Este meu texto foi publicado inicialmente
em 14/07/2017 neste post do blog "
Delito de Opinião"
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O esquerdista acidental
Na vida das sociedades existem duas tendências antagónicas, para a mudança e para preservar o que se alcançou.
Poderíamos dizer que a primeira é progressista e a segunda conservadora. Mas tratam-se de classificações apressadas porque por vezes as mudanças são feitas para regressar a situações anteriores enquanto o progresso se faz encontrando soluções inovadoras.
Existe outro par de tendências antagónicas que corresponde melhor à distinção entre esquerda e direita, enquanto a esquerda sublinha a igualdade essencial de todos os seres humanos a direita sublinha as diferenças entre seres humanos, que também são essenciais à humanidade, somos todos iguais mas também todos diferentes.
A origem da classificação esquerda/direita vem da revolução francesa em que os deputados do lado esquerdo da assembleia davam prioridade à igualdade enquanto os do lado direito davam prioridade às diferenças vincadas entre as classes sociais que existiam no anterior regime.
Como a distribuição da riqueza era então muito desigual em relação à contribuição de cada um, a esquerda foi conotada em toda a parte com o desejo de mudança enquanto a direita com a manutenção do
statu quo.
Mas quando após muitos anos as mudanças introduzidas pela esquerda começaram a ser consideradas excessivas nalguns países, observou-se uma maior apetência pela mudança pela parte da direita enquanto a esquerda se batia pela manutenção das regras entretanto estabelecidas.
Talvez tenha sido a revolução industrial ocorrida na Europa que criou condições para uma partilha da riqueza muito mais equitativa do que a que existira na Idade Média. Em Portugal a revolução industrial foi muito tímida, devido à nossa situação periférica, à catástrofe pombalina da educação (de repente 20000 alunos do “secundário” ficaram sem professores devido à expulsão dos Jesuítas), às lutas entre absolutistas e liberais no século XIX. Na primeira metade do século XX tão pouco houve grandes progressos em Portugal, tendo chegado a 1950, metade do século XX, com uma pobreza confrangedora e uma taxa de analfabetismo de 42% (fonte:
António Candeias et al. (2007): Alfabetização e Escola em Portugal nos Séculos XIX e XX. Os Censos e as Estatísticas, mostrada na tabela a seguir), um valor único e inacreditável na Europa a que alegadamente pertencíamos!
Ano Analfabetismo Variação
1900 73% -----
1911 69% -4%
1920 65% -4%
1930 60% -5%
1940 52% -8%
1950 42% -10%
1960 33% -9%
1970 26% -7%
1981 21% -5%
1991 11% -10%
2001 9% -2%
Devido a esta herança de falta de formação que temos tido dificuldade em encontrar profissionais competentes quer na prestação de serviços quer na manutenção de máquinas, sendo preferida a solução de deitar fora e comprar novo, muitas vezes representando um desperdício de capital.
Mesmo agora sofremos deste
handicap, quer na manutenção quer nas despesas de funcionamento corrente, como por exemplo no sistema de videovigilância dos paióis de Tancos que estava há dois anos avariado antes do roubo de há dias, no SIRESP que tem má
performance nas situações de crise em que teria maior utilidade, na falta de verba para manutenção e funcionamento dos aparelhos de ar condicionado das escolas reabilitadas no programa da Parque Escolar, etc.
Claro que o esforço na formação deu os seus frutos, a qualidade e consistência de muitos serviços melhoraram imenso nestes últimos 40 anos, como por exemplo no serviço nacional de saúde, no ensino, no fornecimento da electricidade, da água, do gás, dos telefones do acesso à internet, no saneamento, no tratamento do lixo e em tantos outros sectores que costumam ser noticiados apenas quando ocorrem grandes problemas.
Mas partindo tão atrasado o país continua na cauda da Europa em muitos indicadores e uma pessoa com tendências conservadoras como eu, que aprecia ver as coisas a funcionar consistentemente bem, não se pode dar por satisfeita apenas com o que se alcançou, vendo-se forçada a apoiar mudanças para uma distribuição mais equitativa da riqueza, que ainda está mais desigual do que a média da União Europeia, sendo a razão principal do nosso atraso.
Ou numa frase: para ser conservador era preciso que o país estivesse muito melhor.
É o que me torna num esquerdista acidental.
jj.amarante
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