Na minha segunda viagem à Índia, em 1993, aconselharam-me este livro “May you be the mother of a hundred sons”, escrito por Elisabeth Bumiller, uma jornalista americana, repórter do Washington Post, que chegou à Índia em 1985, viveu lá até 1988 e publicou este livro em 1990.
O tempo voa e já passaram entretanto 21 anos desde que o livro foi publicado e cada ano que passa está um ano mais desfasado da realidade em que foi escrito, mas os costumes enraizados nas sociedades não desaparecem dum dia para o outro e muita coisa ainda será actual.
Nestes olhares de estrangeiros sobre um país existe sempre o risco da incompreensão duma sociedade estranha e de analisar uma sociedade usando os preconceitos da sua. A autora é realmente americana mas acho que fez um bom trabalho, trazendo o benefício da análise sem os preconceitos da sociedade analisada.
Quando o li lembro-me que gostei muito do livro, na descrição duma sociedade com costumes tão diferentes da portuguesa, mas ao fim de tantos anos retive quase apenas que existia um problema terrível com o dote que as raparigas tinham que levar para o casamento, dote esse que levando à ruína os pais conduzia por vezes ao infanticídio. Lembro-me de ser referido uma bebida com ervas que punha as meninas “a dormir”. Nas famílias mais abastadas o problema do dote também existia, mas era resolvido através de abortos selectivos em função do sexo do feto.
Face a este problema, o dos casamentos arranjados pareceu-me menos importante.
Lembro-me também duma referência a uma esposa do marajá de Jaipur e à sua vida faustosa que me levou a comprar o livro “A princess remembers” de que falei aqui e aqui, onde refiro que, embora o marajá fosse hindu e não muçulmano, resguardava a esposa dos olhares dos seus súbditos indianos, à semelhança do que acontecia com as esposas dos homens (muçulmanos) importantes do Afganistão.
Lembro-me ainda da importância da bosta de vaca na vida das pessoas pobres que a usavam como combustível e de ver imensas casas pequenas de camponeses, na estrada de Agra para Jaipur, cobertas de bosta de vaca a secar.
Este tema recordou-me o livro de David S. Landes, “A riqueza e a pobreza das nações” quando ele diz que o uso da bosta de vaca como combustível para cozinhar os alimentos em casas muitas vezes sem chaminé causa imensos problemas respiratórios nas famílias camponesas pobres da Índia que, vivendo tão perto da Natureza, têm afinal que enfrentar uma poluição atmosférica bem pior do que a existente em muitas cidades. Também não me consigo esquecer dele dizer que muita gente do campo gastava à volta de 4 horas por dia para recolher uns gravetos de lenha para o cozinhado diário. Uma pessoa nem se apercebe da facilidade de rodar o botão do fogão a gás e ter ali imediatamente disponível o combustível necessário para cozinhar.
Nas sociedades ocidentais existia este hábito do dote que nalgumas circunstâncias parecia fazer algum sentido económico. Era o caso das classes abastadas em que como a mulher se tinha que abster de qualquer tarefa remunerada, acabava por constituir um encargo para o marido pelo que o dote compensava essa expectável inactividade futura.
No caso das famílias camponesas pobres da Índia a mulher trabalhava duramente no campo, ganhando não só o seu sustento mas contribuindo também para o sustento da família. Neste contexto em que a “empresa familiar” recebia um “meio de produção” e não uma “despesa” qual o sentido do “meio de produção” ir acompanhado de um dote? A única explicação que consigo encontrar é a cópia mecânica e desajustada de costumes com eventualmente algum sentido económico nas classes abastadas, criando uma situação completamente absurda nas classes mais pobres.
O déficit de mulheres na Índia, que referi numa tabela (em que os valores indianos são de 2009, mostrando a permanência do problema) na parte final dum post que publiquei há pouco tempo, tem sido referido por gente muito famosa, designadamente por Amartya Sen (nobel de economia que recebeu neste mês de Março um doutoramento honoris causa na Universidade de Coimbra) em “More-than-100-million-women-are-missing”.
Tive dificuldade em escolher uma imagem para ilustrar este déficit de mulheres na Índia.
Acabei por escolher esta, que mostra um conjunto de homens a lavar a roupa em Mumbai, junto ao oceano Índico no bairro de Bandra.
Não é que eu sinta a falta das lavadeiras que havia em Portugal, mas é curioso constatar como se estabelece que uma profissão é mais adequada para um dos sexos do que para o outro e depois essa convenção perdura por muito tempo, embora sociedades diferentes usem convenções diferentes. E é evidente que tirei a foto porque a convenção indiana era diferente da portuguesa.
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1 comentário:
Ainda bem que faz este esclarecimento final, Jj. Cheguei a pensar vê-lo defender que a lavagem da roupa é exclusiva do pelouro feminino… ;-D
P.S.: Há um livro, salvo erro do Amin Maalouf, «Le Premier Siècle après Béatrice», que ficciona sobre as consequências de um eventual favorecimento, por via farmacológica, dos nascimentos masculinos e da consequente falta de mulheres em certas partes do mundo. É o «Armagedão»!
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