2019-03-23

Recenseamento étnico


Acabo de ler no Jornal Expresso um artigo referindo um grupo de trabalho nomeado pelo governo para estudar a inclusão de uma pergunta inédita que permita caracterizar no próximo Censo a componente étnico-racial da população em Portugal .

Fez-me lembrar um interlocutor que uma vez me disse a propósito de um tema em discussão pública acesa nessa altura: Portugal é um país que tem poucos problemas, talvez por isso os  portugueses se dediquem a inventar problemas que não existem para terem assuntos para discutir.

No artigo do jornal Expresso alegam que há quem nesse grupo defenda que será preciso conhecer melhor a composição étnico-racial de Portugal para poder desenhar políticas de integração de acção afirmativa, como por exemplo quotas para admissão às universidades e à função pública.

Dizem também que a resposta à pergunta será de resposta facultativa, não indo portanto contra a Constituição.

Porém eu interrogo-me sobre qual será a utilidade da resposta pois para concretizar acções afirmativas para integrar minorias que se caracterizam pela componente “étnico-racial” é preciso começar por definir critérios que discriminem os membros das diversas comunidades.

Trata-se assim dum método extraordinário em que para proceder à integração começa-se por discriminar quem se pretende integrar. Será que recomendam o método do lápis no cabelo usado pelos racistas da África do Sul durante o apartheid?



Por outro lado, não existindo critérios de definição de raça, que como se sabe é um conceito impossível de definir de forma objectiva pois não tem base científica, recorrer a “sentido de pertença definido pelo próprio” para acções afirmativas de acesso às universidades ou à função pública parece “imprudente” ou mesmo inclassificável.

Por outro lado interrogo-me porquê restringir à função pública as acções afirmativas? Se fizessem sentido não deveriam aplicar-se a todos os empregadores operando em Portugal?

Considero que o estabelecimento de algumas quotas, de carácter limitado no tempo, para as mulheres é uma forma aceitável de acelerar o fim de discriminações que têm existido na nossa sociedade e é fácil definir o sexo feminino excepto para uma muito pequena minoria de cidadãos com sexo mal definido.

Definir a identidade étnico-racial-cultural de cidadãos cria muito mais problemas do que os que pretende resolver, os problemas de integração na sociedade portuguesa actual são sobretudo de discriminação económica contra a qual existem algumas medidas que essas sim deveriam ser melhoradas.

A propósito de identidade cultural referi neste post o livro “Identidade e Violência” do Amartya Sen.

Se os partidos definissem a sua posição entre incluir ou não esta “pergunta para caracterizar a composição étnico-racial” no próximo censo isso poderia ajudar os eleitores a definir o seu sentido de voto numa das próximas eleições.

1 comentário:

António Viriato disse...

Caro Amarante :

O tema tem algum melindre,reconheço. No entanto, se for abordado com seriedade, pode ser útil. Num período de grande mobilidade de populações portadoras de culturas diversas, por vezes muitíssimo alheias das das sociedades hospitaleiras, pode haver vantagem em conhecer melhor as características dessas populações recém-chegadas. Estas constituem um factor de produção relevante, sobretudo em sociedades de baixo ou nulo crescimento demográfico.Mas não têm só direitos.Devem estar conscientes de que terão de fazer o seu próprio esforço de integração nas sociedades que as acolhem, respeitando normas, leis e procedimentos que aí encontram, há muito estabelecidos para o seu bem comum.
Na Grécia, até há pouco tempo, os bilhetes de identidade dos cidadãos traziam a referência à religião professada e ninguém se escandalizava com isso. Depois, a UE desaprovou tal prática, alegando eventual discriminação. Os gregos resistiram. Ignoro como a disputa tenha terminado.
Enfim, quem não deve, não teme. Se o Estado não persegue objectivos discriminatórios, pode achar legítimo efectuar censos com maior definição de características dos seus cidadãos para estudar certo tipo de políticas sociais a desenvolver. Um Estado soberano pode fazê-lo. Se cometer excessos ou se utilizar certos dados para fins espúrios, lá estará a comunidade internacional, por intermédio dos seus órgãos específicos, para analisar eventuais reclamações de cidadãos.Há muitos equívocos e inibições nestes assuntos, mas os Estados ainda existem, não estão em processo de extinção, como anunciava Lenine, nos seus anos mais cândidos ou perversos, quando escreveu aquele opúsculo hoje praticamente esquecido, sepultado, intitulado o Estado e a Revolução. Curiosamente, tal obra foi escrita por alguém que iria estar na base da formação de um dos Estados mais poderosos, totalitários que a História já conheceu. Enfim, ironias em que esta é fértil.
Espero que aches paciência para seguir este meu espontâneo raciocínio, elaborado a frio, logo arriscado, mas também seguramente mais genuíno.

Abraço,
AB