2019-05-09

Os Números como Figuras de Retórica


A maioria dos comunicadores de Portugal não gosta de números, gosta mais de truísmos como "as pessoas não são números" e outras frases parecidas, que servem como barreira a qualquer discussão baseada em factos que apresentem características que faz sentido quantificar.

Uma consequência é que qualquer número que apareça num jornal no meio de uma notícia tem que ser verificado, pois a probabilidade de ser incorrecto é muito elevada.

No caso da recente análise da UTAO (Unidade Técnica de Apoio Orçamental da Assembleia da República) ao custo da recuperação integral do tempo de serviço o jornal Expresso noticiou na sua edição online de 8/Maio/2019, que segundo cálculos da UTAO, o impacto da recuperação referida seria um terço inferior ao valor apresentado pelo ministro Centeno conforme se constata na figura



onde se refere que seria "30% abaixo".

Entretanto esta manhã, no Expresso Cuto que recebo por e-mail, na versão das 8:41
referia que "a contagem integral do tempo dos professores custa menos de um terço do que o anunciado por Mário Centeno":




Bem sei que provavelmemnte foi involuntariamente acrescentado um "de", tendo ficado "custa menos de um terço" (portanto menos de 33%) onde deveria estar "custa menos um terço" (portanto 67%) mas é aborrecido tropeçar nestes enganos.

Antes de 1988 os funcionários públicos estavam isentos do pagamento do imposto profissional porque se considerava que não fazia sentido o Estado estar por um lado a pagar o salário e no mesmo instante a reter o imposto. Porém, com a introdução do IRS em 1988 e consequente extinção do imposto profissional e de outros impostos "cedulares" então existentes considerou-se na altura que seria melhor tratar fiscalmente os funcionários públicos da mesma forma que os outros trabalhadores por conta de outrem, como me parece ser o caso nos países da OCDE. Mesmo assim as comparações dos vencimentos dos funcionários públicos com os dos outros trabalhadores por conta doutrem são muitas vezes mal feitas por ignorarem que a média das qualificações dos funcionários públicos é maior do que a média dos outros trabalhadores.

Não tive acesso aos pressupostos das contas da UTAO que não foram divulgados  à população em geral mas o que tenho ouvido suscita-me as maiores reservas sobre a validade desses cálculos e a oportunidade da divulgação dos mesmos da forma parcial como foi feita, sem referência aos seus numerosos pressupostos. 

Parece-me que a divulgação como foi feita se destina a fornecer  munições retóricas contra o governo, em vez de contribuir para uma discussão serena (na medida do possível...) deste assunto.



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