possibilidade de adopção e consequentemente com um nome diferente. É esse o caminho que me parece que deveria ser agora seguido em Portugal.
Como ainda não fotografei uniões de pessoas do mesmo sexo, deixo aqui duas imagens de casamentos mais tradicionais, uma tirada na praia de Positano, no verão de 2004, num ambiente algo confuso em que os noivos passam quase despercebidos no meio da multidão
e outra que tirei a um casamento no Cairo, em Abril de 2006.
É curioso como a noiva italiana tem véu e um decote mais reduzido do que a egípcia (que além disso não tem véu), sendo também interessante o contraste dos trajes dos noivos com os das pessoas que os rodeiam.
2009-11-09
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5 comentários:
Um dia destes também escreverei sobre isto. Para já, só queria dizer que os seus argumentos sobre a ligação do casamento à probabilidade de ter e criar filhos têm um problema fundamental: se é por esse motivo que não se pode alargar o casamento a homossexuais, então também o deveriam proibir a pessoas que já não estão em idade fértil, ou pessoas que não têm condições para criar os filhos (estou a imaginar o clássico golpe do baú, a mocinha a casar com o velhinho - o que é uma irresponsabilidade em relação aos filhos que possam advir, que terão um pai-avô e serão provavelmente orfãos de pai em tenra idade).
Se queremos usar esse tipo de argumentos para excluir alguém do casamento, temos a obrigação de os levar até à última consequência.
Não percebo por que se está sempre a falar de «pares» de pessoas do mesmo sexo:
Sei explicar por que razão o casamento (propriamente dito) deve ser monogâmico, mas não entendo por que uma união de quatro homossexuais há-de ser mais errada que as uniões dos mesmos homossexuais, dois a dois.
Se o casamento é para quem pedir, independentemente de constituir uma família potencialmente com filhos, é justo que qualquer número de pessoas (ou de coisas) se possa casar.
Se a união homossexual for legalizada, não só é arbitrário fixar o número de cônjuges desses casamentos como não se percebe por que se hão-de excluir as coisas, os animais e as plantas.
Antes de mais: tem a certeza que ao dizer essas coisas tem presente que a dignidade humana é inviolável? Pode ter sido tresleitura minha, mas pareceu-me que estava a comparar homossexuais a coisas, plantas e animais.
O que eu não entendo é porque é que não permitem o casamento de um homem com várias mulheres - nomeadamente com as prostitutas que o excelente pai de família frequenta no fim do dia, quando já vai a caminho do lar doce lar. Tanto mais que essas senhoras até podem engravidar e tudo...
Estou a brincar, embora seja um caso muito sério: na prática, há todo um mundo de prostituição a tornar evidente que as coisas não são tão monogâmicas e plenas de moralidade como se diz.
Também não entendo porque é que lhe custa aceitar que homossexuais possam ter o desejo de constituir um casal com os direitos e os deveres do casamento "normal". Acha que o amor deles é diferente?
E, já agora, acha que um casal heterossexual que pratica sexo oral e anal também tem um amor diferente dos outros heterossexuais que não fazem "essas porcarias"?
Helena: o argumento sobre a eventual proibição de casamentos de pessoas que já não estejam em idade fértil, para existir consistência com a alegada importância de ter e criar filhos no casamento, tem dificuldades práticas muito importantes dado que seria sempre difícil estabelecer um limiar a partir do qual não seria possível celebrar um casamento. Na altura em que foi instituído o casamento civil ainda era mais difícil do que agora distinguir casais férteis de estéreis. Em relação a casais do mesmo sexo o problema do estabelecimento do limiar não se coloca pois sabe-se à partida que não poderão gerar crianças entre si. Parece-me assim possível, sem entrar em contradição, distinguir entre casais com uma probabilidade muito baixa de gerar filhos e casais com uma probabilidade exactamente nula. Claro que o legislador também poderá argumentar que, dada a possibilidade actual de celebrar casamentos entre pessoas com uma probabilidade quase nula de gerar filhos, poderá fazer sentido estender o casamento civil a pessoas do mesmo sexo. Eu estava a manifestar a minha preferência por uma separação de conceitos.
jj amarante,
entendo a sua perspectiva, mas parece-me uma simplificação.
O meu ponto de partida é o respeito pelas pessoas. O amor entre dois homens ou duas mulheres é tão digno de respeito como o amor entre um homem e uma mulher.
Parece-me que a base do casamento não é a possibilidade de vir a ter filhos, mas o amor e a vontade de constituir um casal como lugar de confiança, entrega e partilha.
(Uma outra questão é a dos motivos do Estado para se intrometer neste contrato entre duas pessoas. Já lá iremos.)
Enquanto os homossexuais não quiseram ter os mesmos direitos, ninguém fez muitas perguntas. Mas agora, que é preciso perceber melhor os motivos que há para lhes negar o matrimónio, torna-se cada vez mais claro que o famoso matrimónio é uma construção teórica em muitos casos bem diferente da realidade.
Na prática, há - e houve sempre - muitos outros motivos que levam as pessoas a casar. Desde interesse material até emancipação da família, passando pela aceitação social.
Ninguém - em nome da sociedade ou do Estado - exige (ou sequer pergunta) que o casal tenha filhos. Para poder contrair matrimónio, basta que um seja homem e outro mulher.
Não faz sentido obrigar uns (os homossexuais) a cumprir aquilo que não se exige aos outros (os heterossexuais).
Podemos discutir se faz sentido o Estado apoiar este contrato entre duas pessoas, fundado no amor, ou se só deveria entrar na fase em que há filhos, com o objectivo de proteger o ambiente em que estes irão crescer. Ou podíamos até inventar uma figura de matrimónio "ex post" - os casais começam por celebrar um contrato de união de facto, que transformarão em matrimónio depois do nascimento do primeiro filho.
Nesse caso, eu não teria problema em aceitar que os homossexuais não casem. Aí, ficariam em igualdade de circunstâncias jurídicas com os heterossexuais que não podem ou não querem ter filhos.
Finalmente, o seu exemplo sobre as outras democracias: não sei da francesa, ou da sueca, mas posso dizer-lhe que a estável democracia alemã coexiste com uma sociedade profundamente conservadora. Só para lhe dar um exemplo: quando a ministra da família tentou criar creches que permitam às mães recomeçar a trabalhar apesar de terem filhos pequenos, houve imensos protestos - as pessoas diziam que a ministra queria transformar as mulheres em "máquinas de parir".
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