2012-09-29

O Pecado Original


Quando andei a ler meia dúzia de textos sobre a figueira antes de escrever o post anterior passei por referências ao papel da folha de figueira para tapar a genitália de figuras nuas, quer em quadros quer em estátuas. Tal fazia sentido, dada a grande dimensão das folhas, facilitando o recato.

Pensei então que o ideal seria procurar quadros do Adão e Eva mas, embora tivessem aparecido vários no Google, não era evidente que as folhas que por vezes apareciam fossem de figueira. Além disso não gostei de muitos dos quadros referidos e acabei por escolher este par de quadros, pintados por Albrecht Dürer em 1507, e em exibição no Museu do Prado em Madrid. As imagens estavam disponíveis no próprio site do museu que, felizmente, tem uma galeria online com muitas das obras expostas, disponibilizando ficheiros de imagens com uma boa resolução. Aumentei ligeiramente o contraste e concatenei as imagens do Adão e da Eva, juntando numa única imagem os dois quadros.



As figuras, além da sua grande beleza parecem-me muito naturais, quer quanto à exactidão da representação, que parece fotográfica, quer quanto às proporcões e posições dos corpos. Faz-me sempre um bocado de confusão este dualismo ocidental do pudor na exibição do corpo nu no quotidiano e do à vontade com que são mostrados corpos nus em quadros ou mesmo em 3D, em esculturas exibidas em praças públicas.

Mas o casal Adão e Eva mais o seu pecado original lembrou-me o escritor Alain de Botton, autor de muitas obras de divulgação da Filosofia, que no seu último livro "Religião para Ateus" dá uma visão muito positiva do pecado original. Eu sempre tinha considerado injusta a versão católica da transmissão da culpa de pais para filhos, mesmo sendo essa culpa inicial apagada através do Baptismo de forma simples e eficaz. O papel que Botton atribui ao mito  do Pecado Original é dizer-nos que os seres humanos nascem imperfeitos, sendo também uma forma de nos dizer que não vale a pena preocupar-nos com isso pois é uma característica de todos os seres humanos.

Claro que existe sempre o risco de nos tornarnos complacentes com os nossos erros mas também isso faz parte da natureza humana.

Regressando ás imagens e ao seu aspecto moderno, designadamente em relação às representações da Idade Média, senti há algum tempo a necessidade de fazer um diagrama cronológico (uma linha de tempo ou "timeline") com vários pintores mais conhecidos, para saber quem apareceu antes, quem coexistiu e quem veio depois. Fiz uma folha Excel, em que cada coluna representa um quarto de século e as barras têm um comprimento proporcional à duraçao da vida do pintor e com a mesma escala das colunas desta folha de excel, um pintor que tenha vivido 50 anos ocupará um comprimento igual à largura de duas colunas. Os de Itália ficaram azul claro, de língua alemã são castanhos, espanhóis (ou pintando em Espanha como o El Greco que era grego) cor-de-laranja, flamengos de roxo, um inglês verde e os de língua francesa em azul ultramarino. Não há ninguém que tenha nascido no século XX porque esses já se sabe que são todos recentes. Claro que haverá omissões mais ou menos gritantes conforme as preferências de cada um, se alguém manifestar interesse poderei disponibilizar o ficheiro excel. Aqui fica apenas a figura:




Quando os pintores morreram jovens e tinham um nome comprido ficaram com o nome truncado. São os casos de Caravaggio (Carava), de Van Gogh (Vangog) e de Modigliani (Modiglia).

2012-09-25

Figueira


Várias árvores exalam um cheiro característico, algumas apenas durante a floração, como por exemplo as Tílias, outras em permanência, como por exemplo os Pinheiros. Julgo que a Figueira exala um cheiro permanente, é um dos mais típicos e agradáveis que conheço e associo muito esse cheiro ao Algarve, onde fotografei esta figueira cheia de figos que tive a oportunidade de constatar serem muito bons.




O figo é uma infrutescência curiosa pois alberga no seu interior uma inflorescência que necessita de uma espécie particular de vespa para a fertilizar. O processo é referido na wikipédia aqui.

Na Bíblia aparecem referências à figueira, não sei se foi a propósito de uma figueira que Jesus Cristo fez a observação que as árvores devem ser julgadas pelos frutos que dão. Nessa pregação concluía-se que se a árvore não desse bons frutos devia ser considerada má. Estas parábolas várias vezes acabam por me fazer lembrar o governo de Portugal cujos frutos da sua actividade, ao contrário desta figueira, deixam muito a desejar.

Adenda: há um filme de 52 minutos da Deeble & Stone sobre este tema aqui.

2012-09-22

Auto-referência






Vi esta placa "ne pas toucher les oeuvres" pela primeira vez no museu do Louvre em 2002, quando tirei esta foto. Devo ter achado primeiro que a placa se tinha estragado. Mas à segunda ou terceira vez que vi a mesma mensagem corrompida percebi que a placa não só dizia para não tocar nas obras de arte do museu como mostrava nela própria os efeitos que as dedadas poderiam ter nas obras expostas.

Fiquei a pensar que a própria placa se podia considerar uma obra de arte.

2012-09-19

O quadro no quadro


Qualquer janela da Maluda merece uma observação cuidadosa e esta (Janela 17, Lisboa, de 1981) não é excepção:


Neste quadro o nosso olhar passa primeiro através duma janela aberta do sítio onde estamos para fora, em vez do percurso habitual em que estamos no exterior e começamos por ver uma janela por fora. Ao olharmos para fora pela janela da casa onde estamos vemos outra janela, situada precisamente em frente daquela. Ao tentarmos ver o que se passa dentro da outra casa vemos afinal apenas o reflexo do que se passa no interior de outra casa que é a nossa. Nessa casa está um cavalete onde se encontra o quadro que nós estamos agora a comentar.

A Maluda gostava de nos devolver os reflexos nas janelas quando procurávamos ver o que se passava para além delas. E os dispositivos usados para preservar a privacidade do interior das casas, não só protegem o interior como às vezes deformam os próprios reflexos.

Noutros posts sobre outras janelas da Maluda, como aqui, aqui e aqui mostro a frequência com que aparecem os reflexos nas janelas desta pintora, e mesmo nesta que é uma janela real com reflexos em certo sentido irreais.

Claro que não é a primeira vez que um quadro é representado nele próprio, o exemplo que me ocorre logo são “As meninas” de Velazquez, que mostrei noutro post. Só agora reparei que o cavalete com o quadro que aparece no quadro original desaparece na versão moderna do quadro, de publicidade a El Corte Inglés, em que existe um fotógrafo a fotografar a cena em vez de a pintar. Permanece a presença invisível do espelho, sabemos que tem que estar lá embora sem estar representado, dando-nos a ver o reflexo que nele existe.

Nesta divagação não resisto a mostrar “As meninas” do Manolo Valdez, grupo escultórico de 2005, exposto temporariamente em Madrid em frente ao Forum La Caixa, embora neste caso se trate “apenas” de uma referência à obra de Velazquez e não de uma auto-referência.



Quando se fala de auto-referência lembro-me sempre do livro “Gödel, Escher e Bach” de D.R.Hofstadter, e da importância deste conceito na consciência de si dos seres pensantes, nos teoremas de Gödel, na música de Bach e nos quadros de M.C.Escher.

Fui nesse livro que vi pela primeira vez este quadro extraordinário de M.C.Escher intitulado “Print Gallery”



em que um quadro mostra uma galeria de litografias onde está o próprio quadro!

Para pessoas mais interessadas na matemática em que se baseia esta imagem poderão ir aqui, quem quiser ver uma animação interessante poderá vê-la no YouTube aqui.

2012-09-16

O alegado problema do Tribunal Constitucional


Os apoiantes do actual governo usam com alguma frequência a expressão "o problema criado pelo Tribunal Constitucional". O Tribunal Constitucional não criou probblema nenhum, limitou-se a cumprir a sua obrigação, ao considerar inconstitucional uma decisão do governo que só podia ser considerada com equidade por pessoas cegadas pela sua ideologia. Quem criou o problema foi o governo, ao adoptar uma medida gritantemente injusta, infringindo a Constituição que tem a obrigação de cumprir.

Agora o governo insiste em propor uma medida para o orçamento de 2013 que padece de grande falta de equidade, ao mostrar mais uma vez o seu preconceito que os pensionistas e os funcionários públicos são trabalhadores de segunda categoria, pois trata-os pior do que aos trabalhadores do sector privado e tira dinheiro aos trabalhadores para o dar aos patrões.

O governo conseguiu unir a grande maioria dos portugueses contra ele e julgo que será difícil continuar em funções por muito mais tempo. Mesmo que o actual governo recue na medida do roubo da TSU aos trabalhadores para a dar aos patrões, terá certamente uma grande dificuldade em encontrar uma medida alternativa que por um lado lhe agrade e por outro tenha a equidade necessária para não ser chumbada pelo Tribunal Constitucional. E mesmo que recue e consiga adoptar medidas constitucionais será quase impossível recuperar a confiança dos portugueses.

Deixo uma imagem da multidão na Praça de Espanha em Lisboa, por enquanto num ambiente ainda calmo de contestação generalizada ao governo actual





A ilha de relva na Praça de Espanha estava bastante aprazível mas costuma estar inacessível ou ser desagradável pela circulação de grande volume de automóveis, o que não acontecia na tarde de 15/Set/2012.


Aproveitei para fotografar o poema da Sophia de Mello Breyner e a frase do Capitão Salgueiro Maia, colocados sobre o arco de pedra da praça referida, mas dificilmente visíveis para os automobilistas que passam no trânsito intenso:


2012-09-13

Maluda no Algarve


A imagem anterior com umas chaminés de geometria simples da Prainha de Alvor fez-me pensar nas imagens geométricas da pintora Maluda.

Relembro este post em que falei pela primeira vez de Maluda neste blogue e as imagens que mostro a seguir são todas do livro "Maluda" de Carlos Humberto Ribeiro e Ianus Unipessoal Lda. que referi nesse post.

Nestes tempos em que o Governo de Portugal conseguiu praticamente a unanimidade na crítica às medidas de austeridade que propôs, desde trabalhadores a patrões, incluindo mesmo os economistas, com talvez a única excepção do presidente do grupo parlamentar do PSD, tentando a tarefa que me parece impossível, de convencer os portugueses da equidade das medidas propostas, achei algum conforto nestas imagens lindíssimas, memórias contudo muito melhoradas da realidade de então, que não era tão limpa nem tão pura e que à data incluía muita miséria.


Começo pela vila inconfundível de Aljezur, no extremo do Barlavento algarvio, algo agreste e com mais verde, com as casas subindo a encosta, tal qual como num presépio (comparação bastante usada mas dificilmente evitável...)




depois o Sotavento, começando por Faro, com as casas coloridas que ficam pequenas, na imensidão do céu azul




passando depois à ria vista do alto de um prédio de Olhão, outra vez com o céu azul imenso, a fina língua de areia e o mar lá ao fundo





e finalizando com uma visão abstracta, ainda em Olhão, das sombras cinzentas nas paredes das casas, no meio de tanto branco e tanto azul


2012-09-09

Surreal

O movimento surrealista pretendia ir "para além da realidade" e as suas manifestações na pintura apresentavam imagens com um grande realismo, no sentido de a representarem com uma grande exactidão, mas tomando depois liberdades inverosímeis que a ultrapassavam, sendo aí que a imagem passava a ser surreal.

Esta foto que tirei ao pôr-do-sol a umas chaminés na Prainha do Alvor, se fosse uma pintura poderia servir de base a uma imagem surreal, embora lhe falte a parte inverosímil



Lembrei-me do surrealismo ao ouvir a comunicação ao país do primeiro-ministro na passada sexta-feira, dia 7/Set. Na aparência (entoação) parecia um discurso realista mas aquela parte de considerar equitativas das medidas mais injustas alguma vez propostas por um governo de Portugal, fez-me pensar que entrámos na fase surreal do governo de coligação PSD-CDS. Durante o PREC também tivemos uns governos assim.

2012-09-03

Caminho para a Iluminação



Peço desculpa a quem foi conduzido aqui ao engano, na busca das palavras do título, mas sempre gostei muito da esteira prateada que o Sol do Verão cria sobre o mar na Praia da Rocha a partir das 3 da tarde como mostro na imagem que segue




e essa esteira fez-me lembrar um caminho iluminado ou para a iluminação. Peço também desculpa por algumas perturbações ópticas da imagem, creio que criadas pela presença do vidro de uma janela que não consegui abrir

Ouvi falar mais do “Path to Enlightenment” no livro Gödel, Escher and Bach, an Eternal Golden Braid, do Douglas Hofstadter, que já referi neste blogue nestes posts, de que me ficou a ideia que quem procura o caminho para a iluminação acaba por não o encontrar, como no haiku que referi aqui, quando diz “With searching comes loss / And the presence of absence” ou, no equivalente bíblico ”Porque aquele que quiser salvar a sua vida, perdê-la-á, e quem perder a sua vida por amor de mim, achá-la-á”.

Ao referir Hofstadter parece adequado rechear o post de auto-referências ao blogue em que é escrito, e neste caso vem a propósito referir que uma das Araucaria heterophylla que enquadra a esteira prateada já apareceu neste post.

Já agora refiro um post em que falei dos reflexos do Sol sobre a água, antes de apresentar uma variação da imagem anterior: