Mostro outra imagem de Argel, com uma rua tão inclinada como as mais íngremes de Lisboa:
Falando do mundo árabe é para mim natural lembrar-me de Amin Maalouf, escritor libanês que conheci pela primeira vez através do livro “As cruzadas vistas pelos árabes”, um ensaio interessantíssimo, onde se tem acesso à memória histórica vista pelo “outro lado”, neste caso o lado não ocidental.
Já só tenho uma memória vaga do conteúdo do livro que me emprestaram, dele recordo a confirmação do comportamento nada fraterno dos cruzados nas terras do próximo oriente, de alguma surpresa com a quantidade enorme de guerras e desavenças entre os reinos árabes da região, do estado avançado da medicina árabe nessa época em relação às práticas ocidentais e da tomada de consciência que, nesta zona do globo em que as terras cristãs tinham fronteiras com o território muçulmano, um dos pormenores que as distinguiam eram os sinos de um lado e as chamadas dos muezzin para a oração do outro. Na Europa existem discussões actuais sobre este tema.
É interessante esta apropriação pelas religiões da marcação do tempo, na versão cristã mais discreta na expressão ao se limitar apenas ao toque dos sinos mas marcando a sua presença em todas as horas, enquanto na versão islâmica as chamadas de atenção são mais espaçadas no tempo mas a mensagem faz-se através da voz humana invocando o nome de Alá e não se trata de um mero toque mas de 5 chamadas por dia para a oração.
Escapa-me a necessidade de dois minaretes e/ou de duas torres de sinos, como é tão habitual em Portugal e, como constatei, na Argélia. Parece que uma torre seria suficiente. É provável que seja por uma questão de simetria, pois se a torre fosse única e ficasse no eixo do edifício colocaria restrições na entrada principal, mas parece desnecessário para a função ter duas torres.
Em Portugal passou-se por uma fase terrível, talvez nos anos 70 do século XX, em que apareceram uns aparelhos electrónicos que faziam uma cacofonia infernal nas aldeias e vilas, infernizando a vida nalgumas casas onde se deixou de poder dormir, tendo ocorrido grandes desavenças e conflitos entre o chamado “bem comum de fazer muito barulho” e o direito ao descanso dos residentes próximos das igrejas. Não sei se isso já acabou, deixei de ouvir queixas, talvez estejamos protegidos pelas leis contra o ruído. Gosto de me deitar tarde e em Arroios lembro-me de há muitos anos, quando estudava no silêncio da noite, ouvir tocar os sinos da igreja nas horas certas. Agora aqui nos Olivais não ouço sino nenhum.
Fiquei com a ideia que um amigo muçulmano me disse que lá também tinham tido um problema parecido, quando a voz potente do muezzin tinha sido substituída por gravações amplificadas a níveis insuportáveis.
Não sei se foi o caso desta outra mesquita de Argel que teria ficado bem não fora aquela varanda que lhe cortou, sem eu reparar na altura, a vista de um bocado do minarete da esquerda.
Em ambos os casos concluo que as torres se destinam a muezzins e não a sinos pelas varandas que as envolvem, característica que seria apenas decorativa numa torre de sinos, embora nalguns casos existam como miradouro.
Voltando ao tema das duas torres parece que os arquitectos se influenciam mutuamente na forma de fazer templos, independentemente da religião a que se destinam. Se predomina um formato numa dada zona é provável que esse formato seja continuado, com as adaptações indispensáveis, mesmo quando as religiões são diferentes. Foi o que observei na Turquia, com a semelhança entre o plano da igreja da Hagia Sofia e das mesquitas otomanas. Noutros casos notam-se semelhanças entre zonas relativamente próximas como observo aqui, entre estas mesquitas e as igrejas, por exemplo, do Sul da Europa.
Em Julho de 2009 Amin Maalouf esteve em Portugal numa conferência a propósito doutro livro seu, “O mundo sem regras”, que decorreu na Gulbenkian, com um pequeno vídeo aqui. Neste livro, também muito interessante, retive as esperanças que o mundo árabe depositou em Nasser e que tão frustadas saíram, bem como sugestões sensatas para o mundo cada vez mais globalizado em que vivemos.
Uma das formas de evitar as duas torres é fazer uma torre separada como acontece em várias igrejas italianas, por exemplo na catedral de Florença e na basílica de S.Marcos em Veneza.
Num exemplo mais terra a terra temos este campanário no bairro da Portela, uma igreja moderna com uma arquitectura algo confusa (mas muito mais discreta do que a fantasia que ameaça instalar-se no Restelo) com o plano principal em cruz grega, edifícios paroquiais e um campanário separado.
A maior “transparência” dos edifícios (e a presença do betão armado...) permite que se tenha um acesso visual ao carrilhão de sinos, como é patente nesta imagem onde se constata que além do badalo (a lingueta interna) existe no mesmo sino também um martelo exterior. Todo o conjunto tem aspecto de ser accionado por mecanismos controlados electricamente à distância.
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