Talvez pela minha educação católica sempre mantive alguma distanciação em relação ao trabalho, que diz na Bíblia ser um castigo devido ao pecado original. Era portanto coisa que se tinha que suportar mas pela qual não era necessário ter grande entusiasmo. Nos anos 60 do século XX, nos tempos em que a cultura francesa ainda tinha uma presença significativa em Portugal, falava-se da Civilisation des loisirs que verifiquei agora ter uma entrada na Wikipédia que, curiosamente ou talvez nem tanto, existe apenas numa versão em língua francesa! Em Português diz-se “Civilização do Lazer” enquanto em inglês, os súbditos de sua majestade usam o termo “Leisure class”, sugerindo assim que o lazer se deveria restringir a uns happy few.
Já não me lembro se cheguei a ler “O Direito à Preguiça” de Paul Lafargue”, editado em português provavelmente pela Dom Quixote, mas de certeza que li pelo menos algumas passagens e que simpatizei com a ideia geral de que não se deve viver obcecado pelo trabalho.
Claro que existem trabalhos muito interessantes e absorventes mas, sendo infrutífero andar explicitamente à procura da felicidade, a via do trabalho obsessivo não será melhor do que qualquer outra.
Nesses tempos li que a “Civilização do Lazer” não seria nenhuma pêra doce, as pessoas habituadas a horários de trabalho muito extensos teriam dificuldades em se adaptar a horários mais reduzidos, pelo que me preparei cuidadosamente para a nova situação, infelizmente em vão.
Quando entrei na CPE (Companhia Portuguesa de Electricidade) em Maio/1976, o horário semanal dos engenheiros era de 36 horas. Entretanto, na criação da EDP em Julho/1976, houve um movimento de uniformização de horários de trabalho (existiam empresas que foram integradas na EDP em que alguns dos trabalhadores tinham 48 horas de trabalho semanal, 8 horas/dia, 6 dias/semana) adoptando-se o horário único de 40 horas/semana, com um ligeiro aumento do salário para compensar a passagem das 36 para 40 horas, aumento esse rapidamente erodido pela inflação elevada da época.
Na altura havia imenso desemprego (para os padrões de então...) e já nessa altura me parecia absurdo aumentar o horário de trabalho quando existiam tantos desempregados, mas parece ser uma idiossincrasia própria, nenhum governante alguma vez partilhou esta minha opinião.
Os sindicatos são também pouco sensíveis à redução do horário de trabalho, com consequente redução do salário, talvez receiem admitir que os trabalhadores poderiam viver com um salário ligeiramente menor.
O meu interesse por estes temas levou-me a ler recentemente o livro de Jeremy Rifkin “The End of Work”, publicado em 1995, em que o autor defende a tese que, enquanto nas revoluções económicas anteriores a supressão de postos de trabalho num sector era compensada pela criação de novos postos de trabalho noutro sector, estamos agora a assistir à supressão de postos de trabalho no sector de serviços a que não corresponde a criação de postos de trabalho em número equivalente em nenhum outro sector.
Dadas estas circunstâncias seria necessário desligar o acesso a um rendimento de subsistência da prestação de trabalho remunerado para uma parte significativa da população, incapaz de encontrar um posto de trabalho adequado às suas capacidades. Em Portugal, no final de Junho/2012 cerca de 339 000 pessoas recebiam o Rendimento Social de Inserção, número impensável há poucas décadas e que continua a crescer.
Não sei o que nos reserva o longo prazo quanto à evolução do número de pessoas a receber RSI ou uma prestação semelhante mas este mini-armazém robotizado que fotografei numa farmácia em Portimão
em que o funcionário ao balcão escrevia o nome do remédio no computador e a respectiva embalagem aparecia passados instantes numa abertura na parede por trás do balcão, não augura grande futuro de emprego, por exemplo, aos trabalhadores que antigamente arrumavam as embalagens dos remédios nas estantes das farmácias. Disseram-me depois que os próprios robots, além de irem buscar as embalagens, também as arrumam nas prateleiras!
2 comentários:
Caro Amarante,
Gostei bastante desta tua nota sobre o apregoado «Fim do Trabalho».
De novo, encontro aqui referências a livros e a leituras que também fiz.
Eis um tema que merece a nossa especial atenção.
O Voltaire, no Cândido, recomendava o Trabalho, como forma de nos poupar a pelo menos 3 grandes males : a miséria, o tédio e o vício ( le besoin, l'ennui et le vice ).
Mais tarde, os Nazis inscreveram nos portões dos campos de concentração aquele dístico terrível : Arbeit macht Frei ( O Trabalho Liberta ), que parece um aproveitamento perverso da recomendação de Voltaire.
Hoje, vemos a Humanidade quase a mendigar «um trabalho»,um emprego, uma possibilidade de ganhar dinheiro para prover à sua subsistência, baixando critérios de exigência que o contexto geral de presente crise largamente condicionou.
Tudo isto, deixa a milhas as miragens optimistas de Alvin Tofler e de outros ingénuos ou demagogos que ainda não há muito nos acenavam com um futuro cada vez mais risonho, em que o lazer acabaria por prevalecer.
Em lugar disso, vemos crescer horário laborais, com a redução contínua de regalias remuneratórias e sociais.
Algo está a mudar no horizonte e, desta feita, não parece nada animador.
Entretanto que fazer ?
Desesperar, certamente que não.
Mas, na verdade, ainda não atinámos com o caminho das possíveis soluções...
Um abraço.
Caro António Viriato
Também acho que o trabalho não está para acabar em breve. O que talvez acabe é o poder desta parte da classe dominante que não consegue verdadeiramente dominar, como digo num post que escrevi hoje neste blogue.
Abraço.
Enviar um comentário