2018-04-24

O Museu das Descobertas


Estou com falta de paciência para discutir com profundidade a criação de um Museu das Descobertas, tratando do tema do trabalhoso e complicado processo que os portugueses levaram a cabo com enorme sucesso, descobrindo formas muito mais rápidas e seguras do que as então existentes para chegar a sítios longínquos.

Parece-me mal que se alegue que os outros povos se melindrem por "terem sido descobertos". Na realidade dizer que "descobrimos" comunidades que existiam há imenso tempo é até um sinal de humildade ao confessarmos a nossa ignorância sobre boa parte do que encontrámos.

Mesmo no Estado Novo aprendi que os portugueses tinham descoberto "o caminho marítimo para a Índia", não propriamente a Índia, embora sobre o Brasil se fale mais na descoberta do território do que na descoberta do caminho respectivo.

Falar de Museu da Expansão também me parece pouco adequado. A "Expansão" fez-se para Marrocos, começando pelo saque de Ceuta e a conquista/construção de umas tantas praças fortes que nos trouxeram bastante despesa,  pouca riqueza e a perda do rei e duma data de nobres em Alcácer-Quibir. Continuou depois da Conferência de Berlim em que defendemos o nosso direito a Angola e Moçambique, mas a relação entre isso e os descobrimentos é ténue.

Usar palavras complicadas como " Museu bla,bla, Interculturalidade, bla, bla" também me parece complicar uma coisa simples.

Que as descobertas tenham também servido para o tráfico de escravos é um assunto muito importante que deve ser abordado. Quer pela procura que foi criada pelos locais de destino, quer pelos traficantes, quer pelo papel dos africanos como fornecedores primários desse tráfico.

Resumindo, acho que a realização de um Museu das Descobertas em Lisboa é mais que oportuna, nem se percebe como é que um museu dedicado a esse tema e com este nome ainda não existe cá.

Apresento mapa da Wikipédia adequadamente intitulado

Descobrimentos e explorações portuguesas (1415–1543)






2018-04-17

Primavera com Azul


Gostei noutro dia (já foi em 7/Abr!) de ver o céu azul, depois duma série grande de dias de chuva com céu quase sempre cinzento.



Por coincidência acabo de ver uma série de 3 programas magníficos (isto é quase um pleonasmo) da BBC, referidos no Expresso diário, apresentados por James Fox, intitulada A History of Art in Three Colours, Gold, Blue, White.

No programa sobre o uso do ouro na arte fui agradavelmente surpreendido pela classificação da deposição electrolítica de uma finíssima camada de ouro sobre variados metais como uma espécie de conclusão do sonho alquimista de transformar qualquer metal em ouro.

No programa sobre o azul revisitei o maravilhoso "azul ultramarino" tonalidade que existia nos guaches Pelikan da minha infância e que não tinha comparação com o azul disponível nos guaches azuis da marca Cisne.

A designação de "azul ultramarino" devia-se à sua proveniência, pedras de lápis-lazuli do longínquo Afeganistão, que chegavam a Veneza depois duma viagem por terra e de atravessar o mar Mediterrâneo. Este pigmento chegou a ser mais caro do que o ouro.

Depois deste programa reconciliei-me com o quadro "Blue Monochrome" do Yves Klein, que fotografei em tempos no MoMA em Nova Iorque, e do qual embora gostasse muito da cor, achava duma simplicidade excessiva. Deixo aqui a foto que então tirei






2018-04-08

As imagens do embaixador



Sou um leitor sistemático do blogue “Duas ou três coisas” do embaixador Francisco Seixas da Costa, pessoa muito bem informada e sensata e que manifesta as suas opiniões de forma diplomática se bem que firme e com a necessária clareza.

De uma forma geral os textos são a “pièce de resistance” mas as imagens que os acompanham, os “acompanhamentos” têm também uma enorme qualidade. No seu papel de acompanhantes as imagens não podem aqui assumir o papel principal e, provavelmente por isso, a sua dimensão é menor do que noutros blogues em que elas são o actor principal mas não me canso de apreciar o “ambiente” que elas transportam ou evocam.

Há bastante tempo (já lá vão 6 anos!) guardei a imagem deste post em que se descrevia uma conversa entre dois funcionários séniores do Ministério dos Negócios Estrangeiros. Achei que essa imagem, que reproduzo aqui ao lado, ilustrava de uma forma perfeita um ambiente onde a conversa poderia ter ocorrido.

Tentei descobrir  porque achava a imagem tão adequada e anotei o tecido monocromático de tom quente com riscas dadas por duas texturas, uma baça outra acetinada, o estofo acetinado de riscas verticais a duas cores das costas da cadeira de madeira decorada com uns elementos metálicos dourados, a moldura barroca de talha dourada do espelho do tempo em que os espelhos eram objectos caros, tudo isto compunha o que se poderia chamar o “charme discreto da diplomacia”.

Gostei também muito do enquadramento dando a ver os elementos que referi, os necessários e suficientes para evocar o ambiente.



Muito mais recentemente (27Mar/2018) a propósito do incidente do envenenamento em solo britânico dum ex-espião russo e sua filha, o embaixador seleccionou esta magnífica imagem da igreja de S.Basílio em Moscovo num post intitulado “Diplomatas & Russos”.



Gostei muito do céu vermelho da imagem, lembrou-me os tempos em que se dizia que "O vento é de Leste e o horizonte é vermelho!".

Mas ainda achei mais graça ao nome do ficheiro deste elemento importante da Praça Vermelha em Moscovo pois chamaram-lhe “Red Square.jpg”, o nome em inglês da Praça referida mas também da forma da fotografia que é praticamente quadrada e de tons avermelhados:


2018-04-02

Contabilidade, capitalização da CGD


Ficámos agora a saber que embora o ministro das finanças Mário Centeno afirme que a Comissão Europeia, seguindo os Tratados da União Europeia, considerou que o capital que o Estado Português aplicou na CGD em 2017 se tratou de um investimento e não de  uma ajuda estatal, não devendo portanto ser integrado no déficit, o Eurostat entendeu de forma diferente.

Lembrei-me dos elogios rasgados que o Lobo Xavier fez na Quadratura do Círculo à proeza extraordinária de António Domingues, CEO da CGD, quando conseguiu que a recapitalização da CGD não fosse considerada no déficit. Afinal, talvez não tenha conseguido. E embora o ministro Centeno afirme em entravista ao jornal Expresso de 2018-03-30 que foi pura coincidência obter um déficit umas centésimas abaixo dos 3% do PIB quando a capitalização da CGD foi nele integrada (evitando assim a abertura de um processo por déficit excessivo) em vez dos 0,9% sem integração, tenho grande dificuldade em aceitar isso como coincidência.

Talvez seja uma inevitabilidade do discurso, lembrei-me do Valéry Giscard d’Estaing quando disse a um jornalista que na véspera duma mudança cambial é obrigação do ministro das finanças desmentir a iminência dessa manobra, que ele tinha feito um desmentido como era sua obrigação e que se no futuro lhe fizessem a mesma pergunta ele sempre a desmentiria, qualquer que fosse a situação.

Quanto melhor vou conhecendo as regras aplicadas na Contabilidade mais aumenta a minha antipatia por essa prática, cuja dificuldade e utilidade reconheço contudo. Já o senhor de La Palisse diria que se a Contabilidade não fosse tão difícil e tão útil, ninguém aceitaria os conjuntos de regras tão contraditórias e tantas vezes tão absurdas que são prática comum nessa actividade humana.

Foi por isso que me dei ao trabalho de traduzir este texto do Geert Hofstede que transcrevi da página 156 do livro “Cultures and Organizations”, livro que já referi neste post (https://imagenscomtexto.blogspot.pt/2016/06/cultures-and-organizations_23.html ).

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This explains the lack of consensus across different countries on what represents proper accounting methods. For the United States these are collected in the accountant’s Holy Book, called the GAAP Guide: Generally Accepted Accounting Principles. Being “generally accepted” is precisely what makes a ritual a ritual. It does not need any other justification. Once you have agreed on the ritual, a lot of problems become technical again: how to perform the ritual most effectively. Phenomenologically, accounting practice has a lot in common with religious practice (which also serves as an aid to uncertainty avoidance). Cleverley (1971) saw accountants as “priests” of business. Sometimes we find explicit links between religious  and accounting rules, such as in Islam, in the Koranic ban on calculating interest.
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e a tradução:

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Isto explica a falta de consenso entre diversos países sobre o que são métodos contabilísticos adequados. Para os Estados Unidos estão coligidos no livro sagrado dos contabilistas, intitulado “Princípios Contabilísticos Geralmente Aceites”. Ser “geralmente aceite” é precisamaente o que faz dum ritual um ritual. Não é necessária mais nenhuma justificação. Desde que se concorde com um ritual, muitos problemas voltam a ser de natureza técnica: como executar o ritual da forma mais eficaz. Fenomenologicamente, a prática contabilística tem muito em comum com a prática religiosa (que também serve como uma ajuda para evitar a incerteza). Cleverley (1971) viu os contabilistas como “sacerdotes” dos negócios. Por vezes encontram-se ligações explícitas entre regras religiosas e contabilísticas, tais como no Islão, na proibição corânica de aplicar juros.
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Este texto pode também ser encontrado nesta porção mais completa de algumas páginas do Google Books que apresento na forma de imagem a seguir:




Esta independência do Eurostat deve fazer parte dos “checks and balances” da União Europeia, para evitar soluções totalitárias que, além de tão pouco conseguirem evitar conjuntos de regras sem contradições, têm outras características muito nefastas.