2014-12-31

Boa Passagem


No Japão gostam imenso de portões, assinalando que se está a passar duma área para outra. É portanto uma boa metáfora para a passagem de um ano para o seguinte.

Proponho assim este portão do palácio Imperial de Kyoto, para comemorar a passagem hoje à meia-noite para um novo ano, que faço votos para que seja melhor do que o que passou.



A grande quantidade de símbolos imperiais, a flor estilizada de 16 pétalas referida aqui, não deixa qualquer margem para dúvida que este portão tem a ver com o imperador do Japão.

Mostro a seguir o mesmo portão mas em maior detalhe



destacando a seguir um dos grous e uma borboleta azul



e finalizando com um dragão e um tigre.



Boa passagem de ano!




2014-12-29

Prisão preventiva


Gostei muito do texto do Miguel Sousa Tavares no jornal Expresso de 27/Dezembro com o título “A prisão e o poder”, a propósito das prisões preventivas decretadas pelo tão famoso juiz Carlos Alexandre no processo em que José Sócrates é um dos arguidos.

Passo a transcrever uma parte próxima do princípio, embora o artigo mereça uma leitura completa:

“… Não quer dizer que me oponha à prisão preventiva ou que não entenda a sua necessidade e fundamento em determinadas situações, apenas que não abdico da exigência de que ela seja absolutamente excepcional e fundamentada. Na minha maneira de ver, a prisão preventiva serve, nomeadamente, para que um marido que já agrediu a mulher e prometeu matá-la, não fique em liberdade para cumprir a promessa, como várias vezes vimos suceder. Mas não pode servir, por exemplo, para facilitar a investigação ou pressionar os presos preventivos a confessarem o que se pretende, desse modo dispensando a investigação de mais trabalhos e canseiras. ...”

Quando leio textos nos jornais sobre assuntos em que sou especialista assusto-me por vezes com os erros clamorosos que são publicados, compreendendo que as instituições da justiça receiem as distorções que os intermediários poderão fazer ao seu discurso.

Porém agora existe a internet e os tribunais podiam e deviam publicar comunicados para que o cidadão comum compreendesse, nos casos de interesse público mais geral, as razões de absurdos aparentes que ocorrem com excessiva frequência, como por exemplo quando a ex-ministra Leonor Beleza foi acusada de ter tentado com dolo prejudicar os doentes hemofílicos.

Este comportamento da Justiça (das suas instituições), em que implicitamente nos diz “confia em mim”, e os julgamentos que terminam tantas vezes em absolvições ou em prescrições, como tão recentemente no caso dos submarinos, leva-me actualmente a duvidar da capacidade da Justiça em provar, num número excessivo de processos, a existência de crimes, recorrendo assim à prisão preventiva, ou a acusações absurdas como no caso dos hemofílicos, como uma forma de punir pessoas de quem desconfia, mas que se sente incapaz de condenar de acordo com procedimentos rigorosos.

Gosto de acompanhar os textos deste blogue de imagens, ou as imagens com textos, neste caso foi um pouco mais difícil. Depois ocorreu-me o Palácio Imperial em Kyoto (será que com a introdução do k, y e w esta grafia passou a ser adequada?) que em certa medida é uma das “prisões” da família imperial japonesa, que tem contudo jardins lindíssimos. Na imagem mostro o pátio, fechado por muitas portas, onde por vezes o imperador preside a cerimónias,

no topo da escadaria que se vê ao fundo, naquele pavilhão com um telhado enorme.

Na imagem seguinte que fui buscar ao Google vê-se que a área rectangular do palácio imperial (dimensões cerca de 700 x 1300 metros) difere muito da área urbana que a rodeia.


O alinhamento rigoroso de um dos lados do rectângulo com a direcção Norte-Sul é um indício muito forte de que, quando a área do palácio foi delimitada, os japoneses determinavam com grande rigor as direcções dos pontos cardeais.

Parece-me um indício quase tão plausível como a prisão preventiva do motorista de José Sócrates ter sido usada como forma de pressão para obter declarações. O próprio professor Marcelo referiu essa possibilidade no seu comentário televisivo de 21/Dezembro, usando a figura de estilo que “isso não lhe passava pela cabeça”.

2014-12-22

Postal de Boas-Festas e Maternidade (chinesa)



A civilização ocidental tem uma relação muito forte com as artes plásticas em geral e com a pintura em especial. Quer a igreja, quase único cliente dos artistas durante séculos, quer depois as classes abastadas, quer finalmente a classe média através dos museus, tem assegurado uma procura sustentada, que será de menor dimensão em muitas outras culturas.

Nas religiões monoteístas a presença de representações de figuras humanas dentro de templos tem encontrado fortes resistências, por exemplo no Islão, que se dedicou a figuras  geométricas e/ou  do reino vegetal e também na cristandade, onde ocorreram os movimentos iconoclastas antes do ano mil e as críticas de diversas igrejas protestantes desde a Reforma.

Contra esta tendência tem a Igreja Católica mantido uma grande abertura à presença de estátuas e de quadros dentro de locais de oração, considerando que, desde que obedeçam a algumas regras, são uma forma de ajudar os crentes que contemplam as figuras a rezar.

Quando a igreja sai da Europa encontra convenções visuais diferentes das europeias e torna-se necessário um trabalho de adaptação, para que o crente não seja distraído na oração por elementos exóticos para a sua cultura.

Achei por isso muito interessante este “achinesamento” da Maria mãe de Jesus mais o seu filho enquanto menino, conforme se constata na figura a seguir, transmitindo a ideia que a realidade histórica de Maria e Jesus como membros do povo judaico não é essencial, eles podem ser representados como membros de qualquer povo pois todos os povos são bem vindos à religião cristã.


Já a tendência para a representação da mãe de Jesus como uma rainha, ou neste caso como uma imperatriz me parece mais questionável. Tenho a noção que o amarelo/dourado era uma cor reservada para uso do imperador da China na dinastia Qing (Manchu) bem como reservada era a figura do dragão decorando o tecido. Maria está sentada no que parece um trono imperial. Esta representação pode ser criticada partindo da frase de Jesus: “a César o que é de César, a Deus o que é de Deus”, separando assim a hierarquia religiosa da hierarquia do Estado. No entanto, agora que já não existe imperador na China, a representação pode ser interpretada simplesmente como a atribuição de importância a Maria e a Jesus.

Não me lembro de ver um menino Jesus com chapéu, nem tão pouco Maria, que costuma ter apenas um véu a cobrir a cabeça. Acho graça à transparência das auréolas.

Esta imagem apareceu-me num postal de Boas-Festas que me enviaram este ano, possivelmente um sinal da importância que os negócios com a China estão a assumir em Portugal. Com a ajuda do Google images localizei esta imagem de melhor qualidade do que a que me enviaram aqui.

O autor da pintura é Chu Kar Kui, um chinês de Hong-Kong.

A imagem apareceu-me também neste sítio, com uma descrição das dificuldades da introdução do cristianismo na China.

A Wikipédia tem uma entrada sobre a Controvérsia dos ritos na China.

Nestes posts deste blogue mostrei variações das representações de Cristo na cruz.

Aproveito a oportunidade para desejar Boas Festas e um Feliz Ano de 2015 aos leitores deste blogue.

2014-12-20

Localização insensata


É insensato colocar uma placa anunciando o que quer que seja mesmo em frente de uma passagem de peões. Os peões devem estar concentrados no trânsito antes e quando atravessam e não devem ser distraídos por cartazes publicitários!

Figura mostra o cartaz estrategicamente colocado na Rua Cidade de Bissau, nos Olivais Sul.



2014-12-15

Final do Outono


Este Outono tem sido mais chuvoso do que a média, os relvados dos Olivais Sul estão muito verdejantes. As árvores do bairro lá vão deixando cair as folhas com grande vagar e os choupos estão finalmente a ficar predominantemente amarelos, conforme se constata nesta imagem de 13 de Dezembro de 2014:



2014-12-08

Imaculada Conceição



É provável que muita gente já não se aperceba do que se comemora no dia 8 de Dezembro, dia da Imaculada Conceição.

Um dos motivos talvez seja a evolução ortográfica do Português que passou a usar “Conceição” em vez de Concepção, quando se referindo a Maria, mãe de Jesus, também a Maria da Concepção Imaculada ou, abreviadamente, Maria da Conceição. Existindo alguma abundância de “Marias da Conceição” em Portugal a palavra “Conceição” foi perdendo a associação a “Concepção”.

A ideia de que Maria foi concebida sem pecado não quer dizer que os pais pecaram ou deixaram de pecar quando a conceberam mas que ao ser concebida apareceu logo sem a mancha do pecado original tema que já abordei aqui, sobre o pecado propriamente dito e sobre o Fim do Trabalho.

Houve grandes discussões entre teólogos cristãos sobre este assunto, discussões que foram encerradas pelo papa Pio IX, definindo a Imaculada Concepção de Maria como dogma de fé em 8 de Dezembro de 1854.

Andei à procura na net de uma imagem da Imaculada Conceição do pintor espanhol Murillo, que tinha apreciado muito quando fui pela primeira vez a Madrid, numa excursão do liceu, teria então 17 anos.

Encontrei com facilidade a imagem que procurava, que mostro a seguir


chamada “La _Inmaculada_Concepcion_de el_Escorial”, executada  em 1660-1665 e que fui buscar aqui.

A rapariga que serviu de modelo para a pintura era muito jovem e o penteado, longos cabelos lisos caindo sobre os ombros, era muito adequado aos sixties que então decorriam, conforme se constata neste detalhe da pintura acima


Passei pela referência a outra Imaculada Conceição do mesmo pintor Murillo dita “de los venerables“, roubada pelo general Soult quando da invasão da Espanha pelas tropas napoleónicas, comprada depois pelo museu do Louvre e trocada, já no século XX, por outra obra do museu do Prado.

Entretanto lembrei-me de outra imagem, "La Vierge au Lys", que tinha há algum tempo para publicar, da Virgem com o menino Jesus, pintada pelo académico Bouguereau


com as peles acetinadas, os ombros que seriam ebúrneos se estivessem visíveis, as mãos tocando no menino Jesus que parece ser oferecido à adoração pela mãe, de modos e olhar recatado.

Para finalizar deixo uma imagem que ilustrou há uns anos uma crónica da Rititi no Diário de Notícias, em que ela se queixava de sobrecarga de trabalho quando chegava a casa e ainda tinha uma data de coisas para fazer,


onde se via a Nossa Senhora também ocupada nas lides caseiras, deixando a coroa, o manto e o terço no bengaleiro, com o coração brilhando através da t-shirt e constatando que não chegara a tempo de evitar que o cozinhado esturrasse.

2014-12-04

Sancionar e sanções


Num livro sobre o Judaísmo que li recentemente dizia a certa altura que a Bíblia sancionava qualquer coisa que, eu sabia ser uma aprovação. Pensei que seria uma tradução literal do inglês pois em português associava a palavra a reprovação.

Mas fiquei a remoer o tema e foi-se tornando cada vez mais evidente que em português "sancionar" tanto pode significar aprovação como aplicação de uma penalidade.

Revoltei-me então contra os juristas por usarem uma palavra como antónimo de si mesma.

Na internet descobri o termo "contronym" que se traduz facilmente para português como "contrónimo", referido aqui e também na wikipedia.

E tomei nota da citação do ciberdúvidas: «The word contronym (also antagonym) is used to refer to words that, by some freak of language evolution, are their own antonyms. Both contronym and antagonym are neologisms; however, there is no alternative term that is more established in the English language»

Acho graça à expressão "freak of language evolution", no entanto acho estranho que em inglês, em francês, em espanhol e em português esta ambiguidade exista.

Por exemplo em relação a "esquisito", conforme referi neste post com um lindo vestido vermelho a desanimadora evolução do significado de "esquisito" na língua portuguesa não foi acompanhada de evolução semelhante nas línguas de países próximos.

Entretanto fiz uma conjectura que me satisfez, o significado inicial de sancionar seria exclusivamente de aprovação.

O que se passou foi que a autoridade “usava mais o pau do que a cenoura”. Embora por vezes aprovasse uma lei ou uma regra que devia ser seguida pelos súbditos, a maior parte das vezes sancionava a aplicação de penalidades, castigos, etc. A coisa foi de tal ordem que embora a palavra tenha mantido o uso erudito de aprovação, o significado que agora predomina é o de aplicação de penalidades. E nesse aspecto estamos em pé de igualdade com vários países ocidentais. É interessante constatar essa evolução semântica em paralelo de vários países.

Mesmo sem internet os juristas de diferentes países lá foram comunicando. Mas é uma situação infeliz, os juristas deveriam ter lutado mais contra esta evolução semântica.


Ao pensar numa imagem para acompanhar este texto encontrei esta “La reproduction interdite”, pintada por Magritte em 1937.

Se considerarmos que um antónimo é uma espécie de reflexo num espelho da palavra original, quando o antónimo é o mesmo do original obtemos uma imagem como esta acima.

Curiosamente o livro reflecte bem, só o homem é que é problemático.