2016-02-16

Igreja de Roma e Igreja de Moscovo


Há dias encontraram-se em Cuba o Papa Francisco, chefe da Igreja Católica Apostólica Romana e Cirilo, o Patriarca de Moscovo e da Igreja Ortodoxa de toda a Rússia.

Ao longo da história do Cristianismo têm ocorrido vários cismas, conforme referi aqui, costumam existir divergências teológicas muitas vezes acompanhadas de divergâencias sobre o governo da comunidade dos crentes.

Os dois maiores cismas ocorreram nos séculos XI e XVI, o primeiro na separação entre a igreja do Oriente e a Romana, o segundo na separação de várias correntes protestantes na Europa da igreja chefiada pelo Papa.

Dadas as vicissitudes da História as igrejas orientais estavam mais ligadas ao poder imperial romano do Oriente, localizado em Constantinopla. O imperador era considerado no Oriente o sumo pontífice (lembrando o papel do rei de Inglaterra como “chefe” da igreja anglicana) e o imperador Justiniano considerou que existiam 5 patriarcas: Roma, Constantinopla, Alexandria, Antioquia e Jerusalém.

O bispo de Roma considerava-se como herdeiro legítimo de S.Pedro, chefe da igreja cristã alegadamente nomeado pelo próprio Jesus Cristo. Dado ainda que o império Romano do Ocidente deixara de existir no século V e o poder de Constantinopla sobre Roma era intermitente e ténue, o bispo de Roma sempre teve reservas em relação à consideração destes 5 patriarcados como entidades paritárias.

As relações foram-se degradando ao longo dos séculos e em 1054 o delegado do Papa e o Patriarca de Constantinopla excomungaram-se mutuamente.

Desde essa altura ocorreu um massacre de latinos em Constantinopla (1182) a que se seguiu o saque de Tessalónica (1185) e o massacre de bizantinos por cruzados da 4ª Cruzada no saque de Constantinopla em 1204. O império latino do Oriente então estabelecido durou 55 anos, tendo sido extinto por bizantinos que se aguentaram em declínio até à queda de de Constantinopla para os otomanos em 1453, após algumas tentativas falhadas de serem ajudados por Roma na luta contra os turcos. Estas peripécias não ajudaram a um entendimento.

A Wikipédia tem listas dos patriarcas ortodoxos dos vários sítios. A lista de Moscovo refere o primeiro “metropolita” de 1283-1305 e o primeiro patriarca de 1589-1605. À medida que o Islão tomou conta de Antioquia, de Alexandria e finalmente de Constantinopla, a influência destes patriarcas foi declinando enquanto aumentava a do patriarca de Moscovo, cidade a que certa altura se reclamava do “título” de terceira Roma, sucessora da Constantinopla que deixara de ser terra de maioria cristã. O soberano de Moscovo chamava-se Tzar ou Czar por ser o novo César.

Quando os soberanos se reclamam de o serem por direito divino, é inevitável que os sumo-sacerdotes se vejam envolvidos na luta política, dado que convém ter uma autoridade eclesiástica que “certifique” o soberano como sendo o escolhido por Deus.

O imperador de Constantinopla era coroado na igreja de Santa Sofia, sendo ainda visíveis os mosaicos em círculo no chão onde se colocava o imperador a coroar e as várias figuras do protocolo de Estado e da Igreja.

O papa de Roma não tinha um imperador próximo mas coroou Carlos Magno e depois vários imperadores do Sacro-Império Romano-Germânico. O título de “imperador”  destes soberanos era em alemão “Kaiser”, também derivado de César. Vi isto procurando por “Leonor de Portugal” uma princesa portuguesa que se casou com o imperador alemão Frederico III. Escolhendo a versão em alemão (língua que desconheço) desta entrada da wikipédia e procurando a palavra “kaiser” apareceu-me logo uma instância junto ao nome de Fredrich III. O encontro dos noivos foi pintado por Pintoricchio num fresco da biblioteca Piccolomini na catedral de Siena que referi aqui.

Noutra ocasião tentarei revisitar a entrada da Wikipédia sobre Leonor de Portugal que me pareceu à primeira vista muito interessante.

É provável que nestes quase mil anos tenham existido de vez em quando tentativas discretas de reaproximação das  igrejas de Roma e Ortodoxa. No século XX, no ano de 1964, o papa Paulo VI encontrou-se com o Patriarca Atenágoras I de Constantinopla em Jerusalém. Nessa altura ambos anularam as excomunhões feitas em 1054 mas as igrejas permaneceram separadas. Não sei porque não houve encontros com o patriarca de Moscovo, dada a existência da URSS é provável que não existissem condições políticas.

E finalmente chegamos ao encontro em Cuba no aeroporto José Martí em Havana, no dia 12 de Fevereiro de 2016, referido aqui onde assinaram uma declaração conjunta exortando “a comunidade internacional à união para porem termo “à violência e ao terrorismo”. Apelam para a paz, para a “ajuda humanitária” aos refugiados e referem o martírio dos cristãos.”.

É algo irónico que líderes da Igreja Católica e da Igreja Ortodoxa tenham escolhido um país governado por um regime comunista para se encontrarem, na imagem seguinte vê-se o anfitrião Raul Castro a assistir à assinatura da declaração


nestoutra os dois líderes


e nesta final não resisti a mostrar melhor o “chapéu” do patriarca


que tem no topo uma cruz e na fronte uma representação de um Serafim que, por coincidência, eu mostrara dois posts atrás!

As imagens são desta notícia da BBC.


Sem comentários: