Em tempos fiz aqui o elogio da cópia, uma estratégia de sucesso, uma característica essencial da vida sobre a Terra.
A cópia é o que nos permite evitar o esforço de reinvenção de coisas já inventadas, não precisamos de reinventar a roda.
Mas a cópia encerra os seus perigos, aplicada aos comportamentos traz o espírito de rebanho, de carneirada, traz o espírito conformista, seguidor da autoridade, da falácia do magister dixit, da demissão de se pensar pela própria cabeça, de fazer avaliações ou de assumir responsabilidades.
Foi aparentemente o que se passou com o BCE- Banco Central Europeu que “outorgou” às agências de notação americanas uma extensão à Europa do poder que já tinham no mercado norte-americano, demitindo-se de fazer as suas avaliações de risco e delegando essa tarefa nas referidas agências.
O meu problema com as agências de rating é que elas ultrapassam actualmente em muito o seu papel inicial de emissoras de opinião pois muitos fundos estão obrigados pelos seus estatutos (em consequência de normas estabelecidas pela SEC) a seguir as notas que elas dão. As opiniões delas transformaram-se assim em ordens directas a muitos agentes, destruindo a diversidade essencial ao mercado e introduzindo riscos semelhantes aos das ditaduras e do planeamento centralizado. Ao contrário do que dizem, as agências de rating não são o mercado, são a negação do mercado. Aliás não sei porque não foram ainda objecto de acções anti-trust. Será por o pessoal achar que oligopólios só são nocivos na actividade industrial e que não têm importância no sector financeiro?
Lembro-me há muito tempo da irritação que me causava a negação pelos marxistas da possibilidade de existir um raciocínio neutro sobre o que quer que fosse, qualquer posição sobre qualquer asssunto reflectia inexoravelmente uma posição de classe, era impossível ter uma posição independente. O raciocínio levado ao seu extremo tomava um cariz do tipo religioso quando a crença é usada para negar a existência de uma realidade objectiva e independente da nossa vontade. Mas constato agora que quando se afirma em economia a existência de uma realidade objectiva, uma vez que a maior parte das leis da economia são feitas por seres humanos, se está na maior parte dos casos a defender a tese que existe um subconjunto das leis da economia que não podem ser alteradas, designadamente pelo povo ignaro, a quem mais não resta do que se submeter ao governo dos seres superiores que pontificam nas agências de notação e noutras instituições independentes do poder político mais ou menos democrático. E se os governos têm interesses, parece-me inacreditável tentar passar a ideia que os privados são desprovidos de interesses e que lhes é tão fácil agir de forma “independente”. “Independente” de quê?
Constatei como muita gente que quando as agências de notação emitem os seus palpites existem sempre aliados potenciais dos mesmos. Antes das eleições a actual maioria manifestava a opinião que bastaria livrar-nos do governo do PS para os “mercados” nos verem com outros olhos. A recente classificação da Moody’s trouxe-lhes uma desilusão mas deu-lhes ao mesmo tempo uma oportunidade de contribuir para a educação do povo. Subsistem dois tipos de aliados das agências de rating que classificam a dívida soberana portuguesa como lixo: os que consideram que a UE não estabeleceu mecanismos satisfatórios para evitar a bancarrota da Grécia, Irlanda e Portugal, e os que acham que temos que fazer reformas muito mais profundas do que as propostas por este governo. O nosso país deveria ter um Regime, uma Constituição, Leis e Regulamentos todos feitos por esse conjunto de seres superiores que, à semelhança da vanguarda da classe operária noutros tempos, também sabem o que é verdadeiramente bom para todos nós.
Mas este texto já vai longo, tanta gente já falou sobre isto que passo a mostrar esta imagem do Mestre de (do Marechal) Boucicaut que iluminou magnificamente o livro de horas referido aqui. Trata-se também de um anúncio, não de uma notação mas da Anunciação do nascimento de Jesus Cristo à Virgem Maria.
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