Há pouco tempo em Hamburgo nesta livraria/galeria de arte Felix Jud, na Neuer Wall 13, 20354 Hamburg, ao pé da Câmara Municipal
reparei no quadro ali ao fundo que mostro melhor a seguir
Engracei com o quadro, pedi autorização à pessoa da loja para o fotografar e perguntei o nome do autor. A pessoa disse-me que o autor se chamava Hein e que o modelo era uma senhora americana, tendo o quadro poucos anos. Não levei máquina fotográfica desta vez pelo que tive que usar o telemóvel. Das 3 ou 4 fotos que tirei seleccionei uma em que depois pintei o corrimão com o preto do quadro, usando um programa simples de retoque de imagens digitais.
Obtive assim esta imagem, que é pouco satisfatória mas que foi o melhor que consegui a partir das fotos do telemóvel.
Julgo que o fundo preto é bastante uniforme no original mas o quadro estava a ser iluminado por cima, donde a diferença que se nota na intensidade da cor preta.
O que vemos é o resultado de um processamento intenso do nosso cérebro e neste caso parece-me adivinhar um vestido preto que olhando com atenção constato que não está lá. No entanto, o pequeno decote e os ombros cobertos sobre os quais caem os cabelos são uma sugestão suficiente para me parecer que estou a ver alguma coisa.
Gosto desta representação minimalista, relativamente original mas que foi usada por pintores flamengos, geograficamente próximos de Hamburgo, naquelas noites compridas de Inverno em que ficavam à luz das velas e, no meio dum negro de breu, só tinham que pintar meia-dúzia de pequenos motivos que a fraca luz das velas tornava visíveis, como neste auto-retrato de Rembrandt aqui ao lado.
Fiquei a pensar porque seria que a imagem desta mulher me parece contemporânea, digamos depois dos anos 70 do século XX. A ausência de chapéu, ou de qualquer véu a cobrir a cabeça será uma indicação, a simplicidade aparente do penteado será outra. Sugeriram-me que a ausência de jóias num retrato formal para a posteridade seria ainda outro indício e cheguei a ir rever este 500 Years of Female Portraits in Western Art
mas não consegui chegar a uma conclusão inteiramente satisfatória sobre a essência do aspecto contemporâneo. E se o essencial são os cabelos soltos e lisos pergunto-me porque não se lembraram de os usar assim há uns séculos atrás. Talvez porque não existiam shampôs com a qualidade suficiente, a contemporaneidade afinal baseia-se na química dos shampôs.
Entretanto a pintura apenas do rosto e das mãos fez-me lembrar um pequeno livro para turistas sobre a deslumbrante biblioteca Piccolomini, na catedral de Siena em Itália, em que aprendi, relativamente ao contrato das pinturas dessa sala, que “
a totalidade dos rostos teria que ser executada por Pintoricchio, uma vez que era comum as partes de menor responsabilidade, serem executadas por aprendizes que trabalhavam para o pintor principal” conforme referi no post sobre a biblioteca atrás linkado.
Agora digitalizei a capa do pequeno livro para turistas e coloquei-a aqui
podendo-se constatar que nenhuma das caras tem um arranjo dos nossos tempos. Trata-se do encontro do imperador do Sacro Império Romano-Germânico Frederico III com a
princesa Leonor de Portugal (filha do rei D.Duarte e de Leonor de Aragão).
O dote da princesa foi substancial, levando alguma liquidez ao tesouro exaurido do imperador alemão, se calhar estava a ficar sem fundos para alimentar o seu funcionalismo público, acontece a toda a gente, o casamento foi em 1452, um ano antes da queda de Constantinopla.
Mas voltando ao tema dos rostos e do seu contexto nos retratos lembrei-me ainda deste quadro de Velazquez, exibido no Museu do Prado em Madrid, a cujo sítio da internet fui buscar a imagem que mostro a seguir
Por qualquer motivo eu estava convencido que o manto imenso era usado pelo rei Filipe IV de Espanha mas afinal era usado pela esposa, a rainha Doña Isabel de Borbón. Constatei que enquanto nos retratos equestres dos reis espanhóis desta época os cavalos se apresentavam com toda a sua anatomia, nos retratos equestres das rainhas a natureza animal do cavalo é atenuada através de mantos imensos.
Na ficha deste quadro no sítio do museu conjectura-se que provavelmente o trabalho de Velazquez se limitou à cabeça da rainha e à do cavalo, tudo o resto terá sido feito por ajudantes do seu atelier. Acho o manto enorme bastante monótono e parece-me muito pouco funcional. Deveria ser para mostrar o poder real através da grande extensão dum tecido certamente muito caro. A rainha tinha que suportar um peso imenso, era por assim dizer o castigo da vaidade.
Quando cheguei a casa fui à procura na net de Hein, colocando no Google Imagens a imagem do quadro que mostrei em cima. Apareceu-me logo este
site de Jochen Hein, com imagens que me agradaram e de onde tirei esta versão mais exacta do detalhe da obra com que iniciei este post, que se chama “Tanja”, tendo sido pintado em 2006
Não havendo dúvidas que tudo isto foi obra do mestre pintor, um colega disse-me com presença de espírito não haver tão pouco dúvidas que se tratava de uma “Masterpiece”.