2009-11-22

Amin Maalouf e os sinos

Mostro outra imagem de Argel, com uma rua tão inclinada como as mais íngremes de Lisboa:

Falando do mundo árabe é para mim natural lembrar-me de Amin Maalouf, escritor libanês que conheci pela primeira vez através do livro “As cruzadas vistas pelos árabes”, um ensaio interessantíssimo, onde se tem acesso à memória histórica vista pelo “outro lado”, neste caso o lado não ocidental.

Já só tenho uma memória vaga do conteúdo do livro que me emprestaram, dele recordo a confirmação do comportamento nada fraterno dos cruzados nas terras do próximo oriente, de alguma surpresa com a quantidade enorme de guerras e desavenças entre os reinos árabes da região, do estado avançado da medicina árabe nessa época em relação às práticas ocidentais e da tomada de consciência que, nesta zona do globo em que as terras cristãs tinham fronteiras com o território muçulmano, um dos pormenores que as distinguiam eram os sinos de um lado e as chamadas dos muezzin para a oração do outro. Na Europa existem discussões actuais sobre este tema.


É interessante esta apropriação pelas religiões da marcação do tempo, na versão cristã mais discreta na expressão ao se limitar apenas ao toque dos sinos mas marcando a sua presença em todas as horas, enquanto na versão islâmica as chamadas de atenção são mais espaçadas no tempo mas a mensagem faz-se através da voz humana invocando o nome de Alá e não se trata de um mero toque mas de 5 chamadas por dia para a oração.

Escapa-me a necessidade de dois minaretes e/ou de duas torres de sinos, como é tão habitual em Portugal e, como constatei, na Argélia. Parece que uma torre seria suficiente. É provável que seja por uma questão de simetria, pois se a torre fosse única e ficasse no eixo do edifício colocaria restrições na entrada principal, mas parece desnecessário para a função ter duas torres.

Em Portugal passou-se por uma fase terrível, talvez nos anos 70 do século XX, em que apareceram uns aparelhos electrónicos que faziam uma cacofonia infernal nas aldeias e vilas, infernizando a vida nalgumas casas onde se deixou de poder dormir, tendo ocorrido grandes desavenças e conflitos entre o chamado “bem comum de fazer muito barulho” e o direito ao descanso dos residentes próximos das igrejas. Não sei se isso já acabou, deixei de ouvir queixas, talvez estejamos protegidos pelas leis contra o ruído. Gosto de me deitar tarde e em Arroios lembro-me de há muitos anos, quando estudava no silêncio da noite, ouvir tocar os sinos da igreja nas horas certas. Agora aqui nos Olivais não ouço sino nenhum.


Fiquei com a ideia que um amigo muçulmano me disse que lá também tinham tido um problema parecido, quando a voz potente do muezzin tinha sido substituída por gravações amplificadas a níveis insuportáveis.

Não sei se foi o caso desta outra mesquita de Argel que teria ficado bem não fora aquela varanda que lhe cortou, sem eu reparar na altura, a vista de um bocado do minarete da esquerda.

Em ambos os casos concluo que as torres se destinam a muezzins e não a sinos pelas varandas que as envolvem, característica que seria apenas decorativa numa torre de sinos, embora nalguns casos existam como miradouro.

Voltando ao tema das duas torres parece que os arquitectos se influenciam mutuamente na forma de fazer templos, independentemente da religião a que se destinam. Se predomina um formato numa dada zona é provável que esse formato seja continuado, com as adaptações indispensáveis, mesmo quando as religiões são diferentes. Foi o que observei na Turquia, com a semelhança entre o plano da igreja da Hagia Sofia e das mesquitas otomanas. Noutros casos notam-se semelhanças entre zonas relativamente próximas como observo aqui, entre estas mesquitas e as igrejas, por exemplo, do Sul da Europa.

Em Julho de 2009 Amin Maalouf esteve em Portugal numa conferência a propósito doutro livro seu, “O mundo sem regras”, que decorreu na Gulbenkian, com um pequeno vídeo aqui. Neste livro, também muito interessante, retive as esperanças que o mundo árabe depositou em Nasser e que tão frustadas saíram, bem como sugestões sensatas para o mundo cada vez mais globalizado em que vivemos.

Uma das formas de evitar as duas torres é fazer uma torre separada como acontece em várias igrejas italianas, por exemplo na catedral de Florença e na basílica de S.Marcos em Veneza.

Num exemplo mais terra a terra temos este campanário no bairro da Portela, uma igreja moderna com uma arquitectura algo confusa (mas muito mais discreta do que a fantasia que ameaça instalar-se no Restelo) com o plano principal em cruz grega, edifícios paroquiais e um campanário separado.



A maior “transparência” dos edifícios (e a presença do betão armado...) permite que se tenha um acesso visual ao carrilhão de sinos, como é patente nesta imagem onde se constata que além do badalo (a lingueta interna) existe no mesmo sino também um martelo exterior. Todo o conjunto tem aspecto de ser accionado por mecanismos controlados electricamente à distância.


2009-11-15

Argel

A imagem do casamento no Cairo fez-me recordar uma viagem a Argel em 2006, em que o número de antenas parabólicas neste prédio me pareceu como um indício de abertura ao exterior. Também alguma incapacidade de chegar a consensos na instalação de equipamentos colectivos...


A cidade não tem grandes atracções turísticas mas gostei dos prédios brancos com janelas azul turquesa e varandas de ferro forjado, a precisar de alguma conservação.


Ficaram poucas mulheres nesta foto, na rua havia muito mais homens que mulheres.


Na altura o fim-de-semana era à quinta e sexta-feira, sendo este último o dia da oração principal do Islão. Nos outros países do norte de África as fábricas e escritórios fecham ao sábado e domingo, o mesmo acontecendo na Argélia após a independência. Há uns 15 anos, numa aparente cedência aos movimentos islâmicos mudaram para a 5ª e 6ªfeira, o que dificultava os contactos entre firmas argelinas e estrangeiras.

Desde Julho de 2009 que passaram a descansar às sextas e sábados, passando assim a ter 4 dias úteis em comum com a maior parte do mundo. É uma reaproximação que penso ter passado despercebida para muita gente.

2009-11-09

Do casamento

Este blogue não tem manifestado de forma explícita as opiniões do seu autor sobre temas da actualidade mas não há regra sem excepção e este post é disso um exemplo.

Tenho seguido com algum interesse a discussão sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo, tema abordado de vez em quando em vários dos blogues referidos na lista de ligações.

Por muito que tente não consigo deixar de me surpreender com os excessos dos argumentos usados nas discussões em Portugal, nomeadamente à volta deste tema.

Dada a evolução que se tem observado nas últimas décadas, quer no conhecimento quer na forma como é encarada no Ocidente a homosexualidade, parece-me chegado o tempo de possibilitar, a pessoas do mesmo sexo que pretendam levar uma vida em comum, o acesso a um conjunto de efeitos jurídicos mais completo do que a actual união de facto e que seja praticamente idêntico ao actual casamento civil.

O casamento civil, na sua forma tradicional no Ocidente e em Portugal, com cerca de 150 anos, sempre esteve associado à geração e criação de filhos. O estabelecimento de um relacionamento estável entre os noivos tinha como um dos objectivos principais criar as condições para que o esforço prolongado de formação e educação das crianças se fizesse no seio de uma relação afectiva estável. O casamento civil em Portugal foi criado não para negar o aspecto muito importante da procriação neste instituto, mas para retirar à igreja católica a exclusividade da celebração deste tipo de união.

Claro que nem todos os casais eram férteis mas negar a importância dos filhos no casamento é semelhante a dizer que o cinto de segurança não tem qualquer relevância para a integridade física de quem o usa porque em x por cento dos acidentes não melhora a condição de quem o colocou.

A extensão pura e simples do casamento na sua forma actual a pares de pessoas do mesmo sexo afecta assim de forma muito importante os casamentos existentes, ao negar qualquer relevância à componente de geração de filhos desses casamentos.

Tenho dúvidas também em relação à adopção de crianças por pares de pessoas do mesmo sexo e considero prudente não adoptar desde já essa possibilidade.

Um aspecto que me surpreendeu quando da discussão da despenalização do aborto foi existirem pessoas que falavam como se fôssemos o primeiro país a aprovar leis deste tipo.
Nas discussões agora sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo ouve-se argumentar que qualquer cidadão com um mínimo de decência não pode senão apoiar a extensão pura e simples do casamento actual a pares de pessoas do mesmo sexo.

Existem democracias respeitáveis, como por exemplo a francesa, a inglesa e a alemã, em que os legisladores consideraram melhor criar um estatuto muito semelhante ao do casamento actual mas com algumas diferenças, designadamente sobre a possibilidade de adopção e consequentemente com um nome diferente. É esse o caminho que me parece que deveria ser agora seguido em Portugal.

Como ainda não fotografei uniões de pessoas do mesmo sexo, deixo aqui duas imagens de casamentos mais tradicionais, uma tirada na praia de Positano, no verão de 2004, num ambiente algo confuso em que os noivos passam quase despercebidos no meio da multidão



e outra que tirei a um casamento no Cairo, em Abril de 2006.



É curioso como a noiva italiana tem véu e um decote mais reduzido do que a egípcia (que além disso não tem véu), sendo também interessante o contraste dos trajes dos noivos com os das pessoas que os rodeiam.

2009-11-06

As regras da deusa Maat

A Helena descobriu as regras da deusa Maat, que lhe foram reveladas pelo Pepiseneb, sobre as pinturas egípcias que eu mostrara (entre outros posts) aqui.

Mostro agora a própria deusa Maat, referida pela wikipédia aqui, numa foto de Sandro Vannini que fui buscar aqui. É mais caracterizada pela peninha na cabeça do que pelas asas, que aparecem também noutras deusas.


2009-11-02

Montreal


As plumas iluminadas do jardim botânico de Montreal levaram-me a rever algumas imagens que guardei desta cidade, quando a visitei em Setembro de 2003. Esta mostra uma zona central de escritórios. Constato com alguma surpresa que, mesmo neste tempo de globalização, ainda não foi possível normalizar completamente os sinais de trânsito, aquele sinal com uma orla verde a envolver as setas pretas teria um fundo azul e setas brancas na Europa.

Da janela do hotel via-se ao longe um conjunto de casas estranho, constituído por vários paralelepípedos deixando espaços entre si.



Com a ajuda do Google Images, usando as palavras “Montreal” e “architecture” foi fácil identificar esta construção como o conjunto Habitat, do arquitecto Moshe Safdie, construído para a Expo Universal de 1967, que foi um enorme sucesso, designadamente no número de visitantes que conseguiu atrair. Foi um evento com alguns percalços, foi durante ele que rebentou a guerra dos 6 dias, e foi durante a visita do general De Gaulle à exposição que ele exclamou “Vive le Québec libre!”, suportando em território canadiano o movimento separatista do Québec. Portugal não se fez representar nesta Expo, a existência da guerra colonial em África deve ter contribuído para essa ausência.

Noutra ocasião tirei esta foto ao mesmo conjunto, erguido nas margens do rio de São Lourenço, que escoa as águas do lago Ontário para o oceano Atlântico.




Tenho algumas reticências em relação a formas muito inovadoras na arquitectura para habitação, pois a experiência tem-me mostrado que existem muitos arquitectos que sacrificam o conforto e/ou a economia da construção e manutenção do edifício à originalidade da forma. Neste caso vejo uma dificuldade acrescida no isolamento térmico pois o conjunto apresenta uma maior superfície de contacto com o exterior do que numa forma mais compacta, o que será uma desvantagem apreciável num sítio com invernos tão rigorosos. Mas o conjunto é visualmente muito animado e inquestionavelmente original.

Na proximidade do jardim botânico está o estádio olímpico, construído em 1976, com o que era a maior torre inclinada do mundo. Os cabos de aço servem para içar a lona de grandes dimensões que faz a cobertura do estádio.





Ainda da janela do hotel vi, um pouco mais para a esquerda uma esfera transparente, que nesta imagem ficou no canto inferior esquerdo



Outra vez nas margens do rio S.Lourenço, no mesmo sítio em que fotografei o conjunto Habitat, fixei também esta imagem da Biosfera, a cúpula geodésica que constituiu o pavilhão dos Estados Unidos da América na Expo67, que tinha posteriormente sido abandonada mas recuperada há relativamente pouco tempo.



A construção de cúpulas geodésicas foi defendida de forma entusiástica por Buckminster Fuller que achava, com uma certa razão, que deveríamos ter acesso a habitações de construção mais económica. Infelizmente as cúpulas geodésicas apresentam habitualmente problemas de infiltração de água muito difíceis de resolver pelo que, sendo construções de grande beleza, não têm tido a aplicação generalizada que em tempos se pensou que lhes estava reservada.

E termino este post mostrando uma molécula C60, descoberta pela primeira vez em 1985, composta por 60 átomos de Carbono, a que foi dado o nome de “Buckminsterfullerene”, por vezes chamada de “Bucky ball”, numa foto que tirei com o meu telemóvel à entrada do Pavilhão do Conhecimento no Parque das Nações (antiga Expo 98) em Lisboa.